Marxismo e feminismo

Angela Davis, quando militava no Panteras Negras - Foto: Reprodução

marxismo21

A iniciativa de dedicarmos uma página especial do blog à problemática do “Marxismo e Feminismo” surgiu de uma provocativa e efusiva manifestação de uma leitora, Eduarda de Lemos, que nos escreveu por ocasião do lançamento do blog. Nessa oportunidade, ela afirmava “é de enlouquecer por aqui olhando as publicações (do blog), sem contar que está bem organizado!”; igualmente fazia uma sugestão para que se criasse um tópico especial sobre marxismo-feminismo no blog. Nossa leitora, inclusive, reconhecia que nele já havia alguns textos sobre o tema, “mas ficaria lindamente lilás se tivessem muitos outros”.

A partir dessa manifestação, outros membros de nosso Conselho Editorial e Consultivo foram apoiando e estimulando a ideia. Dentro dos princípios que norteiam marxismo21, construiu-se, pois, esta página especial.

Como ponto de partida, apresentamos dois textos clássicos do marxismo, escritos no início do século XX, no contexto da Revolução Russa, que discutem a nova mulher, a nova moral sexual, e a participação feminina na política e na construção de um novo mundo. O primeiro é da revolucionária russa Alexandra Kolontai (1872-1952), “O amor e a nova moral”, um dos capítulos do livro que contém dois ensaios da autora, A nova mulher e a moral sexual e O amor na sociedade comunista, escritos em 1918 e 1921, respectivamente, e publicados pela Expressão Popular (o livro tem o título do primeiro ensaio), em 2000, com introdução de Tatau Godinho.

No texto aqui destacado, Kolontai explicita a necessidade de se repensar o amor e a sexualidade sobre novas bases, como um desafio que deve fazer parte do processo revolucionário. O segundo texto é do marxista peruano José Carlos Mariátegui (1894-1930), “A mulher e a política”, publicado originalmente em Variedades, Lima, em 15 de março de 1924 – como fruto de sua atividade de jornalista e defensor da revolução bolchevique – e que faz parte do livro Revolução Russa: história, política e literatura, com organização, tradução e prefácio de Luiz Bernardo Pericás, recentemente publicado pela Expressão Popular (2012). Neste texto, Mariátegui – além de destacar o papel de Kolontai – afirma que a história da Revolução Russa se acha, na verdade, muito conectada à história das conquistas do feminismo.

Na seqüência, selecionamos textos publicados pela Revista Escrita Ensaio, n.5, dedicada à temática específica “Mulher brasileira: a caminho da libertação”, publicada em 1979 – justamente no pico da retomada do movimento operário no pós-1964 – que também significou um importante momento do movimento feminista, através da realização do Congresso da Mulher Metalúrgica, do Primeiro Congresso da Mulher Paulista, do Encontro Nacional das Mulheres, promovido pelo Centro da Mulher Brasileira, entre outras iniciativas. Deste número temático, destacamos inicialmente dois textos. O primeiro é uma entrevista do então líder do movimento operário e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Luis Ignácio Lula da Silva, “Uma luta comum de homens e mulheres”, que com certeza nos ajuda a compreender melhor o pensamento do ex-presidente da República sobre o tema. O segundo é um importante artigo, “O fardo das brasileiras – de mal a pior”, da socióloga marxista Heleieth Saffioti – símbolo e uma das pioneiras da complexa e bem-vinda discussão sobre marxismo e feminismo no Brasil. Nele, a autora defende explicitamente que uma mulher genérica não existe, mas sim mulheres localizadas na estrutura social, que arcam com o ônus desta inserção e, portanto, a intensidade da discriminação feminina varia segundo as classes sociais.

Em função de sua importância, outros textos de Saffioti devem ser destacados. Neste sentido, ressalte-se o dossiê “Marxismo e feminismo: um ano sem Heleieth Saffioti”, organizado por Lutas Sociais (PUC-SP) – publicado no no. 27 da revista -, em homenagem a esta importante lutadora e pensadora. (Uma nota dos editores de Lutas Sociais, ao cederem os textos ao blog, pode ser aqui acessado.)

dossiê faz referência ao excelente livro de Saffioti, publicado em 1969, A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, através do texto “A questão da mulher na perspectiva socialista”, que é uma parte do capítulo deste clássico das ciências sociais no Brasil. Além de uma entrevista com a autora, realizada por Renata Gonçalves e Carolina Branco, “Heleieth Saffioti por ela mesma: antecedentes de A mulher na sociedade de classes”, o dossiê publica ainda os seguintes artigos: “Uma homenagem a Heleieth Saffioti: minha maior mestra” (Maria Aparecida de Moraes Silva); “Heleieth Saffioti!” (Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida); “Desvendando O poder do macho: um encontro com Heleieth Saffioti” (Angélica Lovatto); “O feminismo marxista de Heleieth Saffioti” (Renata Gonçalves); “Marxismo e feminismo hoje” (Judith Orr); “Feminismo e marxismo: 40 anos de controvérsias” (Andréa D’Atri); “Rumo a uma união queer do marxismo e do feminismo?” (Cinzia Aruzza); “Uma visão feminista sobre o sujeito da transformação social em Nuestra América” (Luciano Fabbri); e “Integrar desintegrando: as metamorfoses no mundo do trabalho feminino na agroindústria” (Claudia Mazzei).

Ainda na linha de dossiês organizados sobre o tema do feminismo, convém destacar o que foi publicado por Mediações – Revista de Ciências Sociais (Universidade Estadual de Londrina-PR), cujo link disponibiliza o volume 14, n.2, de 2009, abordando “Contribuições do pensamento feminista para as Ciências Sociais”. Embora nem todos os textos – num total de dez artigos – discutam especificamente o feminismo no contexto do marxismo, muitos deles tratam do tema, destacando-se temáticas relacionadas, por exemplo, à participação política das mulheres no MST, a presença de mulheres no cenário intelectual e das lutas sociais do pré-1964 no Brasil, as relações entre feminismo e capitalismo, o movimento de mulheres e a imprensa, entre outros.

Neste campo de discussão, é importante destacar o papel da vanguardista Flora Tristan (1803-1844) que, na Paris dos anos 1840 – com sua obra União operária (1843) que defendia a auto-emancipação dos trabalhadores e o internacionalismo socialista – impressionava nomes como Marx e Bakunin, entre outros. Outro importante texto de Tristan que se relaciona diretamente ao tema, publicado dois anos após sua morte é A emancipação da mulher. O filósofo Leandro Konder dedicou um estudo a esta militante e escritora, Flora Tristan, uma vida de mulher, uma paixão socialista, publicado em 1994, pela Relume-Dumará, livro que poderá ser acessado por meio de um link logo abaixo informado. Jamais poderíamos esquecer um outro grande momento da luta pela emancipação feminina que foi a Comuna de Paris de 1871, onde, entre outras mulheres, emerge a figura de Louise Michel (1830-1905). Conferir texto em versão digital na Bibliothèque Nationale de France.

Pensando no cenário contemporâneo das Ciências Humanas não podemos deixar de mencionar o importante papel da filósofa estadunidense Judith Butler, uma das intelectuais mais influentes na discussão sobre o tema hoje. Para estimular a leitura dessa autora disponibilizamos aqui o texto de Vladimir Safatle, “Gênero e silêncio”, publicado recentemente na Folha de S. Paulo. Nesta direção, uma entrevista com a autora, “Conversando sobre psicanálise”, publicada na Revista Estudos feministas, da UFSC, é aqui divulgada. Um conjunto final de mais quatro textos devem ser mencionados. Os dois primeiros estão abrigados no site que leva o nome da combativa feminista brasileira Pagu: são eles um artigo e a tese de livre-docência de Maria Lygia Quartim de Moraes. Outros dois textos têm as autorias de Lelita Benoit e Clara Araújo.

Vários textos sobre o feminismo sob a perspectiva do marxismo podem ser acessados no excelente site Marxismo critico – práxis, consciencia y libertad.

Logicamente não poderíamos deixar de fazer referências a alguns dos textos do blog que já estão disponíveis desde o seu lançamento: assim, destacamos a tese de doutorado “Marxismo e a questão feminina”, de Joana El-Jaick Andrade, USP, em 2011; igualmente a dissertação de mestrado, “Trabalhadoras e anarquismo no Brasil”, defendida em 1979, por Monica Siqueira de Barros, na Unicamp.

Enfim, os mais de trinta textos sobre feminismo e marxismo aqui divulgados são apenas um primeiro estímulo, que deverá ser complementado pelos que colaboram para a divulgação e construção deste tema em marxismo21.

Para finalizar, somos gratos àqueles editores que autorizaram a publicação de seus materiais na presente página: aos Editores e Comitê Editorial da Revista Lutas Sociais n.27 que autorizaram a publicação integral de seu dossiê; ao editor Wladyr Nader, da Revista Escrita/Ensaio; aos editores da Expressão Popular; e à Comissão Editorial da Mediações – Revista de Ciências Sociais. Também agradecemos aos que contribuíram, estimularam e incentivaram a seleção inicial dos textos aqui divulgados: Caio N. de Toledo, Maria Orlanda Pinassi, Milton Pinheiro, Patrícia Trópia, Sofia Manzano e Virgínia Fontes.

Por último, não podemos deixar de lamentar a perda recente de duas grandes figuras humanas que muito se destacaram no Brasil na luta pelo socialismo e pela causa do feminismo: Zuleika Alambert, falecida aos 90 anos (eleita deputada estadual em 1947, pelo PCB), foi uma das primeiras mulheres a conquistar uma cadeira na Assembléia Legislativa de São Paulo, por Santos; e Kathrin Buhl, Diretora da Fundação Rosa Luxemburgo, em São Paulo, que com sua militância socialista e internacionalista teve destacado papel nas lutas anticapitalistas do nosso tempo.

A elas e a Heleieth Saffioti  é dedicado este dossiê de marxismo21.

Editores: Angélica Lovatto (UNESP) e Paulo Barsotti (FGV)

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Artigos e entrevistas

O fardo das brasileiras, Heleieth Saffioti  acesso
“Uma luta comum de homens e mulheres”, entrevista c/ Luis Ignácio da Silva  acesso
Sobre o feminismo: entrevista com Judith Butler, Patrícia Knudsen  acesso
Dossiê sobre a questão do feminismo, Mediações  acesso
O feminismo marxista de Heleieth Saffioti, Renata Gonçalves, Lutas Sociais  acesso
Heleieth Saffioti por ela mesma: entrevista a R. Gonçalves e C. Branco, LS  acesso
Desvendando o poder do macho, Angélica Lovatto, LS  acesso
H. Saffioti: “Mestra maior”, Maria Aparecida M. Silva, LS  acesso
Marxismo e feminismo hoje, Judith Orr, LS  acesso
Feminismo e marxismo: 40 anos de controvérsias, Andrea D´Atri, LS  acesso
Dossiê sobre a questão do feminismo, Revista Mediações, LS  acesso
Heleieth Safiotti, Lúcio Flávio de Almeida, LS  acesso
Rumo a uma “União queer” de marxismo e feminismo?,  Cintia Aruzza, LS  acesso
Metamorfoses no mundo do trabalho feminino na agroindústria, Cláudia Mazzei, LS  acesso
Um olhar feminista sobre o sujeitx da transformação social em Nuestra América, Luciano Fabbri, LS  acesso
Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças, M. Lygia Moraes, Pagu  acesso
Feminismo, gênero e revolução, Lelita Benoit, CM 11  acesso
Marxismo, feminismo e gênero, Clara Araújo, CM 11  acesso
Judith Butler, gênero e silêncio, Vladimir Safatle, FSP  acesso

Livros e capítulos

 Floran Tristan, Leandro Konder

 acesso

 O amor e a nova moral, Alexandra Kolontai

 acesso
 Oeuvres posthumes, Louise Michel  acesso

A questão da mulher na perspectiva socialista, Heleieth Saffioti

 acesso

 

Trabalhos acadêmicos

Vinte anos de feminismo, Maria Lygia Q. de Moraes acesso
Marxismo e a questão feminina, de Joana El-Jaick Andrade acesso
Trabalhadoras e anarquismo no Brasil, Monica Siqueira de Barros acesso

 Sites

marxismocritico


Enviado para Combate ao Racismo Ambiental por Sonia Mariza Martuscelli.
http://marxismo21.org/marxismo-e-feminismo/

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