“Balanço da luta do movimento negro em 2012 e perspectiva para 2013”

Edson França* – Adital

O ano de 2012 foi um ano positivo para o movimento negro brasileiro, apesar de persistir ações e reações contrárias a pauta antirracista, encerrou ciclos e abriu novos desafios que exigirá toda atenção para que não fiquemos no meio do caminho. Nesse artigo pretendo apontar em linhas gerais os principais destaques da luta do movimento negro em 2012 e apresentar alguns desafios e perspectivas para o próximo ano

Heróis e heroínas negras que em 2012 passaram ao orun

Começo discorrer sobre os principais destaques político para luta racial em 2012 pela parte mais difícil e incomum para militância do movimento negro: a perda de valorosos personagens que deixaram importantes legados ao Brasil, ao dedicarem toda a vida na luta para superação do racismo. Com isso, me coloco entre aqueles que consideram que o principal patrimônio do movimento negro são seus quadros e toda a militância, depositários legítimos de quinhentos anos de acúmulos histórico, teórico e político decorrentes da experiência do contato do africano e do negro com a opressão e o racismo no Brasil.

Para o movimento negro o ano corrente foi muito difícil nesse aspecto, tivemos muitas perdas, expresso gratidão e homenageio a memória do Deputado Estadual José Cândido (PT/SP), Prof. Eduardo de Oliveira (CNAB), Wilson Brother (coordenação da UNEGRO/DF e fundador do bloco Pacotão), Sonia Leite (CONEN), Teresa Santos (fundadora do CECAN, principal entidade paulista na década de 70), Hamilton Vieira (jornalista e introdutor da pauta racial na imprensa baiana), Seu Teodoro (mestre do bumba meu boi do Maranhão), Mestre João Pequeno (ícone da capoeira, discípulo do Mestre Pastinha) e Mestre Paulo (Samba Autêntico e Projeto Rua do Samba Paulista), além de muitas Marias e Joãos que incorporaram abnegadamente a luta racial em suas vidas, mas não são conhecidos pelo grande público que compõe o movimento negro brasileiro. Para nós do movimento negro todos são heróis e heroínas imortalizados nas conquistas e nas expectativas de igualdade, paz, justiça e liberdade que o povo brasileiro carrega na mente e no coração.

Violência do governo Alckmin e o projeto de extermínio da população negra

O ano de 2012 será destacado negativamente pelo crescimento da violência, que sempre tem maior incidência sobre a juventude negra. O registro de 4.306 homicídios de janeiro a novembro de 2012, em São Paulo (Revista Exame on-line) é uma eloquente denúncia da incapacidade de Geraldo Alckmin governar o estado. Estamos diante de um índice de mortalidade violenta comparável a países conflagrados, somente muita irresponsabilidade governamental permite atingir tal patamar de violência.

Esse quadro remete o movimento negro à defesa do mais elementar dos direitos: a vida.

Geraldo Alckmin compõe a intelligentsia que dá continuidade ao projeto da elite escravocrata que em meados do século XIX, advogando a tese que o desenvolvimento do Brasil em padrões europeus estava definitivamente comprometido devido a existência do sangue africano em solo brasileiro, elabora um projeto de nação sem a presença negra, assim eliminariam o principal fator do subdesenvolvimento do país que nascia.

Para isso, concluiu que era necessário branquear a população brasileira. O extermínio físico compunha uma das formas para dar consequência prática ao projeto de branqueamento.

Houve outras ações práticas, como subsídio a imigração em massa de europeus (desembarcaram no Brasil 3,9 milhões de europeus em 40 anos, segundo pesquisa de Cida Bento), incentivo a miscigenação na camada popular, violência sobre os protestos sociais (Canudos e a Revolta da Chibata são os exemplos mais contundente do tratamento do Estado aos movimentos sociais), proibição da entrada e exílio de negros e africanos (ainda existe a marca desse arbítrio na comunidade de descendentes de brasileiros em Benin).

O projeto de branqueamento e a prática de contenção física da população negra não ficaram localizados em finais do século XIX e nas três primeiras décadas do XX. A década de 90 do século passado foi notabilizada pela implantação do neoliberalismo e pela contundente retórica genocida das elites mundiais.

Os teóricos do neoliberalismo ainda não abandonaram a perversa convicção que a pobreza é injusta aos homens vocacionados ao sucesso, pois obriga o Estado a desperdiçar recursos humanos e econômicos com alimentação, moradia, saúde e educação, logo emperra a capacidade de desenvolvimento do país. Em seus cálculos grande parcela da população mundial empobrecida é inapta para ser incorporada no desenvolvimento moderno e oferece perigo para estabilidade do sistema, logo é descartável. Cabe aos Estados desenvolvidos, modernos e democráticos oferecer propostas que dê resolução ao problema.

A UNEGRO, no documento “Extermínio Programado da População Negra”, denunciou a pretensão imperialista contida no “Relatório Kinssiger” e a perversidade da elite brasileira exposta no documento da Escola Superior de Guerra (ESG) conhecido como “Estrutura do Poder Nacional para o Século XXI”. Ambos buscam, em última instância, dar respostas concretas ao maior impasse do neoliberalismo: o que fazer para conter o crescimento das populações que proliferavam nos bolsões de miséria em todo planeta, visto que serão fatores de instabilidade ao status quo.

Essa compreensão foi a base teórica para a arquitetura política e ideológica que nos anos 90 sustentava abertamente a violência da polícia, esterilização generalizada das mulheres negras, negação de políticas sociais básicas que incidem na longevidade das pessoas (trabalho e renda, saúde, educação, saneamento básico, previdência, etc.) e a existência de grupos de extermínios que dizimavam indiscriminadamente crianças negras, pobres e em situação de rua. Hoje vemos esses fenômenos se atualizando.

Sobre o recrudescimento da violência na atualidade, especialmente no estado de São Paulo, há quem diga que o motivo do caos é a perda de controle sobre a polícia e sobre o crime organizado. Considero essa uma afirmação insuficiente, pois ela aponta para uma provável acefalia política, transformando o principal responsável em incompetente e não em autor e executor de um projeto político.

Alckmin é o arquiteto do caos, ele conscientemente dá consequência prática ao sonho liberal descrito logo acima. Está desde o primeiro mandato de Mário Covas no poder, indicou e é patrão dos comandantes das polícias e dos secretários das áreas de segurança, estabeleceu as políticas de segurança pública, carcerária e de direitos humanos no estado. Toda a ação do estado de São Paulo só é possível com a assinatura do seu governador.

Ao mesmo tempo tudo indica que o governo negocia com o crime organizado, com vista a apresentar para sociedade um gráfico que aponte redução dos dados de rebelião nos presídios, homicídios, assaltos, sequestros, dentre outros dados de criminalidade. Em outras palavras, acredito que negocia com organizações criminosas com objetivo de maquiar a ação do estado no combate a criminalidade apresentando redução dos índices e não desarticulando o crime e oferecendo segurança de fato a população. Não imagino qual a contrapartida que oferece.

Em um país cuja democracia está mais consolidada, com maior presença dos trabalhadores e do povo nos espaços de poder, certamente um governante com esse grau de irresponsabilidade sofreria impeachment. Não vejo solução para conter o aumento da violência em São Paulo enquanto estivermos sendo governados por forças neoliberais e reacionárias, ainda assim, considero necessário apurar a responsabilidade do governador diante da selvageria e do medo que tomou conta do estado. Está aí um grande desafio aos movimentos sociais, especialmente ao movimento negro, desmascarar a política genocida e anti povo do governo do PSDB e construir as bases para sua superação no voto em 2014.

Aprovação das cotas consolida a principal conquista do movimento negro em 2012

Esse ano encerrou décadas de luta do movimento negro para incorporar a juventude negra nas principais universidades do país, há novos desafios, mas o direito a inclusão foi conquistado. A lei 12.711/2012, que prevê ingresso de negros, índios e pobres nas universidades públicas federais é constitucional segundo os 11 ministros que compõe a mais Alta Corte da República Federativa do Brasil, está aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pela Presidenta da República Dilma Rousseff e regulamentada pelo governo federal, já em pleno vigor. Até 2016 as universidades públicas federais estão obrigadas a reservar 50% das vagas que serão destinadas a incorporação de pobres e negros oriundos de escolas públicas.

O movimento negro a exemplo dos mais variados segmentos do movimento social não é um espaço monolítico, a luta contra o racismo comporta várias correntes políticas, ideologias, táticas, organizações, etc. No entanto, ao contrário de algumas mal formuladas e superficiais críticas, tem unidade, construiu grandes consensos, dentre eles a defesa das políticas de ações afirmativas e as cotas nas universidades públicas – como principal proposta de ação afirmativa.

Após vários anos de intensos debates, enfrentando ao mesmo tempo e sem trégua setores minoritários – contrários ou vacilantes – da esquerda; todas as correntes de pensamento liberal; partidos políticos, o maior e mais acirrado combatente contra a presença de negros na universidade foi o DEM e depois o PSDB; grande parcela da classe média, principal beneficiária do privilégio; a grande mídia militando, mobilizando, desinformando e pressionando as autoridades a se posicionarem contra as cotas; personalidades respeitadas, tais como Caetano Veloso, Ferreira Gullar, João Ubaldo Ribeiro, Nelson Motta, Aguinaldo Silva, Gerald Thomas, dentre outros; intelectuais de toda ordem, inclusive alguns que estudaram a questão racial no Brasil e se mostraram inimigos da cota para inclusão de negros nas universidades, como Peter Fry, Manolo Florentino, Marcos Chor Maio, Ricardo Ventura, etc.; instituições universitárias como a USP, UNESP e UNICAMP.

A USP foi fundada para atender o sonho e os objetivos estratégicos da classe dominante paulista, que consistia em formar uma elite altamente capaz e dinâmica para recuperar a hegemonia de São Paulo no país, agora com foco no campo econômico e político. Após as derrotas de 1930 e depois em 1932 pelas armas, sabiam que somente a ciência abriria condições para o estado novamente obter a supremacia perdida. Hoje o objetivo é de preservar o peso de São Paulo no campo econômico e político, por isso a USP resiste com vigor e tem se recusado debater propostas que levem a qualquer processo de democratização do acesso de pobres e principalmente negros em seu interior.

Apesar da resistência o movimento negro paulista não tem dado trégua, ciente de que São Paulo não pode continuar negando as cotas sob pena de comprometer sua reeleição, Geraldo Alckmin pressionou os reitores das universidades públicas paulistas para apresentar uma proposta de inclusão de negros e pobres na universidade. Ainda que tenha controvérsia na proposta oficialmente apresentada pelo governador, podemos dizer que a elite bandeirante e os dirigentes uspianos não estão felizes. São todos contra as cotas sociais ou raciais, as cotas ferem princípios e objetivos da classe dominante paulista.

Importantes destaques devem ser registrados nessa longa e árdua batalha, primeiro ficou patente que quando o movimento negro sai unificado em defesa de uma proposta ele mobiliza o Brasil. Por isso, precisamos ser mais ousados na busca das mudanças, sabemos que é possível unificar a população negra para corrigir a subrepresentação de negros nos espaços de poder, é inaceitável que os negros representantes de 50,6% da população brasileira estejam alijados dos espaços que definem o destino do país.

Segundo, consolida a convicção que as forças contrárias ao racismo – composta de todas as raças, cores e origens nacionais – são majoritárias no país. Há caminhos para construção de uma nação próspera, justa, solidária, com forte unidade popular.

O povo brasileiro optou em ouvir o movimento negro e os defensores das cotas raciais, apesar da retórica do medo elaborada pelos intelectuais anticotistas e de toda manipulação da grande mídia na hora de informar, provamos que os grandes órgãos de comunicação são poderosos, mas não são infalíveis.

Terceiro é constatar que forças de esquerda, centro, direita e seus respectivos polos, em várias ocasiões foram vozes uníssonas contra as cotas, uma coincidência possível apenas na questão racial. Sei que é uma afirmação incômoda, mas não podemos ignorar fatos. Temos que verificar com maior profundidade esse fenômeno e tirar lições para os enfrentamentos necessários para vitória total contra o racismo.

Como Nelson Mandela falou: “ao lado da vitória vem a responsabilidade”, não será diferente para o movimento negro com a conquista das cotas. Segundo cálculos da Folha de São Paulo (23/12/2012), das 224 mil vagas nas universidades públicas federais 42 mil serão reservadas para negros e pobres oriundos das escolas públicas. Isso mudará definitivamente o perfil social e racial das universidades, incidirá nas linhas de pesquisas e extensões, pois novos valores, novas necessidades e inquietações serão munidas de conhecimentos até então inacessível.

O primeiro desafio é exigir condições (tutoria) para que os cotistas permaneçam nos cursos até se formarem, isso significa reforço para elevar o nível dos cotistas, garantir ajuda de custo para materiais didáticos, alimentação, transporte, acesso a cultura, ao lazer e moradia quando for o caso.

Segundo desafio é garantir que os milhares de negros e negras que estão se formando e se formarão em breve sejam incorporados com dignidade no mercado de trabalho e deem contrapartidas sociais aos esforços coletivos que garantiram a abertura das universidades públicas e privadas (através do PROUNI), até então negadas para negros e pobres. Será uma forma de universalizar um bem que pertence a toda população negra e pobre do país, que sempre apoiaram as ações afirmativas.

Num primeiro momento, parcela desses estudantes provavelmente absorverão os valores elitistas predominantes nas universidades, haverá pressão da casta intelectual, que combateu as cotas, e se encontra encastelada nas academias. Não descarto a possibilidade da maioria dos cotistas serem ganhos pelo pensamento conservador que domina as instituições universitárias, a classe dominante brasileira sempre inverte o jogo, resistem aos avanços, quando perdem se alinham e dominam o processo a seu modo.

O Brasil está mudando, verificamos a emersão de uma nova classe média, composta por caras e cores que até então não vislumbravam possibilidades de ascensão. Esses jovens virão em busca de oportunidade e sucesso, muitos desconhecendo toda a luta do movimento negro para incorporá-los na educação superior, depositando a razão de sua formação universitária exclusivamente nos méritos individuais. Por isso, torna-se imperativo o movimento negro elaborar formas de se aproximar da juventude universitária e cotista, assim será possível atuar para formarmos consciências críticas capazes de devolver à coletividade as vitórias alcançadas na luta comum.

Vitória eleitoral do campo progressista

O resultado da eleição para prefeitos e vereadores em 2012 foi positivo para os movimentos sociais, a base aliada do governo Dilma governará a partir de 01 de janeiro do próximo ano 75% dos municípios brasileiros, sem sombra de dúvida essa nova rede de prefeitos e prefeitas é uma sólida base política para o pleito de 2014 – embora a transferência de votos não seja automática. Além das taxas recordes de popularidade, o resultado eleitoral assegura um prognóstico favorável ao campo político inaugurado por Lula, se não ocorrer nenhum fato muito grave e negativo, provavelmente terá mais seis anos para aprofundar as mudanças iniciadas em 2003, as políticas de igualdade racial se beneficiarão da continuidade de Dilma por mais um mandato na Presidência da República.

A eleição em Salvador merece um destaque especial, não pela vitória do DEM, uma força reacionária que vem definhando em todo país, mas pela forte presença da questão racial no debate político eleitoral. Todos os institutos de pesquisas que analisaram as intenções de votos em Salvador indicavam vitória tranquila de ACM Neto (DEM/BA) no primeiro turno, após a denúncia, veiculada na TV pelos adversários, sobre posição do DEM contra as cotas raciais e contra os quilombolas, houve segundo turno e faltou muito pouco para ser derrotado. Se ACM Neto não convencesse os eleitores de Salvador que era pessoalmente favorável as políticas de igualdade racial, certamente perderia a eleição.

As chapas com candidatos a prefeitos e vices que disputaram eleição em Salvador tinha presença negra encabeçando ou como vice, de modo que além do debate sobre propostas para superação do racismo e promoção social da população negra soteropolitana, na prática estava em pauta a presença de negros e negras no poder. A Bahia inaugura um ciclo político virtuoso para luta contra o racismo ao exigir negros nas chapas majoritárias, lá não existirá mais o conhecido nós sem nós, a população negra está ciente de sua força, de sua capacidade de escolher representantes comprometidos com o antirracismo. Nenhum político se viabilizará na Bahia ignorando o peso do racismo sobre o negro, ou sem assegurar aos baianos que verdadeiramente está comprometido com esse tema. Ganha o Brasil quando a voz da metade da população ganha mais eco e se torna mais forte.

Outro destaque do processo eleitoral importante para a luta do movimento negro é a vitória de Fernando Haddad na cidade de São Paulo, maior metrópole da América do Sul e quinta maior do mundo. Esse resultado aprofunda a instabilidade do projeto de continuidade tucana no estado de São Paulo, acirra as brigas internas e agrava a irrevogável divisão do PSDB em todo país, além de reiterar a liderança de Lula. Esses fatores são suficientes para o júbilo de todos os movimentos sociais. No entanto tem mais, especialmente ao movimento negro, Haddad anunciou a implantação de uma secretaria municipal de igualdade racial (não foi ainda anunciado o nome do órgão) e anunciou, também, o titular da pasta, um promissor político jovem e negro: Netinho de Paula, vereador reeleito pelo povo paulistano.

O Brasil registra marcos importante na institucionalidade de órgãos de governo para questão racial, com enfoque na população negra. A experiência inaugural no país com o Conselho de Participação e Desenvolvimento da População Negra em 1984, em São Paulo e a Fundação Cultural Palmares quatro anos após, no âmbito do governo federal, em pleno Centenário da Abolição, superou definitivamente a completa omissão do Estado brasileiro em oferecer políticas públicas voltadas especificamente para população negra e quebra um dos sustentáculos do mito da democracia racial, que consistia na negação do Estado em intervir com políticas públicas num problema que até então não aceitava reconhecer sua existência: o racismo. A SEPPIR do governo Lula reiterou e fortaleceu o compromisso do Estado, elevando o patamar do enfrentamento dos desdobramentos do racismo, além de elaborar paradigmas e atualizar propostas ouvindo a sociedade civil através de conferências e conselhos de políticas públicas.

Chamo atenção do movimento negro a essa secretaria anunciada por Haddad, pois estabelecerá um novo paradigma na implantação de órgãos responsáveis pela política de igualdade racial. Segundo o prefeito eleito a secretaria fará a transversalidade e executará alguns programas para igualdade racial, para isso terá estrutura humana, técnica e institucional adequada a demanda, além de orçamento digno de uma secretaria executora de políticas públicas. Precisamos acompanhar essa experiência, o Brasil está cansado de órgãos de igualdade racial incapazes de cumprir seus objetivos porque não estão nos objetivos dos prefeitos e governadores.

Temos incidir nos planos de governos a partir de 2013, quanto maior é a presença de forças progressistas nas prefeituras, mais favorece conquistas objetivas para as reivindicações da sociedade. Há tarefas de grande importância ao avanço da luta do movimento negro decorrente da mudança de titulares dos executivos e legislativos municipais, que reitero nesse artigo, pois já disse imediatamente após a eleição passada no artigo “Tarefa do movimento negro após a eleição.” (http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=4967&id_coluna=15):

-Exigir incorporação de negros e negras nos cargos comissionados, em todos os escalões.
-Exigir a instituição de organismos de promoção da igualdade racial (secretarias, coordenadorias ou assessorias).
-Estimular a criação de frentes parlamentares de igualdade racial principalmente nas Câmaras de Vereadores de todos os municípios a partir de 200 mil habitantes.
-Criar conselhos de igualdade racial em todos os municípios, principalmente naqueles a partir de 200 mil habitantes.
-Exigir a elaboração de planos de igualdade racial com metas quantitativas e orçamentárias.
-Exigir a imediata implantação do Estatuto da Igualdade Racial.
-Exigir a inclusão do movimento negro como beneficiário de políticas de igualdade racial.

Barack Obama e Joaquim Barbosa

Barack Obama e Joaquim Barbosa, Presidente dos EUA e Presidente do STF, respectivamente, são personagens relevantes para o movimento negro em 2012, pois representam a capacidade do negro quebrar barreiras, vencer o racismo e ocupar espaços de poder reservados para homens brancos representantes da classe dominante. Em 2012 estiveram no centro de acontecimentos que mobilizaram seus respectivos países.

Barack Obama, primeiro negro a presidir os EUA foi reeleito esse ano em disputa acirrada com o republicano Mitt Romney. Governará durante oito anos a nação mais poderosa do planeta, centro do capitalismo mundial e o mais forte e beligerante dos impérios. Barack Obama não só manterá intactos os interesses como aumentará, onde for possível, a nefasta presença imperialista nos países pobres e em desenvolvimento. Apesar da torcida e da expectativa positiva das populações africanas e negras da diáspora, não podemos ter nenhuma inocência, ser negro não torna Obama melhor ou pior política e ideologicamente em relação aos 43 presidentes anteriores dos EUA. Por isso o movimento negro deve continuar denunciando e combatendo os objetivos do imperialismo estadunidense.

No entanto, hoje, ele é a melhor alternativa para os EUA e para débil estabilidade da geopolítica internacional, os ultras conservadores republicanos embebidos de um moralismo puritano além de levar os EUA para padrões comparáveis a Idade Média em questões de direitos humanos e civis, pretendiam endurecer com o Irã, dar cabo ao modo deles na crise da Síria, fomentar mais discórdia na questão palestina, enquadrar a China e intervir na América Latina para conter a ascensão das forças de esquerda, a vitória republicana poderia levar o mundo imediatamente a uma guerra sem precedentes. A ascensão dos republicanos no poder seria um recado negativo para a paz no planeta, diante disso, Obama é uma espécie de redução de danos, um mal necessário que a comunidade internacional aguardava ansiosamente.

Joaquim Barbosa, grande estrela dos noticiários da grande mídia hegemônica brasileira em 2012, é um caso que guarda certa complexidade. Chegou ao STF pela iniciativa do Presidente Lula, atendendo reivindicação da luta antirracista e o bom senso do Presidente que indicou um negro pela primeira vez em 120 anos de existência da mais Alta Corte. Obviamente a população negra aplaudiu essa conquista e aplaudiu mais efusivamente quando Joaquim Barbosa assumiu em 22 de novembro de 2012 a Presidência do STF, pois um dos poderes que equilibra a República passou a ser comandado por um negro, fato inimaginável antes de Lula.

Para população negra, um negro ascender ao poder não é um fato corriqueiro, por isso, eventos como esse é especialmente valorizado. O negro, ao lado dos bancos e dos índios, é construtor de primeira ordem do Brasil, durante 388 anos foi mão de obra quase exclusiva, por isso inexistir negros em espaços como o STF depõe contra a nação, considero uma contundente denuncia da força do racismo no Brasil.

Aplaudir Joaquim Barbosa por ser o primeiro e único negro a assumir a Presidência do STF não é sinônimo de concordar com todos seus votos, por isso é fácil declarar apoio ao voto que Barbosa deu pela constitucionalidade do casamento homoafetivo, pela inconstitucionalidade da cláusula de barreira aos partidos políticos salvaguardando o pluralismo partidário e o direito do eleitor manter ou não a existência de um partido, voto favorável a cota racial e voto favorável a população indígena no caso das reservas Raposa e Terra do Sol, assim como criticar e denunciar a quebra de jurisprudência e o grave risco a democracia o voto proferido na ação penal 470 – conhecido graças a insistência da mídia como mensalão.

Durante sete anos os donos das grandes redes de comunicação massacraram a opinião pública com a tese da existência da compra de votos parlamentar para votar nas propostas de interesse do governo e necessidade de condenar o núcleo político do primeiro mandato do Presidente Lula.

Na verdade, as seis famílias proprietárias de toda a grande mídia nacional se transformaram na principal oposição ao governo federal, o que desejavam era macular os oito anos de governo democrático e popular para que enfraquecidas, as forças que apoiaram Lula e Dilma fossem derrotadas eleitoralmente. Daí a emergência da reforma dos meios de comunicação no Brasil, com vista a quebrar o monopólio e democratizar a difusão de informações.

Como classe dominante, os donos do poder midiático brasileiro almejam o retorno do neoliberalismo, da Alca, das privatizações, do sucateamento dos direitos trabalhistas, previdenciários e dos serviços públicos, da ausência do Estado no fomento do desenvolvimento (o Estado só para financiá-los). A luta contra o neoliberalismo está longe do fim, por isso temos que enxergar os processos políticos para além da aparência, para além da maquiagem, senão nos perdemos e entregamos as ovelhas aos lobos.

Considero que Joaquim Barbosa e a maioria dos ministros do STF julgaram os réus da ação penal 470 assediados e pressionados pela grande mídia hegemônica. Barbosa virou herói nacional para os reacionários da Veja, Folha de São Paulo, Globo, Estado de São Paulo todos fiéis colaboradores da ditadura militar, passam quilômetros da ética e da democracia, fecharam questão e militam contra cotas, quilombolas, sem terra, sindicatos, movimentos sociais, ou seja, contra todo avanço que beneficia o povo brasileiro. Engana-se quem pensa que Joaquim Barbosa defende a moralidade pública, nesse processo ele é uma peça da elite conservadora na luta de classes, o alvo é Lula e todas as conquistas do povo brasileiro.

Uma obra em execução

O próximo ano (2013) fecha uma década da ascensão das forças populares e progressistas à Presidência da República ao lado de Lula, continuado por Dilma, será momento fértil para avaliação, ajuste ou reiteração de rota, pactuação de novas metas e objetivos para continuar dando curso às mudanças almejadas pelo povo e confiada hoje a Presidenta Dilma Rousseff.

Nessa década o Brasil conquistou a Lei 10.639/03 que institui a obrigatoriedade do ensino da África e da Cultura Afrobrasileira nas escolas, a Secretaria Nacional de Políticas de Igualdade Racial – SEPPIR e uma rede composta por centenas de órgãos governamentais de igualdade racial nos âmbitos dos estados e municípios, cotas raciais nas universidades públicas, Estatuto da Igualdade Racial, pactuou a política de igualdade racial com a sociedade civil em duas conferências nacionais e garantiu a política no plano plurianual (PPA), inaugurou edital para produção cultural com foco no produtor negro, formou milhares de universitários negros pelas cotas e PROUNI, que comporão em muito breve a parcela média da sociedade brasileira.

Essas conquistas se somam a um universo de direitos obtidos no ordenamento jurídico nacional, as políticas públicas de igualdade racial em curso em todo país, conhecimentos científicos elaborados continuamente e um gigantesco acúmulo decorrente de séculos de existência do movimento negro, nas estruturas de combate ao racismo dos partidos, sindicatos e numa infinidade de instituições. Dito isso, é possível afirmar que Brasil detém o mais complexo sistema de combate ao racismo do mundo, mas, paradoxalmente, o impacto e as mudanças na qualidade de vida da população negra caminham aquém das necessidades da população negra.

Os negros no Brasil ainda são a parcela populacional que recebem as piores remunerações, ocupam os piores postos de trabalho, superlotam os cárceres, sobrevivem em habitações precárias, dentre outras desvantagens que impactam de maneira mais aguda na população negra, ou seja, o racismo ainda é um elemento fortemente presente na organização do tecido social brasileiro.

No ano que completa dez anos da nova abordagem do Estado brasileiro no combate ao racismo os governantes e a sociedade civil devem colocar parte de suas energias para aumentar a eficácia e efetividade das políticas e promover negros e negros nos espaços de poder. A III Conferência Nacional de Políticas de Igualdade Racial (CONAPIR) prevista para 2013 tem que buscar resposta que atende essa necessidade de completar a grande obra de construção de justiça e igualdade no Brasil.

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=73090

*Presidente da UNEGRO.

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