O debate sobre estupros na Índia: por que a pena de morte não é a solução

Por Ananth Guruswamy, diretor da Anistia Internacional Índia

Nova Délhi – O trágico caso da mulher de 23 anos que foi brutalmente atacada, estuprada e abandonada para morrer por seis homens em Nova Délhi, no dia 16 de dezembro, realçou a realidade inaceitável enfrentada por milhões de mulheres na Índia. A violência contra elas é endêmica – mais de 220 mil casos de crimes violentos contra mulheres foram registrados em 2011 nas estatísticas oficiais do governo indiano, e o número real provavelmente é muito maior.

A luz no fim do túnel desse caso horrível tem sido a enorme indignação da sociedade indiana. O que começou como protestos liderados por estudantes em Nova Délhi cresceu para incorporar indianos de diversos setores da sociedade e de todo o espectro político. Dezenas de milhares foram às ruas com a mensagem clara de que algo tem que mudar e que as mulheres não devem mais viver com medo.

Mas entre as muitas demandas razoáveis e construtivas para que as autoridades lidem com a situação, há infelizmente um crescente coro de vozes clamando pela execução dos seis suspeitos, ou mesmo para a pena de morte obrigatória em casos de violência sexual.

Cinco dos seis suspeitos foram acusados formalmente em Nova Délhi, e as autoridades investigam se o sexto é menor de 18 anos. Os cinco foram acusados de vários crimes, inclusive homicídio, punível por morte na lei indiana.

A raiva sentida com relação aos suspeitos é completamente compreensível, assim como o desejo de impor leis mais rígidas sobre violência sexual, para garantir que nunca mais aconteça o que ocorrem em Délhi em dezembro. Mas impor a pena de morte apenas perpetuaria o ciclo da violência.

A Anistia Internacional se opõe à pena de morte em todas as circunstâncias, independe mente das circunstâncias ou da natureza do crime. É a forma mais cruel e desumana de punição e uma violação do direito humano fundamental – o direito à vida.

Não há provas que indiquem que a ameaça de execução funcione como um mecanismo especial de prevenção. Isso se reflete numa clara tendência global na direção da abolição da pena de morte. Hoje, 140 países aboliram as execuções na lei ou na prática.

A Índia não executou ninguém por quase oito anos, até 21 de novembro de 2012, quando o único atirador sobrevivente dos ataques de novembro de 2008 em Mumbai, Ajmal Kasab, foi enforcado. A morte de Kasab significou que a Índia retrocedeu de maneira significativa e juntou-se à minoria de países que ainda promovem execuções.

Com centenas de prisioneiros ainda no corredor da morte na Índia, este é um momento-chave para o país e seu uso da pena de morte. As autoridades indianas não devem devem permitir que a execução de Kasab e a indignação em torno do estupro em Délhi provoquem uma retomada de execuções em larga escala.

A Índia não precisa agora de vingança, mas sim lidar com as muitas causas estruturais que perpetuam a violência endêmica contra as mulheres. As leis e o sistema de justiça precisam ser reformados, e a definição de estupro, atualmente longe de adequada, necessita de emendas.

A taxa de condenação para esses crimes é tristemente baixa e é preciso mudá-la – hoje, ela apenas reforça a cultura da impunidade. Impor a pena de morte para casos de ataques sexuais apenas pioraria essa situação, na medida em que juízes hesitariam em decretar uma sentença tão extrema, e os processos jurídicos se tornariam ainda mais longos e complicados.

A polícia Indiana precisa ser melhor treinada para atender a sobreviventes da violência sexual e há necessidade de criar sistemas de apoio para elas. Muitas mulheres são relutantes em relatar crimes, temendo humilhação e tratamento degradante pela polícia, ou pelo estigma social que vem da sociedade. Há ainda sérias falhas sistemáticas no sistema indiano de justiça, que levantam questões sobre sua eficácia.

Começar uma discussão sobre o método de punição antes que essas questões tenham sido resolvidas é agir de forma precipitada. Esse sentimento tem sido ecoado por muitos, incluindo pela Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU Navi Pillay, que instou por uma reforma nas leis, ao mesmo tempo em que expressou cautela pelo uso da pena de morte.

Depois de um ano em que tanto Afeganistão quanto Paquistão retomaram execuções após moratórias relativamente longas, a Índia agora tem a oportunidade de mostrar liderança real numa questão-chave para os direitos humanos da região. Não há dúvida de que as mulheres do país merecer proteção legal muito melhor, mas a pena de morte não é a resposta.

http://anistia.org.br/direitos-humanos/blog/o-debate-sobre-estupros-na-%C3%ADndia-por-que-pena-de-morte-n%C3%A3o-%C3%A9-solu%C3%A7%C3%A3o-2013-01-0

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