Síntese de Tese de Doutorado sobre o que acontece com os trabalhadores rurais na colheita do feijão no município de Unaí, Noroeste de Minas
Por Gilvander Luís Moreira
1 – Primeiras palavras…
Primeiro, agradecemos, de coração, à Dra. Magali Costa Guimarães pela pesquisa realizada junto aos trabalhadores da colheita de feijão no município de Unaí, que, além da grande produção de grãos, está sendo questionado, porque, segundo Relatório do deputado federal Padre João: “Em média, por ano 1.260 pessoas contraem câncer no município de Unaí”, o que é gravíssimo. A Tese de Magali é mais um argumento científico que temos para fortalecer a luta pela produção de alimentos saudáveis e de qualidade, sem agrotóxicos, com respeito à dignidade dos trabalhadores. A Tese, abaixo, resumida, demonstra a grande injustiça que envolve a produção de feijão pelo agronegócio no Noroeste de Minas.
O uso indiscriminado de agrotóxicos adoece inclusive os trabalhadores da colheita do feijão. O pagamento por produção impõe a intensificação do trabalho, o que arrebenta com a saúde dos trabalhadores. As condições precárias de transporte, a bóia fria, as deficientes condições sanitárias, a concorrência incentivada entre os trabalhadores, dentre outros fatores, afetam dramaticamente a saúde dos trabalhadores. Muito mal-estar e pouco bem-estar! Enfim, o custo humano envolvido na produção do feijão é enorme, infelizmente não é considerado na hora de alardear Unaí como um celeiro de graus. Quantos trabalhadores estão ficando com a coluna arrebentada? Quantos foram encostados porque se desgastaram na colheita do feijão?
Lembrete importante: Quem come feijão deveria conhecer os trabalhadores rurais que arrancam feijão, ouvi-los, dialogar com eles. Se isso não for possível, ler na íntegra a Tese da Dra. Magali Costa Guimarães, disponibilizada na internet. Se não arrumar tempo para ler a Tese, pelo menos, sugiro, leia o Resumo da Tese que apresento, abaixo.
Com um sentimento de gratidão à Dra. Magali Costa Guimarães pela realização da Tese, eis, abaixo, Resumo da Tese sobre o Custo Humano dos trabalhadores na colheita de feijão no município de Unaí, MG.
Arinos, MG, 01 de janeiro de 2013.
Frei Gilvander Luís Moreira, [email protected] – www.gilvander.org.br
2 – Resumo da Tese de doutorado de Magali Costa sobre o Custo Humano na Produção de feijão no Município de Unaí, Noroeste de Minas Gerais.
Tese de doutorado de Magali Costa Guimarães, em Psicologia Social, pela UNB, Brasília, 2007 – disponibilizada na internet[1] – , com o tema: “Só se eu arranjasse uma coluna de ferro pra agüentar mais…” – Contexto de produção agrícola, custo humano do trabalho e vivências de bem-estar e mal-estar entre trabalhadores rurais.
Estudo investigou trabalhadores rurais pertencentes a um Condomínio Rural, localizado em Unaí/MG, que realizam a atividade de arranquio e ajuntamento do feijão. O Condomínio Rural Verde Grão é um Consórcio de Empregadores e foi um dos pioneiros do Estado. Conforme a Portaria no. 1.964 de 01/12/1999, Consórcio de Empregadores Rurais refere-se à junção de produtores rurais, pessoas físicas, com objetivo único de contratar empregados rurais (BRASIL, 2002). A criação de Condomínios ou Consórcios Rurais foi uma das alternativas encontradas para a formalização do trabalho no campo. Sua criação é incentivada onde há sazonalidade da produção que acaba por impor a contratação de mão-de-obra temporária e abre espaço para o aliciamento e, em certas regiões, para o trabalho forçado (BRASIL, 2000).
Desde sua fundação, o Condomínio já realizou mais de vinte mil contratações, sendo, portanto, um importante empregador de trabalhadores rurais na Região. Atualmente, 167 grandes e médios produtores rurais do Município de Unaí e de Municípios vizinhos fazem parte do Condomínio, incluindo-se mais de 200 propriedades atendidas.
Com base nos resultados concluiu-se que: a) as condições de trabalho disponíveis aos trabalhadores rurais ainda requerem transformações que levem em consideração o seu bem-estar. Identificou-se, entre outras coisas, que a ausência ou a improvisação de Equipamentos de Proteção Individual, a forma de remuneração adotada, bem como a gestão do absenteísmo pela Organização têm contribuído para elevar o custo humano do trabalho; b) a organização do trabalho tende a seguir uma lógica produtivista, de viés taylorista, ao igualar todos os trabalhadores e nivelar suas qualidades. O pagamento por produção adotado é fruto desta premissa e revela-se perverso, impondo determinado ritmo aos trabalhadores, refletindo nas relações socioprofissionais e pode estar, ainda, na etiologia das doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho, bastantes comuns entre os trabalhadores dedicados a esta atividade; c) a atividade requer que os trabalhadores adotem uma postura incômoda e lesiva; exige a execução de movimentos repetitivos com os membros superiores, caracterizando-se por elevada exigência física, contribuindo, assim, para a elevação do absenteísmo, para o surgimento das doenças osteomusculares e, juntamente com as condições de vida material desta população, colaboram para o desgaste e envelhecimento precoce dos trabalhadores; d) as estratégias de mediação adotadas pelos trabalhadores pouco contribuem para amenizar as fortes exigências da atividade e os aspectos contraditórios do contexto produtivo; e) as vivências de bem-estar resultam mais de uma forma de enfrentamento defensivo do que de identificação ou sentimentos positivos em relação ao trabalho; f) prevalecem entre os trabalhadores rurais vivências de mal-estar, identificadas nos sentimentos, atitudes e representações negativas do trabalho reveladas em seus discursos. Têm-se, com a investigação, a confirmação da hipótese formulada e as recomendações propostas focam melhorias concernentes, principalmente, às condições e à organização do trabalho. Além de revelar a validade do suporte teórico-metodológico para outros contextos produtivos, a pesquisa abre novas perspectivas de estudo necessárias à transformação do contexto de trabalho rural.
O campo, o mundo do trabalho rural, parece se constituir no ‘patinho feio’ da Psicologia, muito pouco estudado. Os instrumentos, os métodos construídos pela Psicologia são, segundo Albuquerque (2002, p. 38), “[…] baseados e pensados para a população urbana”.
Houve também um grande avanço no que se refere à mecanização, quimificação e, mais recentemente, ao desenvolvimento de softwares que facilitam o gerenciamento e tomada de decisões gerenciais (NANTES, 1997).
Minas Gerais ocupa o segundo lugar na produção de milho, feijão e alho; o terceiro lugar na produção de tomate e sexto na produção de soja (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2003; INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL DE MINAS GERAIS, 2003).
A Região Noroeste é a maior produtora de grãos do Estado e tem sido vista como uma das mais promissoras, possuindo ótimas condições climáticas e de solo para a produção dos mais diversos tipos de produtos.
É denominada como ‘celeiro de grãos’, possuindo a maior área irrigada da América Latina e sobressaindo-se na produção de soja, feijão, milho, algodão, entre outros produtos agropecuários.
O Município de Unaí se sobressai na produção agropecuária do Noroeste. Em 2004 foi destacado como o maior produtor nacional de feijão, ficando em oitavo lugar na produção de sorgo e em décimo na produção de milho. É, ainda, o Município de maior extensão territorial de Minas e possui o segundo maior rebanho bovino do Estado (PREFEITURA MUNICIPAL DE UNAÍ, 2004).
Conforme afirma Salazar (1999), o ‘poder de mando’ é, ainda, o que prevalece nestas relações. Este modelo de gestão é uma herança histórica com origem na formação agrária do Brasil, tendo sido já bastante retratado por historiadores e intelectuais (o poder dos grandes coronéis em séculos passados é um bom exemplo).
A atividade executada requer domínio de técnicas e impõe, muitas vezes, uma rotina diária, no mínimo, desgastante: horários extremamente rígidos, com longas jornadas de trabalho; a quase inexistência de dias para descanso; disciplina na execução das tarefas; rigor e atenção a princípios básicos de segurança no trabalho; trabalho ao ar livre, sob sol ou sob chuva e longas distâncias a serem percorridas durante um dia.
A OMS confirma o caráter insalubre da atividade rural, demonstrando o aumento no número de acidentes (com máquinas e também animais peçonhentos), lesões (as músculo-esqueléticas são bastante freqüentes entre trabalhadores rurais) e doenças de toda ordem (câncer ocupacional, envenenamento com agrotóxicos, doenças respiratórias, infecciosas, parasitoses).
A colheita de feijão é realizada em muitas propriedades por trabalhadores informais chamados de ‘bóia-fria’ ou ‘clandestinos’ que se submetem às condições precárias de trabalho. A presença do clandestino acaba afetando o trabalho daqueles que estão em relações formalizadas. E, mesmo os formalizados, costumam atuar, quando necessitam, como trabalhadores clandestinos.
Hipótese levantada pela pesquisadora Magali Costa Guimarães: As características e ‘contradições’ do contexto de produção agrícola – no qual se realiza o processo de colheita de feijão – contribuem para intensificar o custo humano do trabalho dos trabalhadores rurais – não somente nos seus aspectos físicos – mas também afetivos e cognitivos. Como decorrência, prevalecem entre estes vivências de mal-estar no trabalho, na medida em que as estratégias de mediação individual e coletivaempregadas pelos trabalhadores podem não ser suficientes para superar de forma eficaz as exigências do contexto de trabalho.
É de consenso entre historiadores e demais estudiosos que o modelo de desenvolvimento agrícola adotado no país favoreceu o crescimento de grandes propriedades e da produção em escala, em detrimento da pequena propriedade, configurando uma concentração de renda no campo e a pauperização da população camponesa e do trabalhador assalariado.
Este desenvolvimento de “ímpeto modernizante” (NAVARRO, 2001, p. 84), tendo como suporte o uso intensivo e crescente de aparatos tecnológicos – segundo Guilvant (1998) um modelo agrícola químico-mecânico-genético – teve evidentemente aspectos positivos. Contudo, os aspectos negativos também se fizeram presentes e, conforme afirmam Ribeiro et al. (1999), estes aspectos foram acentuados nos últimos anos. Dentre estes, os autores ressaltam: o aumento da sazonalidade do trabalho em função da tecnificação, gerando subempregos permanentes ou mesmo o desemprego, desespacialização do trabalho (deslocamento constante do trabalhador em busca de ocupação, seja na cidade ou no campo), desaparecimento da identidade específica de trabalhador rural, e ainda baixa remuneração e desqualificação da mão-de-obra.
Freqüentemente, trabalhadores eram levados ao Pronto Socorro Municipal com queixas de dores, lesões constantes no punho e na coluna), além disso, ressaltou os problemas, também freqüentes, de alcoolismo e de uso de drogas, por parte dos trabalhadores rurais.
Havia, assim, um total de 372 (trezentos e setenta e dois) trabalhadores contratados divididos em 6 turmas de trabalho.
A intensificação do modelo capitalista no campo, trazendo consigo suas contradições e a crescente expropriação do trabalhador (IANNI, 1984), bem como demais problemas advindos do modelo de desenvolvimento agrícola adotado no País, principalmente no que se refere aos seus aspectos sócio-políticos e econômicos, repercutiram nas relações de trabalho no campo e contribuíram para a presença e prevalência do trabalho temporário e informal. As denominações: trabalhador volante, bóia-fria, bóia-quente, safrista, safreiro, trabalhador de fora, trabalhador clandestino, dentre outras, – utilizadas conforme a região do país – expressam a temporalidade da atividade e remetem a esta informalidade, que relegou seus ocupantes a condições de vida e de trabalho muitas vezes subumanas. Possibilitou ainda, diferentes formas de organização do trabalho, com o surgimento inclusive de gangsysten44. Neste sistema aparece a figura do agenciador ou intermediário que recruta e organiza as atividades a serem executadas. Nas regiões Sul e Sudeste do país este agenciador é denominado por ‘gato’.
Em função desta produção intensiva de seus condôminos, o Condomínio Rural Verde Grão já realizou, desde sua implantação, mais de vinte mil contratações. Fatores diversos como eventos climáticos ou mesmo a mecanização dos processos produtivos tem reduzido paulatinamente o número de contratações a cada ano (AGRO JORNAL, 2006).
A irrigação, no Noroeste de Minas, para este tipo de lavoura, é comumente feita por meio de ‘pivô central’. Trata-se de um sistema de irrigação composto de uma tubulação metálica onde são instalados aspersores, em torres móveis e eqüidistantes, que recebem a água de um ponto central e se movimentam em torno deste eixo, com velocidade e volume de água controlados, de acordo com a necessidade da cultura (PIVÔ, 2005).
Para a realização dessa atividade – arranquio e ajuntamento – os trabalhadores adotam uma postura com o dorso totalmente inclinado para baixo, para ter acesso aos pés de feijão. Ao mesmo tempo, caminham sobre as linhas de feijão, movimentando rapidamente mãos e braços para processar o arranquio. Permanecem inclinados para baixo, aproximadamente, quatro e seis horas de trabalho.
Existem ainda alguns fatores que afetam o arranquio, podendo torná-lo mais difícil, pesado ou ‘mais bravo’, diria o trabalhador: o tipo de solo, a umidade do solo, a intensidade de ervas daninhas ou infestantes (o picão48, por exemplo) por entre o feijão, assim como, o fato da planta estar mais verde (antes do ponto adequado para a colheita). Aspectos climáticos também contribuem para ampliar a exigência da tarefa, como a temperatura elevada.
Foi possível presenciar os trabalhadores realizando a colheita (o arranquio e o ajuntamento do feijão):
- sob céu aberto, temperatura elevada e muito vento;
- sob céu aberto, sol forte, muito vento e muitos insetos;
- sob tempo nublado, com muito vento e poeira;
- sob céu nublado, mas com temperatura elevada (mormaço) e muito vento e poeira;
- sob sol quente, vento e odor de defensivo agrícola;
- sob tempo nublado, mais fresco, mas, por vezes, o odor do defensivo agrícola era trazido pelo vento.
Estas características do ambiente, onde se realiza a atividade de colheita, são, juntamente com outros fatores, responsáveis por algumas queixas dos trabalhadores, como dores de cabeça, fraqueza, irritação dos olhos, nariz e garganta.
Também se ouviu, por parte dos trabalhadores, muitos comentários e queixas sobre o uso de produtos químicos na planta (denominados por eles como “veneno”), alguns relatam que o cheiro faz com que tenham dores de cabeça e mal-estar. Outros se queixam, pois acham que, muitas vezes, os produtores não esperam o prazo correto – período de carência – para colher (segundo alguns, de três dias), daí acabam passando mal na hora de processar o arranquio. O “veneno” aparece, inclusive, como resposta do trabalhador à pergunta: “o que em seu trabalho não te faz sentir bem?” É o “veneno”, junto com outras características das condições de trabalho, da atividade e da organização, gerador de mal-estar no trabalho.
Mas, mais do que mal-estar, os problemas de saúde e adoecimentos ligados ao uso indevido ou à exposição a agrotóxicos já foram identificados em diferentes estudos (ALGUACIL et al., 2000; FRANK et al., 1997; FUNDACENTRO, 200-; SOARES et al., 2003) que revelam ser uma ocorrência bastante comum no setor agrícola. Os estudos citados mostram que este uso e/ou exposição tem sido responsável por doenças respiratórias, no sistema reprodutivo – infertilidade, abortos, dentre outras – e diferentes formas de manifestação de câncer. Portanto, as queixas não deixam de chamar a atenção para a necessidade de maior cuidado por parte da Organização e dos produtores a ela vinculados. Mesmo porque, conforme ressaltado nos itens anteriores, percebeu-se o cheiro de produto químico no ar, em duas visitas realizadas em uma mesma propriedade. Em uma das vezes, havia uma embalagem deste tipo de produto muito próximo a um dos ônibus onde estavam descansando os trabalhadores que já haviam encerrado suas atividades. Em outra, ocorreu algo que já havia sido comentado no campo pelos trabalhadores. Enquanto processavam o arranquio, máquinas agrícolas trabalhavam em outras áreas de plantio, provavelmente utilizando algum tipo de produto que, mesmo distante, emanava um cheiro característico.
Os arranhões com a planta podem ‘queimar’ – segundo um dos trabalhadores entrevistados – em função do agrotóxico colocado, como ressaltado: “é que eles coloca muito veneno na lavoura e acaba com a saúde da gente, secante, estes trem, né? E a gente pega lá e chega a queimar o braço da gente […]”.
Segundo o médico do trabalho da Organização (MATSUURA, 2001), em um levantamento sobre as queixas dos trabalhadores que atuavam no Condomínio no referido ano, ao ser ‘empurrado’ para frente em função do salto da botina, o trabalhador tem que contrair a musculatura dorsal para manter o equilíbrio, com isso, aumenta a carga sofrida na coluna lombar. Ao que tudo indica, o que eleva é a força exigida pela musculatura de sustentação da coluna. Ele acredita que o uso da botina faz, realmente, ampliar as dores lombares sentidas pelos trabalhadores rurais dedicados a esta atividade. Além disso, o chão molhado da área plantada costuma tornar as botinas ‘pesadas’, na medida em que o barro vai acumulando em seu solado. Ao invés de parar para tirar o barro – comportamento que ‘demandaria tempo’, os trabalhadores preferem retirá-la.
A maioria não usa luvas, nem botinas e nem óculos de proteção contra poeira e ramos que podem afetar os olhos.
O tipo de acidente por úlcera de córnea e/ou fúngica, ocorre quando, ao realizar o arranquio, as ramas do feijão atingem os olhos do trabalhador. Ao que tudo indica, os acidentes por este motivo podem ter levado a incapacidade permanente parcial ou mesmo a incapacidade total permanente, o que parece ter sido o caso. Este tipo de acidente parece ser comum com trabalhadores dedicados a esta atividade.
O recebimento por produção parece também contribuir para ampliar o custo humano do trabalho. Isto ocorre, na medida em que, parte dos trabalhadores acaba se esforçando para ganhar mais, realizando maior número de tarefas. As conseqüências disto recaem perversamente sobre o corpo dos trabalhadores, afetando sua saúde e bem-estar físico. Este esforço faz elevar o número de adoecimentos e de absenteísmo.
O valor recebido por cada trabalhador depende do número de tarefas cumpridas. Já ressaltado, cada tarefa equivale a nove pavios de cinqüenta e cinco metros, sendo o valor, por tarefa, de quinze reais. Este valor, estabelecido por acordo coletivo, é fonte de muitas queixas entre os trabalhadores que ressaltam a necessidade de, pelo menos, pagar de forma diferenciada o ‘feijão bom’ e o ‘feijão ruim’.
Realidade dura e cruel vem à tona a partir da palavra dos trabalhadores:
Geralmente, tem dia que a gente […], vai chegando o final da semana, a gente vai na marra, entendeu? Eu levanto, assim, o relógio desperta, assim, ai eu falo: Meu Deus! Será que eu vou ter que ir? Mas a gente pensa no dia de amanhã, né? […]” (TR 22, 45 anos)
“O que não me faz sentir bem é quando eu tô cansado e tenho que levantar. Tenho que levantar na marra! Cê tá com sono e o despertador barulha, tira da cama e a gente tem que ir, e eu não gosto de falhar […]” (TR1, 43 anos)
“[…] Mais difícil é levantar.,Tem dia que a gente amanhece todo doendo, é obrigado a ir. Às vez, a gente tá com uma dorzinha e não sabe o que é, mas o jeito é ir, senão eles corta dois dias da gente.” (TR 5, 69 anos)
“A hora que a gente levanta, tem dia que, às vezes, até a gente pensa que num dá conta de trabalhar não […] porque tem dia que parece que a gente não presta pra trabalhar mesmo. Mas tem de reagir […]” (TR 6, 64 anos)
“Então, a gente, às vezes, se obriga a ir. Por isso, sabe? […] porque aí, eles num desconta do salário da gente.” (TR12, 58 anos)
“[…] às vezes, tem dia que faz cansar mais. Às vezes ocê vai hoje, amanhã num vai. Aí cê fica naquela, vou dar uma descansada.” (TR33, 36 anos)
Não tem jeito de melhorar. Pra melhorar mesmo tinha que ter menos tarefa. Diminuir […] Tem dia que a gente vai muito longe e isso acaba com o corpo da gente.
Se eu pudesse mudar, era aumentar mais o serviço, né? Porque num dou conta. A gente ta sempre diminuindo pela idade, né?. A gente tem vontade de aumentar mais a produção, mas se aumenta, a gente não consegue muito, porque a idade já ta meio vencida, né?
[…] o salário que é meio pouco. Porque, às vez, num é porque o preço é pouco, é a variedade do tipo de serviço. Porque tem tipo de serviço que num dá produção.
O que me faz sentir bem, por exemplo, se a gente vai prum trabalho, pega um serviço bom. Ali a produção rende e a gente se sente bem com aquilo.
Aí, a gente ganha por produção, né? É o que fizer. Se eu tirar só meia […], é quinze conto a tarefa, se eu tirar meia tarefa aí já é sete e cinqüenta. Se eu num fizer nada, num ganho nada. Se eu tirar duas eu ganho trinta. É quinze a tarefa, né? […]. […] Às vez, tem vez que pega um serviço bom, tem vez que pega um ruim demais, aí tem gente boa de serviço, que às vez tira só meia, num güenta mais nada. Eu esforço pra tirar uma. Mas tem vez que acontece de eu tirar meia, ganhar só sete e cinqüenta[…]. […] Eles num gosta que a gente tira meia tarefa não.Tem que tirar ao meno uma […].
[…] devido o serviço ser pesado, a gente trabalha, deu,né? Então, a gente tem que esforçar muito. O feijão tando bão, porque falo feijão é porque o que dá mais é o feijão, né? Que a hora que nós vai pra outro serviço, igual nós já trabalhou, né? É quinze real por dia. Então num rendia nada, né? […]. […] E o feijão sendo bão, pra a gente tirar, assim, eu tando bão, eu esforço pra tirar duas tarefas. Já tirei até três, mas se eu tiver ruim, é uma e meia, duas só,né? Então, eu torço que o feijão teja bão e eles deixa eu trabalhar, porque eu termino junto com os outros também,né?
[…] não tem quantidade, agora como é por produção, é a gente mesmo que se esforça.
Ah, é só mais saúde, porque minha saúde não é muito boa. Eu tenho vontade de trabalhar mais, mas eu sei que num dou conta.
Tem vez que a gente faz tanta força que cai, porque o serviço é pesado, duro […] a gente faz o que dá conta, porque, senão, estora o corpo de uma vez e depois num dá agüenta fazer muito […]
[…] porque se ocê faltar, eles tacam palha em você, fica pior.
[…] só se eu arrumasse uma coluna de ferro pra agüentar mais (rsss),pra aumentar o trabalho mais ainda, sabe?
Como bem ressaltou Marx (1982, p. 178), “pode-se fazer com que um homem gaste em 1 hora tanta força vital como antes, em duas.”
“[…] um ônibus melhor, que tem um ônibus que entra muita poeira. A gente fica muito […], uns ônibus mais confortável, as cadeira. Estes ônibus até que é bom, mas a gente pega umas estrada ruim, dá muito baque, chega lá com o corpo doendo pra trabalhar. (TR 25, 49 anos)
Como afirma Wisner (1987), as pessoas que enfrentam trabalhos mais penosos são as que também enfrentam condições de transportes mais difíceis.
Recorrendo novamente à NR 31, no que se refere ao transporte de trabalhadores, a Norma recomenda transportes com acentos em espuma, presença de cintos de segurança e encosto. Na prática, isto nem sempre é feito.
As precariedades nas condições de vida e de trabalho são vistas como ‘naturais’, dificultando uma maior conscientização e transformação das condições de trabalho. Como afirma Wisner (1987), a vontade dos trabalhadores de defenderem suas condições de trabalho está atrelada às condições econômicas e sociais. Onde, muitas vezes, a necessidade de manter-se ou de encontrar um trabalho sobrepuja a necessidade mais imediata de melhoria em termos de condições de trabalho.
Um dia típico de um trabalhador rural durante a safra de feijão: Acordar: 02:00 às 02:30; Arrumar a marmita e Pegar o ônibus: 2:30 às 4:30; Chegar à Fazenda e iniciar o trabalho: 05:30 às 06:30; Encerrar a atividade: 10:00 às 13:30; Chegar a casa: 14:30 às 18:00; Dormir: 19:30 às 21:00,
Cada trabalhador leva sua matula. É ele quem arca com as despesas de seu lanche ou almoço.
Interferências das condições de trabalho, da variabilidade intra e interindividual e da organização do trabalho sobre a conduta do trabalhador:
“Gostaria que você me contasse como é um dia típico de seu trabalho”
Variabilidade intra e interindividual: “[…] Lancho sim, paro cedo lá pra lanchar. Só almoço quando venho embora, dentro do ônibus, no ônibus, na hora em que eu venho embora. Porque se for pra eu almoçar e ir trabalhar eu não dou conta, porque a gente […], véio né? A comida até volta”.
“[…] Só mesmo a marmita e a água, a garrafa, aí eu pego e tomo um cafezinho em casa. Nós chegamos lá seis horas, seis e meia […]
[…] Não, não pára. Só pára quando vem embora, lá pelo meio-dia e meio, uma hora, […]. Levo só almoço. Nada, não paro pra nada, nada, nada, é direto, direto, tem vez que a gente custando levantar o pé, sair do lugar, mas enquanto não termina não pára. É porque a gente começou, se a gente parar um pouquinho desanima, né? Dana a doer a coluna, as pernas. […] então, se a gente tá com o sangue quente tem que pegar e terminar”.
“[…] Não, eu mesmo […], igual, antigamente, no início, quando eu comecei, eu gostava assim, de marcar o trabalho, uma tarefinha normal, quando eu era mais novo,[…]”
“[…] Pra volta, a base é meio-dia, quando a gente tá mais animado assim, a gente deixa pra lanchar depois que acaba, quando pára o serviço, mas tem veiz que a gente tá meio desanimado, pára, lancha primeiro, depois trabalha mais. Eu levo mais é o lanche, pão com carne, estas coisas assim. Almoço a hora que chego […]”
“[…] eu por exemplo, paro mais cedo, a coluna não agüenta muito tempo […]. A base de trabalhar é cinco, seis horas de serviço num dia. Não dá pra mais não. Seis horas eu agüento, mas mais não tem jeito não. Seis horas de serviço e eu já tô parando. Não, a maioria praticamente come alguma coisa cedo, outros não comem nada […] e trabalho e almoço só quando termina a tarefa. Eu faço assim, enquanto tô trabalhando só bebo água, como um doce assim, mas a comida mesmo é só quando termino a tarefa”.
Organização do trabalho:
“[…] Eu esforço pra tirar uma, mas tem veiz que acontece de tirar meia, ganhar sete e cinqüenta […], ganha pelo que fizer mesmo. Eles num gosta que a gente tira meia tarefa não, tem que tirar ao meno uma […]”
“[…] Paro um momentinho, a gente pára um pouco, não dá tempo porque trabalho por produção, né?. E o tempo é pouco […]”
“[…] aí é conforme o horário de nós sair é que nós levanta, passa este aperto, este […], muito sono […], levantar, quando é três horas, nós tem que levantar duas e meia, né? Aí não dorme quase, e vai, se o feijão tiver bão, o povo quer ganhar muito dinheiro, então chega tarde. Tem veiz que nós tem chegado cinco horas, não dá tempo nada, pra nóis descansar e temos que arrumar a marmita pra voltar […]
“[… ] mas a gente pausa é quando a gente quer porque o trabalho é por produção, mas agora, geralmente, quando acabo duas tarefas, duas e meia, aí eu almoço […]”
“[…} tem vez que pára, tem vez que pára na hora que acaba, né? Que é por tarefa, né? lanchar só na hora que acaba. A hora que acaba nós lancha e vem embora […]”
“[…] a respeito da hora de vir embora, né, depende do feijão e depende de nós mesmo. Se o feijão tiver bão, o pessoal quer trabalhar mais, né? Porque cê ganha por produção, né? Quanto mais nós arrancamos, mais ganhamos, né? É, quer trabalhar mais, aproveitar. Aí saímos mais tarde […]. Quando tá ruim, chega aqui uma hora. Tem dia que chegamos meio-dia, cansa, o feijão fica mais pesado, a coluna dói, não agüenta muito, aí paramos mais cedo […]”
Condições de trabalho:
“é variado, tem vez que a gente pega umas área que estão melhor, ganha mais um pouco, outras vez, é ruim, ganha menos […]”
“De seis até meio-dia, […], conforme tiver o serviço, melhor, pior.[…]”
Além do aspecto incômodo da postura e das lesões que podem ocorrer, o fato de colocar-se com o dorso inclinado para baixo faz com que sejam comprimidos os órgãos internos, inclusive o pulmão, o que prejudica a oxigenação. Pode prejudicar, ainda, a digestão, o funcionamento do intestino (causando gases) e dores na região toráxica. São estes os motivos que levam os trabalhadores a almoçarem somente após a realização da atividade, pois já sabem o mal-estar que a refeição pode causar. Os que ‘pagaram para ver’ contam que sofreram depois:
“Depois do almoço num trabalho mais não. Depois que a gente almoçá, se for arrancá feijão, é perigoso demais. Eu mesmo já arranquei depois que eu almoçava e aí começava a passar mal. Eu pensei assim, acho que é esse trem que tá fazendo eu passar mal. Almoçar e depois arrancar feijão. Porque a gente fica agachado, né? E a comida fica querendo voltar. (TR 32, 27 anos).
Como boa parte dos trabalhadores não costuma fazer pausas para recuperação, além da dor, costuma sentir câimbras na região das coxas e pernas.
Dentre os problemas identificados nos documentos analisados – Atestados Médicos e Comunicações de Acidente de Trabalho – estão:
• tenossinovite nas mãos causadas por esforço excessivo ao arrancar e puxar;
• tenossinovite nos punhos, pelo mesmo motivo anterior;
• síndrome do túnel do carpo bilateral;
• luxação, entorse e distensão das articulações ao nível do punho e da mão;
• tendinite no bíceps do braço esquerdo;
• distensão do punho e antebraço causado por acidente;
• tremor de membros superiores, hipocinesia bilateral;
• tenossinovite no antebraço esquerdo.
Um número maior de queixas estão relacionadas à dor/desconforto/incômodo nos olhos, na cabeça e, em menor número, no nariz. Houve, ainda, queixas de câimbras em diferentes partes do corpo. Os trabalhadores relataram que os motivos para os desconfortos mencionados são, principalmente, a poeira e o “veneno”, conforme denominam o produto químico utilizado na lavoura. Segundo eles, contribuem para gerar problemas de irritação nos olhos, nariz e garganta; causam dores de cabeça e problemas estomacais.
“Os traços deixados pelo trabalho nos trabalhadores influenciam sua saúde e capacidade funcional. Impregnam sua vida profissional, social e econômica.”
Dimensão afetiva do custo humano do trabalho: “… tem que ter coragem, porque se não tiver coragem, força de vontade, ninguém faz este serviço não.”
Exigências da atividade na percepção dos trabalhadores. Em que seu trabalho te exige mais?
“Acho que é a condição física, a gente gasta muito, a gente força muito, muito esforço principalmente na coluna, assim, sabe? Estresse nos ombros.”
“Exige mais esforço físico”.
O serviço prejudica muito a coluna, dor nas pernas, essas coisas assim [..]”. “Exige muito é da coluna, muita força, muita força na coluna e a dor nas mãos de trabalhar.
“O trabalho exige muito porque a gente tem que ficar muito [..], como se diz, envergado, né? Porque é baixo, tem que abaixar pra colher.
A hora que começa até a hora que termina. Exige mais da coluna”. “Porque o bóia-fria é muito difícil até de explicar, porque […], é uma coisa difícil, porque levantar três horas da madrugada […], o cara tem que ter muita coragem, porque senão não dá conta. Porque tem que estar cem por cento pra arrancar feijão. A pessoa pensa que é mole, mas só quem vai e vê que é uma coisa difícil. Saúde mesmo. Tem que ter muita saúde pra encarar, porque senão num dá conta de trabalhar não. […] do corpo, euacho que é uma das maiores ginásticas que a gente faz. É pior do que nadar, do que trabalhar de chapa, que eu já trabalhei com isso também, essas coisas assim, carregar peso […] eu acho pior porque a gente trabalhar agachado, o movimento com a coluna é muito forte, dependendo do tipo do feijão […], então, o movimento é muito forte, porque a Senhora vai ver, a Senhora vai entrevistar muita gente aqui com sérios problemas de coluna, mas hoje tá difícil demais até pra encostar com esse problema de coluna […]”.
“Ah, levantar cedo, é, acordar cedo, é cansativo demais”.
“O meu também me exige também esses tipos de coisas. Convivência, primeiramente, fazer o serviço bem feito e a gente ter persistência no serviço.”
“O trabalho nosso exige também […] porque lá a gente tem que ter paciência também, se lá não tiver paciência não consegue não.
“O que exige mais?Acho que é coragem, porque pra enfrentar este tipo de serviço tem que ter coragem, porque se não tiver coragem, força de vontade, ninguém faz este serviço não. É difícil. Porque é um serviço ruim, né? Não é um serviço bom. A pessoa tem que ter uma boa coluna, principalmente pra trabalhar, porque se não tiver uma boa coluna pra trabalhar não vai […]. É, cê sai de madrugada de casa, cê entra dentro do ônibus, igual, a pessoa, igual eu que não fumo, né?Então, cê tem os problema dos fumantes atrás da gente, não é fácil, entendeu? Então, este serviço é só sofrimento, chega lá você trabalha, às vezes é um serviço ruim, um feijão ruim”.
“O que exige mais?Acho que é coragem, porque pra enfrentar este tipo de serviço tem que ter coragem, porque se não tiver coragem, força de vontade, ninguém faz este serviço não. É difícil. Porque é um serviço ruim, né? Não é um serviço bom. A pessoa tem que ter uma boa coluna, principalmente pra trabalhar, porque se não tiver uma boa coluna pra trabalhar não vai […]. É, cê sai de madrugada de casa, cê entra dentro do ônibus, igual, a pessoa, igual eu que não fumo, né?Então, cê tem os problema dos fumantes atrás da gente, não é fácil, entendeu? Então, este serviço é só sofrimento, chega lá você trabalha, às vezes é um serviço ruim, um feijão ruim”.
“O que exige mais?Acho que é coragem, porque pra enfrentar este tipo de serviço tem que ter coragem, porque se não tiver coragem, força de vontade, ninguém faz este serviço não. É difícil. Porque é um serviço ruim, né? Não é um serviço bom. A pessoa tem que ter uma boa coluna, principalmente pra trabalhar, porque se não tiver uma boa coluna pra trabalhar não vai […]. É, cê sai de madrugada de casa, cê entra dentro do ônibus, igual, a pessoa, igual eu que não fumo, né?Então, cê tem os problema dos fumantes atrás da gente, não é fácil, entendeu? Então, este serviço é só sofrimento, chega lá você trabalha, às vezes é um serviço ruim, um feijão ruim”.
“[…] se ocê não tiver energia, se não tiver boa vontade, ocê não sobressai no serviço […]. Geralmente, é igual eu estou te falando, tem que ter força de vontade, porque se a pessoa não tiver força de vontade ele não esforça no serviço. É um serviço cansativo, que todo mundo […] qualquer um que você for entrevistar aqui, arrancador de feijão, o serviço é cansativo, ele tem que ter força, ele tem que ter energia e força de vontade. Se não tiver não faz.
“[…] atenção, neste servicinho sempre tem cobra. Assim […] e a gente precisa ter atenção.”.
“Exige atenção, pois tem muita cobra, maribondos, senão ponho a mão num bicho desse e pode ser perigoso. Atenção, resistência e força. É cansativo, mas só me canso naquela hora”.
“Que me exige assim, muito de mim assim, é a gente ter muita atenção, né?Pra fazer uma coisa pro patrão, o chefe gostar, né, daquilo que a gente tá fazendo, e […], é isso. É um tipo assim de exigência que a gente pega, assim, se vai fazer aquele serviço ali, tem que pôr aquilo na cabeça que tem que fazer, né? Direitinho, porque a gente precisa daquilo. Se a gente não fizer direitinho não adianta”.
“O nosso exige é mais cuidado, né? Trabalhar mais com cuidado porque é muito perigoso, perigoso porque tem muita cobra, né, na lavoura, né? Costuma topar muita cobra, trabalhar assim, sempre calçado, com luva, exige mais é isso, atenção demais. Exige assim, cuidar bastante do serviço também, né? É mais ou menos isso só”.
“Meu trabalho exige muita atenção também, né? Porque às vezes, assim, no sentido que ocê vai trabalhando, naquela posição, né? Antonse, ocê tem que ir com sentido firme de fazer o serviço direito, né […] pra fazer o serviço direito. Exige, assim, do’cê ter mais, talvez cê vai rancar […] igual nóis que trabalha na ranca do feijão, então, nóis […], se o feijão tiver, assim […], isso depende do feijão que tiver, o movimento é mais, se o feijão tiver mais ruim o movimento é mais pouco […]”
Dimensão Cognitiva do Custo Humano do Trabalho e Estratégias de Mediação: “Qualquer brechinha que dá tem que durmir pra recuperar.”
Na medida em que o que está em jogo é sua própria sobrevivência (sua empregabilidade, seu ‘ganha pão’), muitas decisões acabam sofrendo o peso desta necessidade, à primeira vista, primária, mas elementar. Ouviu-se, assim, de alguns trabalhadores: “Ás vezes arranco deitado de tanta dor”; “[…] trabalho na marra, tem que cansar […]”; “Ufa! Graças a Deus! Agora parei mesmo”.
Estratégias de mediação adotadas: reatividade.
“Durmo cedo, sete, sete e meia, oito horas a gente já tá dormindo […] Qualquer brechinha que dá tem que durmir pra recuperar”
“[…] procuro chegar em casa e deitar. Posicionar a coluna de um jeito que não dói muito, porque sempre dói bastante, eu faço só isso.”
“Fico quieto, tomo um banho e deito pra descansar.”
“[…] Mas pela idade minha, até que num posso clamar muito não. A hora que ocê levanta, tem dia que ocê acha até que num dá conta de trabalhar não, né? Mas aí a gente começa a reagir, o corpo e vai melhorando, esquenta o corpo. Mas tem dia que a gente levanta e pensa que não vai dar conta não, porque tem dia que parece que a gente não presta para trabalhar mesmo. Mas tem que reagir, a hora que a gente começa a mexer com as coisa vai melhorando.”
“A gente sabe que não tem outro jeito, o jeito é agüentar as pontas, hoje em dia pra viver tem que trabalhar. Não tem serviço maneiro pra gente hoje em dia.”
“Todo serviço geralmente exige a energia da pessoa e graças a Deus […], o pouco que eu tenho eu disponho. Uns põem a energia toda, mas eu não sou doido de gastar o corpo não. Geralmente, é igual eu tô te falando, tem que ter força de vontade, porque se a pessoa não tiver força de vontade ele não esforça no serviço.”
“Ah, eu tomo umas vitaminas de vez em quando […]”
“Eu tomo medicamento. Fui eu mesmo que arrumei e tomo mesmo, ai alivia bastante. Todo dia eu tomo o medicamento, ele é pra dor e inflamação, ele é pra desinflamar e aí tira bastante a dor. Mas dói bastante. Assim mesmo a gente trabalha de teima, que não tem outra coisa, não tem outro jeito, não tem outra opção, né? Mas a gente vai de teima, mas alivia bastante.”
“Sempre eu tomo uns remédios, comprimido pra não doer. Não é direto não, porque faz mal, né ? As escadeiras doem muito. Às vezes dá dor nos braços […] toma um remédio pra melhorar pra trabalhar, porque vai indo a gente gasta muito, né?
“Porque não pode fazer extravagâncias com o corpo, se não a gente sofre mais ainda. Festa, ficar bebendo, farra num dá certo, tem que ser responsável.”
“[…] não bebo, não fumo, isso me ajuda muito, eu gosto de zelar da minha saúde, eu gosto bastante de mim, eu gosto de chegar em casa, tomo um bom banho, durmo, descanso bastante, não saio muito, faço isso pra eu agüentar, senão num agüenta não. Fazer farra e beber, fuma […], isso aí é muito difícil.”
“Procuro uma alimentação saudável, alimentar bem […]”
“Não acho nada difícil não, a gente já está acostumado a trabalhar nesta profissão, assim. Eu acho até beleza.”
As respostas obtidas revelam que grande parte dos trabalhadores lida com as adversidades de forma reativa. Age ‘remediando’ e restringindo, inclusive, sua participação em atividades sociais, a fim de dar conta das exigências do trabalho. As estratégias utilizadas são paliativas/higiênicas – no sentido adotado por Herzberg (1997) – sem modificar o conteúdo ou forma de realização das tarefas.
“Eu tenho que levantar. Igual eu falei para a Senhora, eu tenho que levantar e dar uma relaxada pra […], e torno a arrancar de novo porque não tem outro jeito, né? Não, quando muito um minuto ou dois, pra tomar uma água ali, como alguma coisa ali. Eu sempre levo um pão, um docinho pra comer, porque a gente faz muito exercício, né? É cansativo, dou uma paradinha, tomo um golo d’água pra dar uma relaxada e aí pego de novo.”
“Eu tenho que […] às vezes, trabalhar mais rápido pra eu ganhar um tempinho ali pra descanso, né?. Porque aí tem que ficar fazendo uns intervalinhos pra funcionar. Direto, direto só, é […], a gente cansa mais. Porque se for devagar o tempo é curto, então depois a gente não vai ter este intervalo aí.”
“A gente faz o que dá conta, né? Vai mais devagar, porque senão a gente estoura o corpo de uma vez, né? E depois não agüenta nada. Tem que encostar, né? Porque tem muito pessoal que cresce o olho demais, né?Adoece, né? Se a gente vê que não é pra a gente, a gente evita, né?Fazer mais pouco, porque não dá pra fazer muito.”
“Um dia a gente fala muito, um dia a gente fala pouco, pra animar a gente […]”.
Aí, eu, pra não ficar muito tempo agachado – eu não posso ficar muito tempo agachado – aí eu vou lá, volto e pego de cá, vou lá, volto e pego de cá, sabe? Aí eu tenho […] aí eu ando demais, sabe? Eu tenho que ir lá, voltar e pegar de cá pra poder ficar levantado. Eu vou lá e volto de cá pra poder levantar as escadeira, sabe? Se eu ficar muito tempo agachado aí endureço as escadeiras. Para eu levantar toda hora, aí eu pego de cá e saio lá sem levantar, aí eu tenho de largar lá e vir cá pra poder caminhar, porque se eu ficar muito tempo agachado eu escadero. Teve vez de’eu ficar três mês descadeirado. Esses tempos pra trás mesmo, eu fiquei dois meses e pouco encostado. Aí tomei os remédios, uns remédios que usei, aí melhorei bastante. Aí eu faço deste tipo pra ver se eu consigo trabalhar, sabe? Como se diz, tenho que viver e pra viver eu tenho que trabalhar, sabe? Num tô aposentado, né?. Aí, então, eu ganho muito pouco. Igual, hoje mesmo, eu fui, tirei uma tarefa e meia só. Às vezes amanhã eu tiro duas […].
“[…] Tem vez também que não dá pra gente ir, também, e a gente não vai […]”
Vivências de Bem-estar e Mal-estar no Trabalho.
“[…] A gente faz porque a gente é da roça, é braçal mesmo, mas num é uma boa profissão não.”
“Não tem nada nesse serviço que eu gosto, eu quero é sair dele.”
“Bom mesmo é só a hora de receber.”
“Sentir bem, sentir bem neste serviço a gente não se sente não, mas fazer o quê? A gente que não estudou […].”
“Bom não tem nada não. Bom é só chegar em casa e encontrar a família da gente com saúde, que é importante. Mas é só isso que é bom, mas o serviço não é bom não.É tudo difícil”.
“O que faz sentir bem é ter o serviço, né?Assim, eu tenho mais tranqüilidade, venho pra casa, eu acho melhor ficar assim. Agora, se eu pudesse largar este serviço eu largava, sabe? Largava. É mais difícil, né? Aqui em Unaí é mais difícil largar este tipo de trabalho, porque as opções aqui são poucas. E praticamente pra quem não estudou, né? Fica difícil. […] pra mim ele é um serviço muito duro. Eu não acho que é um serviço adequado pro ser humano, é um serviço apropriado para a máquina. ]…] porque é um serviço bruto, não é um serviço maneiro, né? É cansativo e não acho que é uma boa profissão não, não é uma boa profissão não.”
“[…] não, é assim […] é o veneno, né? Que eles batem ressecante, né? Te atrapalha bastante o veneno. O feijão pode tá sujo de picão, de mato, isso atrapalha bastante. Cê pega um pivô limpinho, cê trabalha bem, direito. Agora cê vai pra outro pivô mais sujo, cheio de picão, de mato, eles bate ressecante, né? O veneno te atrapalha bastante. É, né?A gente num sabe onde a gente vai parar, né? aonde você for pra trabalhar, ocê tem que pegar e trabalhar, né? Porque senão é ruim pra nós mesmos.”
“É a viagem, tem vez que nós fica em torno de seis, seis horas e meia viajando. Três horas pra ir, três horas e pouco pra voltar. É muito cansativa, né?[…] muita estrada de chão, chocalha bem.”
“No meu trabalho o que não me faz sentir bem […] é a danada da coluna. Tem dia que dói demais, demais mesmo, viu?”
“Aí já é esse negócio. Vamos supor, cê chega no serviço, talvez o serviço num tá bom, ou então logo, logo eles cortam o dia de serviço, se a gente falhar um dia. Eu quase num falho não, mas os dias que a gente falta, assim, se pega um atestado de cinco, seis dias eles não paga a gente e eu até não falho muito não, mas é difícil porque a gente é pobre né?Precisa trabalhar e quando falha seis, sete dias, assim, se for por doença, mesmo assim, justifica, né? Mas não paga. Aí eu acho meio difícil. Eu acho meio complicado, porque as outras firma que eu trabalhava se fosse o atestado, a gente recebia, era diária mas recebia. Porque a gente trabalha por produção, né? Então, talvez a gente ganha três, quatro tarefas e eles não pagava aquele tanto, mas pagava a diária.”
“O que não me faz sentir bem é só as dificuldades de levantar cedo, por exemplo, duas horas, duas e meia ter que levantar, né? E, muitas vezi, a gente perde o carro e o povo exige da gente que a gente falhou por conta […] talvez eles pensa que a gente não quis ir trabalhar, né?Mas talvez a gente perde o carro, sente uma dor que num dá conta de ir, por exemplo, uma dor de barriga. A gente amanhece com um dente doendo e num dá conta de ir e aí eles acham ruim com a gente. Acham que a gente faiou por conta deles mesmo, por conta da gente não quis ir mesmo. A gente trabalha porque sabe que todo mundo precisa trabalhar, né? A gente vai, num falha num é pelo gosto da gente. Se todo dia a gente trabalhasse era bom pra gente e ai num vai e eles acha ruim com a gente. A segunda coisa, é que muitas vezi a gente falha por conta da gente e eles desconta da gente e se a gente falha por conta deles e eles num paga a gente. Isso aí que eu acho errado […]”
Enfim, a pesquisa de doutorado de Magali Costa Guimarães, em Psicologia Social, pela UNB, permite compreender de forma mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais aprofundada, a relação entre o trabalho e o adoecimento dos trabalhadores rurais.
Obs.: Resumo feito por Gilvander Luís Moreira – [email protected] – www.gilvander.org.br
Arinos, MG, Brasil, 01 de janeiro de 2013
[1] http://www.ergopublic.com.br/