TJMG proíbe roubo institucionalizado dos pertences pessoais dos moradores em situação de rua de Belo Horizonte

Por Brigadas Populares

Belo Horizonte é a capital brasileira recordista em homicídios cometidos contra a população de rua. Por sua vez, a Prefeitura Municipal, junto com a Polícia Militar, tem praticado verdadeiro roubo dos pertences pessoais dos moradores em situação de rua, como cobertores, remédios, roupas e, inclusive, documentos de identificação, o que significa a morte da cidadania para essas pessoas. É claro que a conduta de violação sistemática dos direitos humanos das pessoas que vivem nas ruas, praticada pelo próprio Poder Público, com o recolhimento arbitrário, ilegal e violento dos poucos bens que possuem, faz aumentar e refletir na violência, no preconceito e na discriminação advinda da sociedade civil contra esse setor marginalizado da população.

Diante disso, advogados populares, vinculados às demandas sociais e reunidos no Escritório De Sousa de Advocacia Popular, ajuizaram uma Ação Popular contra o Município de Belo Horizonte e Estado de Minas Gerais, em nome de um “cidadão comum” que mora em frente a um viaduto, no qual testemunhou inúmeras abordagens violentas praticadas por Guardas Municipais, Fiscais da Prefeitura, agentes da limpeza urbana e Polícia Militar contra pessoas que ali dormem. Essas ações higienistas e degradantes, realizadas à margem da legalidade, com apreensão dos bens e documentos da população de rua, foram amplamente denunciadas nas redes sociais e alguns veículos de comunicação. O empresário Prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, o mesmo que mandou colocar pedras embaixo de vários viadutos da cidade para impedir a permanência de pessoas, chegou ao absurdo declarar publicamente que “prefeitura tem a obrigação e o direito de recolher todos os utensílios que ele [morador de rua] estiver carregando” (Jornal Estado de Minas, Caderno Gerais, em 31/05/2012).

O Juiz de primeiro grau que recebeu a Ação Popular, Dr. Adriano de Mesquita Carneiro, titular da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual, proferiu decisão com conteúdo claramente discriminatório e preconceituoso, negando o pedido liminar para que Município e Estado se abstenham dessa conduta. O magistrado chegou a afirmar em sua decisão que os pertences apreendidos são “entulhos” e, ainda, que “se trata de medida de segurança sanitária à sociedade, sendo que mencionados entulhos podem, trazer problemas de saúde à população, atraindo RATOS E INSETOS”.

Contra essa decisão, os advogados populares interpuseram recurso dirigido ao Tribunal de Justiça. O recurso foi recebido pela Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, da 8ª Câmara Cível, que concedeu a antecipação da tutela recursal para determinar “aos réus [Município de Belo Horizonte e Estado de Minas Gerais] que se abstenham de atos que violem os direitos fundamentais dos ‘moradores em situação de rua’, especialmente a apreensão de documentos de identificação e de pertences pessoais necessários à sobrevivência, à exceção de qualquer tipo de objeto ou substancia ilícita”. A Desembargadora também determinou “que havendo necessidade de se proceder a apreensões, que seja lavrado o auto, vez que assim determina a Lei e o Poder Público não pode se excusar de cumpri-la”. Por fim, a decisão ficou multa diária no valor R$ 1.000,00 “para o caso de descumprimento da obrigação de não fazer”.

A histórica decisão proferida pela Desembargadora Teresa Cristina foi disponibilizada justamente no dia 10 de dezembro, dia internacional dos Direitos Humanos adotado pela Assembléia Geral da ONU. Em Belo Horizonte, não apenas os moradores em situação de rua sofrem com as arbitrariedades, abusos e violações de direitos humanos cometidos pelo Governo Márcio Lacerda. Os sem-casa das ocupações ameaçadas de despejo, os moradores de favelas atingidas pelo Programa Vila-Viva (ou melhor, Vila-Morta), as prostitutas que trabalham no Centro, os trabalhadores informais, artesãos nômades, grafiteiros e pixadores, etc, tem sido cada vez mais reprimidos e criminalizados por essa gestão que trata a cidade como se fosse uma empresa, servil aos ganhos de capital de setores privilegiados.

Recentemente, outra decisão judicial, dada pelo Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual e mantida pelo Tribunal de Justiça no recurso interposto pelo Município, concedeu liminar em Ação Civil Pública proposta pela Defensoria para proibir a Prefeitura e o Estado de apreenderem os instrumentos de trabalho e as obras dos artesãos nômades que expõe sua arte nas ruas da cidade, também conhecidos como hippies.

É lamentável que a sociedade civil organizada tenha que propor ações judiciais para coibir condutas violadoras de direitos humanos praticadas pelo próprio Poder Público, justamente neste caso que envolve a população que mais carece de respeito, assistência social e políticas públicas.

Nesse sentido, as Brigadas Populares esperam que a decisão liminar seja mantida pelo Tribunal de Justiça, em definitivo. Dos agentes públicos municipais e da Polícia Militar exigimos o cumprimento da ordem emanada pelo Tribunal. Do Prefeito Márcio Lacerda e do Governador Antonio Augusto Anastasia esperamos o reconhecimento da legalidade da decisão e da necessidade de sua manutenção, o que implica abrirem mão da interposição de recurso. É o mínimo que se espera dessas autoridades!

Importante, ainda, prestar nossas homenagens a todos(as) que contribuíram de alguma forma para essa importante conquista da advocacia popular em Belo Horizonte, especialmente para o Prof. Fábio Alves dos Santos, grande referência na luta em defesa dos direitos humanos e pela erradicação da pobreza.

Todos em defesa da população de rua! Por uma cidade em que caibam todos e todas!

Belo Horizonte, 17 de dezembro de 2012.

Enviada por Rodrigo de Medeiros Silva para a lista Justiça Ambiental.

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