Maior favela urbanizada da Venezuela é centro de disputa nas eleições regionais

Vista do topo do bairro União de Petare, Setor El Carmen. Ao todo, são mais de um milhão de pessoas vivendo em Petare. Marina Terra/Opera Mundi

Ex-vice-presidente de Chávez e atual governador de Miranda duelam pelos votos locais. Insegurança é a principal reclamação

Gustavo Borges/Opera Mundi

O trem desacelera. “Estação Petare”, anuncia o sistema de som interno, com o veículo já parado. “Petare!”, repete gritando um senhor, enquanto bate o punho direito no peito, em sinal de orgulho. “A Venezuela é o meu país, mas Petare é a minha pátria”, diz, enquanto espera a porta abrir. Subindo pela escada rolante, ele se junta a um aluvião de passageiros até a saída do metrô. Os sons das buzinas, música caribenha e falatório ficam cada vez mais fortes, até que, finalmente, a maior favela urbanizada da Venezuela se revela inteira, com um só golpe. Petare, uma anarquia de cores e barulho, é a capital do município de Sucre e centro da disputa nas eleições no Estado de Miranda. “Quem ganha em Petare, ganha em Miranda”, é o que mais se escuta pelo lugar.

“Manga verde! Dez bolívares!”, anuncia um vendedor, enquanto tenta se esquivar de um “motorizado”, nome dado aos motociclistas venezuelanos, principais responsáveis pelos elevados decibéis nas ruas. Mais à frente, dezenas de araras de roupas, enfeites de Natal e outros objetos coloridos e brilhantes escondem a luz de sol, que castigava a sexta-feira de calor. A corrente de gente segue desordenada seu rumo, levando consigo todos que se arriscam a caminhar em meio à confusão do comércio informal, que está por todas as partes.

Alguns passos mais e o cheiro de coentro fresco e abacaxis, vendidos ao lado de uma grande variedade de legumes, frutas e hortaliças, leva até o bairro União de Petare, Setor El Carmen. Ao lado de uma igreja, já no alto da favela, Juliers Martínez, de 16 anos, conta que a importância de Petare no cenário eleitoral está em seu tamanho: “somos mais de um milhão de pessoas”. “Também se trata de uma zona que sempre esteve abandonada. Temos um prefeito e um governador da oposição e eles não fizeram nada até hoje”, opina.

Juliers Martínez conta que a importância de Petare no cenário eleitoral está no tamanho: “somos mais de um milhão de pessoas”. Foto: Gustavo Borges.

Juliers se refere a dois nomes do partido Primeiro Justiça: Carlos Ocariz e Henrique Capriles, que tenta a reeleição contra Elias Jaua, ex-vice-presidente, no próximo domingo (16/12). “Nas últimas eleições [presidenciais], Chávez perdeu em Petare, mas ganhou em Miranda. Isso acontece porque há também zonas de maior poder aquisitivo aqui. Mas acho que dessa vez as pessoas se convenceram de que Capriles não serve como governador”, afirma. Ao redor, cartazes de ambos os candidatos decoram postes e janelas. Em frente, em um “mercalito”, versão menor do Mercal, programa social do governo federal destinado à alimentação, funcionários usando camisetas vermelhas com frases em apoio a Chávez distribuem alimentos a preços reduzidos.

Do outro lado da rua, Luis Giménez, de 53 anos, Jaime González, de 32 e Lilia Ascanio, de 62, membros do Conselho Comunal Despertar El Carmen, contam que Petare sempre foi destino de migrantes e imigrantes, o que poderia explicar a complexa configuração social do lugar. Ao contrário de localidades como Catia e o 23 de Janeiro, em Caracas, Petare não é um voto fiel ao chavismo. “Se o socialismo chegar aqui, isso muda”, sustenta Giménez.

Violência

Segundo Gonzáles, o principal problema em Petare atualmente é a violência. “Aqui as pessoas se acostumaram a ficar quietas. Quem os rouba são gente próxima, mas ninguém confia na polícia. Não denunciam”, conta. As duas polícias que atuam em Petare são a municipal e a Poli Miranda, do Estado. “É preciso conscientizar os mais jovens, indicar novos caminhos e alternativas”, continua.

Jaime González (esquerda) e Luis Giménez, membros do Conselho Comunal Despertar El Carmen, em Petare. Foto: Gustavo Borges.

Para o candidato chavista na eleição em Miranda, o problema está na delinquência juvenil. “Minha proposta é trocar as balas por cultura e esporte”, afirmou Jaua durante a campanha. Ele prometeu também incorporar a polícia regional ao modelo de segurança da PNB (Polícia Nacional Bolivariana), com a proposta de ser uma força policial “cidadã”.

A Venezuela é um dos países mais violentos do mundo, com uma taxa de 49 homicídios para cada 100 mil habitantes, de acordo com o governo e o UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). Segundo o especialista em Criminologia da UCV (Universidade Central da Venezuela), Andrés Antillano, Miranda é um dos Estados onde o problema é mais grave. “É um Estado de contrastes econômicos muito fortes, que se acentuaram nos últimos anos. Enquanto há localidades extremamente valorizadas, há outras como Sucre, que abriga Petare, uma das mais empobrecidas do país”, explica.

Em Sucre, a taxa de homicídios é baixa, mas vem crescendo sensivelmente, afirma Antillano. Para ele, políticas públicas de inclusão social tanto do governo federal, como dos estaduais e prefeituras são o caminho para a diminuição da violência não somente em Petare, mas em todo o país.

Termômetro

O som das buzinas e do reggaeton é substituído pelos do canto dos pássaros do centro histórico de Petare, localidade forrada de construções coloniais. Na praça, um grupo de senhores joga dominó, enquanto toma café e conversam. Ao lado, está uma das sedes do Copei (Partido Social Cristão), um dos partidos reunidos em torno da MUD (Mesa de Unidade Democrática). Um dos jogadores fala sobre as eleições em Miranda.

“O chavismo perde em Petare, e em outros lugares da Venezuela, porque esse projeto não é democrático”, diz Pedro Roberto León, de 67 anos e militante do partido. “Aqui, se você não é do governo, não chega dinheiro. Os políticos da oposição precisam se virar para trabalhar bem. O governo nos asfixia”, continua. No entanto, dados do governo de Miranda mostram outro cenário. Capriles gastou em seus quatro anos de mandato 14,7 bilhões de bolívares, enquanto todos os governos anteriores, desde 1979, somados, 953.267.497,634 bolívares, menos de um bilhão.

“O chavismo perde em Petare, e em outros lugares da Venezuela, porque esse projeto não é democrático”, diz Pedro Roberto León. Foto: Marina Terra.

“Precisamos manter Miranda, assim como outros estados onde governa a oposição. Dessa vez, a eleição é regional. Chávez não é o candidato. Rezamos por sua recuperação, porque respeitamos o ser humano, mas há muito segredo, ninguém sabe o que ele tem”, diz León, em referência ao tratamento contra o câncer do presidente. “Aqui temos médicos graduados nos EUA, na França. Não precisava ter ido para Cuba”. Ele atende o celular, enquanto se despede.

A divisão política de Petare se faz presente nas ruas. Ao mesmo tempo, cartazes, camisetas e outros materiais de campanha de Jaua e Capriles se mesclam na paisagem, ao contrário de outras localidades no país. Poucos, em ambos os lados, arriscam um resultado para domingo. Mas são unânimes ao dizer que Petare é, sim, o termômetro dessa eleição.

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