“Até o fim”, por Tamara Freire

Nota: Tamara Freire é a autora do texto utilizado no vídeo divulgado neste Blog no início de novembro e assunto hoje da matéria Vídeo sobre cotas gera polêmica e reações racistas: “essa conversa não é sobre você”, publicada originalmente no portal Correio Nagô e em Pragmatismo Político. “Até o fim” (abaixo) foi enviado para Combate ao Racismo Ambiental por Vanessa Rodrigues, a quem agradecemos. A Tamara Freire, parabéns pela consciência e pela coragem. E nossa solidariedade. TP.

Hoje, alguém que eu não conheço me deixou uma mensagem no Facebook, com um link para um vídeo no Youtube. Quando eu abro, me deparo com a seguinte mensagem: “Este vídeo foi removido por violar a política do Youtube que proíbe a apologia ao ódio.” Ando vivendo dias de Lola, desde que publiquei este texto em resposta às reclamações mais recorrentes dos brancos de classe média, estudantes de escola particular, com relação às cotas nas universidades. Na época de sua publicação, o texto teve uma repercussão enorme para o tamanho deste blog. Foram mais de 30 mil visualização únicas num dia, e incontáveis recomendações em outros blogs e nas redes sociais. Recentemente, o texto teve uma outra rodada de divulgação, depois de ter sido utilizado lindamente, com algumas adaptações, pela galera que fez este vídeo.

Obviamente, quando você faz um texto denunciando os privilégios que as pessoas têm e defendendo uma política que estremeça esses privilégios, em nome da igualdade real de oportunidades, espera-se que as reações sejam virulentas. Mas eu não podia contar que seriam tantas, nem tão virulentas. Não sei se os produtores do vídeo já esperavam por isso. Talvez por fazerem parte de um coletivo negro, e, portanto, por sofrerem com o racismo diariamente, a previsão deles tenha sido mais aproximada da triste realidade do que a minha.

Eu na verdade, espero mesmo que eles sejam mais fortes do que eu, e recebam todo esse ódio sem tanta desolação. Até porque, curiosamente, os insultos que foram feitos a mim não se comparam nem de longe, aos feitos no Youtube contra a menina que narra o texto no vídeo. Curiosamente, ela é negra, e eu sou branca. Desta forma, as poucas pessoas que vieram aqui me dizer que eu deveria estudar ao invés de querer as coisas de mão beijada, foram as que pressuporam que eu era negra. No Youtube, podemos chamar isso de elogio, diante dos outros insultos. Ironicamente, as pessoas que a mandam pentear os cabelos, a chamam de coitada, a acusam de estar promovendo uma guerra racial, um racismo contra os brancos, com a intenção de se beneficiar injustamente disso, alegam que o fazem, justamente para denunciar o racismo. O racismo dela, que fique claro! Curiosamente, 98% (vou colocar assim, porque não tive estômago para ler todos os comentários) dos comentaristas que dizem tais coisas são brancos. Pois é.

Todo esse lixo sugou um bom tanto da minha energia nos últimos meses. Se antes eu supunha que seria difícil receber mensagens diárias de ódio, por causa do backlash que atinge tod@s que lutamos por um mundo menos desigual e violento, hoje eu sei o que isso significa e não desejo para ninguém. Desta forma, meu afastamento temporário das atividades blogueiras não foi à toa: eu pretendia esperar que a poeira contaminadora baixasse. Mas hoje, quando eu recebi esse link, eu percebi que não posso mais. Eventualmente, ainda que se passem anos, alguém poderá encontrar esse texto, me encontrar em meus muitos espaços, e destilar o seu veneno novamente. Porque os babacas são muitos. Mas nós, que queremos um mundo melhor para todos, somos mais fortes. E ainda que tenhamos o direito de nos recolher vez ou outra,  nos voltar para dentro, nos enchermos de um pouco de luz, se todo mundo fizer como eu fiz e sentar na calçada para esperar o ódio passar, talvez chegue um dia em que não seremos mais. E que todos os deuses nos livrem desse dia. Da minha parte, sigo firme aqui…

Até o fim

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.