Nem estupros, nem extermínios, nem despejos: exigimos respeito contra a impunidade e a violência sofrida pelos Guarani-Kaiowá e, em especial, as mulheres deste povo

É com muita indignação que recebemos a notícia de que o inquérito policial aberto contra o professor Jorge Sanches, indígena professor na Missão Evangélica Caiuá em Dourados, por estupro cometido contra uma menor, de 14 anos, filha de lideranças Guarani Kaiowá, foi arquivado.

A alegação é de que há falta de provas; contudo, na fase de investigação, sequer foram ouvidas as testemunhas que alegam que isso já ocorrera com outras meninas. Além disso, em visita a São Paulo, junto com seus pais, para participarem de debates de denúncia sobre a violência vivida pelo povo Guarani Kaiowá, a menor fez consulta médica que constatou sua gravidez, compatível com o período em que foi vítima da violência sexual, tendo sido encaminhada a um Centro de Referência da Saúde da Mulher para procedimento cirúrgico. Ou seja, foi reconhecido o crime, permitindo a realização de aborto legal decorrente de estrupo, conforme previsto no Código Penal, mas a Justiça de Dourados mais uma vez parece não dar olhos aos indígenas e perpetuar as injustiças por eles suportadas cotidianamente!

Esta nota vem apontar que as diversas violências sofridas por este povo, na luta pela demarcação e homologação de suas terras originárias, impedida pela opção do governo em favorecer e beneficiar o avanço do agronegócio, em detrimento dos direitos constitucionalmente reconhecidos dos povos indígenas, e que hoje já somam 512 assassinatos no Mato Grosso do Sul, ainda é vivenciada de forma especificamente penosa pelas mulheres que, além de verem seus familiares e patrícios tombarem pelas balas proferidas por jagunços, adoecerem pelas águas e terras envenenadas pelos agrotóxicos, agonizarem com a falta de atendimento de saúde adequado e que respeite suas tradições e cultura, entre diversas outras privações e violações de direitos, ainda sofrem pelo fato de serem mulheres, e guerreiras.

Assim como a indígena da aldeia Pueblito Kue, que foi estuprada por um grupo de homens em carro oficial do prefeito de Iguatemi, T. V. C., filha e neta de liderança histórica, foi vítima de violência sexual em meio a um contexto de guerra declarada pelo conflito fundiário estabelecido. A omissão e conivência do governo e do poder judiciário perante essa situação expõe as mulheres guarani kaiowá a uma situação de bárbara vulnerabilidade, que lhes fere profundamente a dignidade, e que inclusive pode ser usada como meio de impedir que se lancem à continuidade de sua luta! O estupro, inclusive, é utilizado como arma de guerra para abater violentamente uma comunidade em situações de confronto.

Os povos guarani kaiowá têm sido massacrados pelo Estado brasileiro, que está de mãos dadas com o agronegócio, armado de jagunços assassinos. Essa aliança, que barra a demarcação e homologação dos territórios indígenas, e legitima a destruição da natureza, impede o acesso à terra, escraviza trabalhadores e concentra a riqueza, está a serviço do capital e tenta impedir a organização dos indígenas. Mas o povo guarani kaiowá não se ajoelhará perante a tentativa de dar fim à luta que perdura há 60 anos. Mesmo com os despejos, criminalização de lideranças, assassinatos e estupros, o povo guarani kaiowá seguirá firme, até retomar aquilo que lhes foi tomado: suas terras ancestrais.

Assim como na escravidão, os senhores cooptavam negros para usá-los como capitães do mato para perseguir outros negros; infelizmente, o professor Jorge se torna instrumento para massacrar ainda mais o povo indígena na medida em que impõe uma violência sobre as mulheres de seu povo, contribuindo para tornar a luta ainda mais difícil.

Importante destacar que o advogado de Jorge Sanches, o Dr. Issac Duarte Barros Júnior, é publicamente conhecido por ser contrário aos interesses indígenas, ao reconhecimento do direito à suas terras e por racismo contra esses povos, tendo inclusive já sido condenado por tal crime, em ação promovida pelo procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, em fevereiro de 2009. É autor do artigo “Índios e o Retrocesso”, e de frases como “A preservação de costumes que contrariem a modernidade são retrocessos e devem acabar. Quanto a uma civilização indígena que não deu certo e, em detrimento disso, foi conquistada pela inteligência cultural dos brancos, também é retrógrada a atitude de querer preservá-la”.

O Tribunal Popular condena veementemente a perpetuação da violência sofrida pelos guaranis kaiowá, e em especial às mulheres que lutam incessantemente pelo direito ao seu modo de vida, e pela retomada de suas tekohas!!! TODA SOLIDARIEDADE ÀS MULHERES GUARANI KAIOWÁ!

NEM ESTUPROS, NEM EXTERMÍNIOS, NEM DESPEJOS! EXIGIMOS RESPEITO! CONTRA A IMPUNIDADE E A VIOLÊNCIA SOFRIDA PELOS GUARANI KAIOWÁ E EM ESPECIAL ÀS MULHERES DESTE POVO!

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