México, um país traumatizado à espera de uma saída

As imagens de cadáveres decapitados, incendiados, de corpos mutilados dependurados em pontes e viadutos principalmente das cidades do norte continuam se sucedendo. Os mexicanos esperam, sem muita esperança, que alguma coisa mude. Esse é o México – um país profundamente traumatizado pela maré de sangue, e que continua tão desigual como sempre, com abismos sociais profundos – que Calderón deixa a Peña Nieto. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Eric Nepomuceno, da Cidade do México

Cidade do México – Faltando poucos dias para passar a presidência ao sucessor, Felipe Calderón trata de mostrar os bons números obtidos durante os seis anos de seu governo. Segunda economia e segunda maior população da América Latina, o México de Calderón – segundo ele – cresceu e melhorou. No seu governo foram criados dois milhões e 200 mil empregos. Só este ano, entre janeiro e outubro foram criados 865 mil empregos formais. No mesmo período, o país produziu dois milhões e 400 mil automóveis, e exportou um milhão e 900 mil. É a maior marca alcançada em dez meses. A economia terá crescido, em 2012, entre 3,5 e 4%. A inflação prevista é de 4%. As projeções do Banco Central mexicano para o ano que vem indicam um crescimento de entre 3 e 4% na economia, e uma inflação que rondará a casa dos 3%.

Calderón diz que está deixando a presidência ‘muito contente’, entre outras razões por ter construído e modernizado 21 mil quilômetros de estradas. Aumentou as exportações para a América Latina (embora o mercado norte-americano continue consumindo 80% de tudo que o México exporta), além de melhorar e ampliar a capacidade de geração de energia elétrica. Menciona tudo isso e vai somando um sem-fim de outros resultados formidáveis. 

Até aí, e considerando que sejam números reais, tudo bem. Mas convém lembrar outros dados. O preço dos alimentos, por exemplo, subiu em média 15,6% este ano. A qualidade da educação, avaliada por especialistas mexicanos, caiu. A dependência do comércio com os Estados Unidos – e, portanto, da economia norte-americana – aumentou. E o peso político do país na América Latina continuou caindo.

Tudo isso é, certamente, parte importante das preocupações de Enrique Peña Nieto, que assume a presidência levando de volta o PRI – o Partido Revolucionário Institucional – ao poder, depois de doze anos de governos do PAN, o Partido de Ação Nacional, com vasta e profunda tradição conservadora.

Peña Nieto, que ora parece um boneco falante, ora um bobalhão de topete engomado, promete surpreender. Diz que representa o ‘novo PRI’, mas todos no México sabem que o PRI é, além de uma federação de interesses regionais, nem sempre dos mais nobres, um emaranhado de raízes profundas e poderes muito poderosos.

Nada, porém, se equipara ao legado mais marcante e visível que Felipe Calderón deixa ao sucessor: a violência incontrolável, que nasceu com sua esdrúxula decisão de declarar guerra aberta aos cartéis que controlam o maior negócio do país, o tráfico de cocaína para o maior mercado consumidor do mundo, os Estados Unidos.

Não há certeza sobre os números, mas se dá por descontado que nessa guerra entre forças armadas e quadrilhas de traficantes, e que acabou abrindo espaço para outra, paralela, entre os próprios cartéis, foram mortos, em seis anos, pelo menos 60 mil mexicanos. Dez mil por ano. Por dia, 27. Mais de um por hora. Calderón nega, de pés juntos, que seu ‘plan anti-narco’ tenha causado a morte de inocentes. Não reconhece que, na maré da guerra contra os narcotraficantes, grupos paramilitares aproveitaram para liquidar dirigentes camponeses, dirigentes indígenas, dirigentes sociais – pelo menos dois mil, que não entram na conta dos mortos da guerra aberta do governo contra os cartéis.

É verdade que importantes chefões foram abatidos ou presos. Mas também é verdade que em seguida foram substituídos por outros, cada vez mais violentos. E a melhor prova de que essa ação não prejudicou em nada o tráfico de drogas é que, no mercado norte-americano, o preço da cocaína não subiu. Ou seja, o mercado não deixou de ser abastecido com a regularidade de sempre.

Esse é o México – um país profundamente traumatizado pela maré de sangue, e que continua tão desigual como sempre, com abismos sociais profundos – que Calderón deixa a Peña Nieto.

O novo presidente, que assume no primeiro dia de dezembro, até agora não esclareceu o que pretende fazer com a frustradíssima e bárbara política de segurança pública que vai herdar.

Já com relação ao que pretende fazer com a PEMEX, a estatal de petróleo, foi furtivo e melífluo. Primeiro, insinuou que poderia abrir parte do capital da empresa à iniciativa privada. Depois, a investidores estrangeiros. Roçou a possibilidade de privatizar parte dos ativos da empresa. E no final, disse que estava estudando uma estratégia adequada para dinamizar esse mastodonte estacionado no tempo, eterna fonte de desvios e negociatas, e preservar da melhor maneira possível um patrimônio que é de todos os mexicanos. Entre uma declaração e outra, não disse o que pretende fazer.

Com os Estados Unidos haverá uma aproximação mais forte e fecunda. Ou seja, a dependência vai aumentar. Com o resto da América Latina, vai fortalecer os laços com a Colômbia, com o Chile e com o Peru. Ou seja, vai tentar isolar o Mercosul e ajudar Washington a se fortalecer diante das pressões de países como o Brasil.

Tudo isso começa a acontecer no dia primeiro de dezembro, num país sacudido por uma violência bárbara, que parece cada dia mais longe do fim. As imagens de cadáveres decapitados, incendiados, de corpos mutilados dependurados em pontes e viadutos principalmente das cidades do norte continuam se sucedendo. Os mexicanos esperam, sem muita esperança, que alguma coisa mude.

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