Ceará: audiência no dia 6/11 julga ação da Ypióca contra jornalista Daniel Fonsêca

No dia 6/11, às 10h30min, no Juizado Especial que funciona na Faculdade 7 de Setembro (Fa7), acontece a audiência de julgamento do processo que a Ypióca move contra o jornalista Daniel Fonsêca desde 2007, acusando-o de injúria, calúnia e difamação por se manifestar em defesa dos direitos dos índios Jenipapo-Kanindé e da preservação da Lagoa da Encantada, em Aquiraz.

À época, ele e o professor Jeovah Meireles (UFC) foram interpelados e, depois, processados pela empresa por declarações feitas, respectivamente, em seminário e em artigo que sequer chegou a ser publicado (para detalhes, veja texto ‘Para entender’, mais abaixo).

Este e outros processos representam a judicialização de conflitos sociais na tentativa de intimidar a divulgação de manifestos, pesquisas e produções jornalísticas.

Esse tipo de intimidação, que já tem vários precedentes no Ceará – Jeovah Meireles (UFC) e lideranças indígenas, que foram processados pela própria Ypióca; Raquel Rigotto e Islene Rosa (Núcleo Tramas/UFC), pela Nufarm -, põe em risco as liberdades dos movimentos sociais, da universidade e de outros setores que se contraponham a interesses particulares de governos e empresas.

Todos e todas ao Juizado Especial da Fa7 no dia 6/11, às 10h30min.

Mais informações sobre a audiência com Cristina Fonsêca, nos telefones 9917.1326 (TIM), 8888.5582 (Oi).

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PARA ENTENDER (trecho do texto de Tânia Pacheco, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/pagina.php?id=1631). “No I Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental, realizado no final de novembro de 2005, no Rio de Janeiro, Jeovah Meireles denunciou, entre outras, a empresa Ypióca pelo uso ininterrupto da água da Lagoa Encantada (sagrada para os Jenipapo-Kanindé), para alimentar seus 4.000 hectares de monocultura de cana e produzir cachaça, e pela poluição por vinhoto do lençol freático da reserva. A exposição mobilizou o jornalista alemão Norbert Suchanek a transformá-la numa reportagem, publicada já em dezembro no site ambiental alemão Bio100 (http://www.bio100.de). Sob o título “Hipocrisia na Bio-Qualidade”, ele divulgava as informações de Jeovah e questionava o fato de a empresa poluidora ostentar o selo de bio-certificação criado pelo Instituto Von Demeter. Era o início de uma guerra. A primeira.

A Ypióca reagiu em seguida. Ameaçou os responsáveis pelo site, conseguindo que o artigo fosse retirado da internet. Em carta escrita em alemão, atacava o jornalista, afirmando que ele nunca estivera no Ceará, e buscava descredenciar seu trabalho, além de ameaçá-lo com processo por calúnia e difamação. Norbert não desistiu, entretanto. Manteve-se em contato com Jeovah e, no dia 12 de janeiro de 2007, publicou nova denúncia, agora no semanário berlinense Freitag. Sob o título “Racismo ambiental em selos orgânicos – Cachaça Ypióca ameaça lagoa de Indígenas”, ele noticiava ainda a retirada, em dezembro de 2006, do selo de certificação concedido à empresa pelo Instituto Biodinâmico, de São Paulo, o braço brasileiro do Instituto Von Demeter.

Em Fortaleza, a notícia ganhou novo formato, em reportagem do jornalista Daniel Fonseca. Recusada pelos jornais locais, ela foi divulgada exclusivamente em listas na internet. Mesmo assim, conseguiu seus efeitos; e a reação não se fez esperar. A Ypióca contratou advogado, que em junho deu entrada em processo contra Jeovah e Daniel, alegando que “Inexiste qualquer registro histórico da presença de índios naquela área do litoral cearense (Lagoa da Encantada, Aquiraz), sendo oportuno assinalar que o nome ‘Jenipapo-Kanindé’ foi criado por interessados no ressurgimento de índios no litoral cearense, em contraposição aos conceitos e regras dos arts. 231, da Constituição Federal, e do Estatuto do Índio (Lei n. 60001/73, arts 3, I e II, 17 e 23)”.

E ainda: “Não há, em toda costa cearense, qualquer comunidade que tenha ou mantenha usos, costumes e tradições tribais. (…) Pessoas interessadas, sem qualquer autoridade científica, vêm encetando movimento resurgicionista (sic) de índios no litoral nordestino, de alta valorização turística, convencendo humildes pescadores das vantagens de assumirem postura de silvícolas. ONGs internacionais, ludibriadas por essas encenações, se dispõem a remeter recursos financeiros para ajudar o que pensam ser índios de verdade.”

A tentativa de criminalização de Jeovah e Daniel teve forte resposta, entretanto. Uma nota de denúncia e repúdio – “Ypióca tenta intimidar para calar os movimentos sociais” – às ações da Ypióca e da Nova Atlântida (da qual tratarei a seguir) foi escrita e apoiada, até o momento, por cerca de 115 entidades nacionais, sete internacionais, além de mais de 220 pessoas físicas, dentre as quais muitas das entidades do GT contra o Racismo e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Mais que isso, teve o poder de provocar a ira do presidente da Ypióca, em carta postada dia 8 de agosto, no site CMI Brasil (http://www.midiaindependente.org/eo/blue/2007/08/390270.shtml?comment=on).

Parte da algaravia produzida pelo rábula está ali reproduzida, mas o senhor Everardo Ferreira Telles vai bem mais longe, a meu ver se arriscando – ele, agora – a dois processos: por calúnia e racismo. Sem citar nomes, refere-se à Nota de protesto classificando as pessoas que a subscrevem e o professor e os jornalistas por elas defendidos como “sacripantas” e xiitas ideológicos, que fingem abraçar causas sociais para (sic) o fim de obterem vantagens econômicas por debaixo dos panos, servindo à sua vaidade e a seus interesses espúrios”. Na sua visão, os Jenipapo-Kanindé são seres “hiposuficientes”, que vêm sendo manipulados e submetidos “a uma lavagem cerebral, visando a assimilar práticas, cultos, danças, costumes de comunidades indígenas da época da colonização”. O objetivo dos “sacripantas”, segundo ele, é “a expropriação branca, sem indenização, de amplas áreas de terras produtivas, tituladas no registro de imóveis muito antes da Constituição Federal de 1934. Trata-se de uma técnica de expropriação imobiliária baseada em fraude, usando a bandeira do indigenato”.

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