Comunicado
Organizações latino americanas e comunidades de camponeses, indígenas e afrodescendentes, que vivemos a cada dia a contaminação e a exploração de nossos territórios por parte de megaprojetos empregados por empresas nacionais e transnacionais observamos que a ONU pretende encobrir e legitimar condutas violadoras empresariais que atentam contra os direitos humanos dos povos.
Este organismo multilateral fomenta a adoção e promoção de mecanismos voluntários com respeito ao cumprimento de direitos inalienáveis da humanidade, ao invés de impulsionar um marco regulatório real e obrigatório. Ao mesmo tempo, promove a contratação de reconhecidos porta-vozes de empresas transnacionais extrativas para cargos de decisão política na ONU, enquanto que especialistas da ONU deixam cargos relacionados com empresas e direitos humanos para trabalhar para corporações transnacionais, assessorando-as sobre tais mecanismos voluntários.
As empresas transnacionais ostentam poder econômico e político que em muitas ocasiões são superiores aos países onde desenvolvem suas atividades. Isso as converte em atores com enorme capacidade de impor seus interesses por sobre os direitos das pessoas e dos povos que vivem sob sua influência. Deixar as empresas à margem das regulações sobre direitos humanos é algo que mina a legitimidade das estruturas que se pretendem democráticas.
Por isso, as empresas devem ser responsabilizadas e punidas por sua participação em violações aos direitos humanos, e não gozar da aplicação de estândares voluntários, impulsionados por elas mesmas, como o Pacto Global da ONU ou os Princípios Retores elaborados por John Ruggie.[1] Esse marco “desrregulatório” sustenta explicitamente que dos princípios expostos “não se deriva nenhuma nova obrigação jurídica”. Ao mesmo tempo, as corporações transnacionais encontram ou promovem legislações nacionais favoráveis, ajustadas a seus interesses e à “lex mercatoria”[2] enquanto que as comunidades são obrigadas a lidar com a impossibilidade de aceder à justiça e de receber garantias mínimas de proteção.
As portas giratorias
Logo depois de publicar o relatório que leva seu nome, John Ruggie deixou seu cargo de Representante Especial do Secretariado Geral da ONU para os Direitos Humanos e as Empresas, para assumir a função de Consultor Especial da empresa mineradora canadense Barrick Gold Coporation.[3] Esta empresa tem sido bastante questionada por seu envolvimento em múltiplos crimes frente aos direitos das comunidades afetadas pela exploração mineral no Peru, República Dominicana, Argentina e Chile; casos que se encontram denunciados perante cortes nacionais e internacionais.
Por outro lado, Alexandra Guáqueta, assessora da empresa Cerrejón e representante desta perante o Comitê Mineiro-Energético do Programa Presidencial de Direitos Humanos e de Direito Internacional Humanitário do governo colombiano, que reúne empresas e órgãos de segurança pública, e também funcionária da empresa Oxy Petroleum na Colômbia,[4] tornou-se a representante da América Latina no exclusivo Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos.[5] Tanto a empresa Cerrejón como a Oxy Petroleum vêm sendo acusadas a nível nacional e internacional por sua responsabilidade em graves violações aos direitos humanos na Colômbia.
Estes dois exemplos e muitos outros evidenciam o padrão da porta giratória que vem sendo aplicado em função da materialização de claros interesses do setor privado. As “assessorias”, que se ocupam dos efeitos mais chocantes para a opinião pública das atividades das empresas, não se ocupam das causas e permitem às empresas transnacionais corrigir suas estratégias de imagem (greenwash).[6]
Ao mesmo tempo, o trânsito permanente de funcionários estatais e de organismos multilaterais a grandes empresas privadas, e vice-versa, estimula graves condutas de corrupção, considerando que pessoas do setor público contam com toda classe de informação privilegiada e que esta pode então ser colocada a serviço dos interesses do setor corporativo.
Diante desta situação insustentável, solicitamos à ONU:
- Que se abstenha de nomear esse tipo de pessoas para cargos relacionados com temas de empresas e direitos humanos.
- Que torne amplamente públicos os CV das pessoas postuladas para tais cargos.
- Que seja criado um mecanismo interno de controle com a finalidade de evitar a ingerência por parte de pessoas que representam interesses de empresas transnacionais em temas de direitos humanos.
- Que seja feita anualmente uma prestação de contas por parte das Nações Unidas com respeito à porta giratória.
- Que se reconheça no âmbito das Nações Unidas o vazio existente sobre a regulação de caráter vinculante quanto à conduta das empresas e a necessidade urgente de se avançar nesse sentido.
América, 15 outubro de 2012
CC:
Senhora Laura Dupuy, Representante permanente do Uruguai perante o Escritório das Nações Unidas em Genebra e Presidenta do Conselho de Direitos Humanos, [Genebra]
Ban Ki-moon, Secretario Geral das Nações Unidas
[1] Em junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou o relatório escrito por John Ruggie, os Princípios Retores sobre as empresas e os direitos humanos para “proteger, respeitar e remediar”.
[2] Apartes tomados do documento Alejando Teitelbaum, Comentarios ao Informe do Secretariado Geral da ONU, 2012.
[3] http://www.barrick.com/News/PressReleases/PressReleaseDetails/2012/Barrick-Announces-Inaugural-Members-of-CSR-Advisory-Board/default.aspx
[5] http://www.ohchr.org/EN/Issues/Business/Pages/WGHRandtransnationalcorporationsandotherbusiness.aspx
[6] Greenwash: “Disinformation disseminated by an organisation so as to present an environmentally responsible public image” (The Concise Oxford English Dictionnary, 1999.