Colunista da Folha, Barbara Gancia se diz assustada com o “sangue nos olhos” dos que pregam punição exemplar aos réus da Ação Penal 470 e afirma que Lula foi o grande vencedor das eleições municipais de 2012
Barbara Gancia
Seria uma lição de democracia se do julgamento do STF constassem não só PT, mas Democratas, PSDB etc.
Está tudo muito bom, está tudo muito bem. E o “New York Times”, o “Financial Times” e o “Times” de Londres podem estar certos de que o julgamento do mensalão representa um avanço brutal para a democracia tapuia, como bem notou o nosso monumental Clóvis Rossi em sua coluna de ontem, mas esta “bastian contraria” (a expressão é piemontesa) que vos fala veio posar na sua sopa para discordar.
É claro que quem tem culpa que pague o que deve. E eu também, como todo o resto do Ocidente (excluindo talvez o Suriname, Cuba e a Cristina Kirchner – que deve sentir coisas por ele), não vou com os cornos do Zé Dirceu. O homem escondeu a própria identidade da mulher, vive de amassos com os Castro, não é exatamente exemplo de democrata e blá-blá-blá-blá-blá.
Acontece que não consigo dissociar a imagem de Joaquim Barbosa de Torquemada e o julgamento do mensalão da Inquisição. Estamos assistindo a um massacre e há muito ainda a considerar.
Diziam que o julgamento seria parcial porque Lula havia escolhido os juízes. Não aconteceu. Aliás, essa desconfiança preconceituosa me faz lembrar o terceiro mandato de Lula, que não houve.
Enunciavam também que o mensalão ia dar a vitória a Russomanno em primeiro turno. Não aconteceu. Por sinal, a economia nem vai tão bem e Haddad lidera as pesquisas.
E Lula, ora, Lula foi o grande vencedor do primeiro turno (tadinha da Martoca) e vai levar São Paulo de enxurrada, né não? Fica claro também que a classe média alta que se diz informada, mas que raramente acaba obtendo colocação profissional fora do âmbito familiar, quer ver o PT ser varrido do mapa. Essa é a turma que torce como nunca no Fla-Flu do julgamento do STF.
Nos últimos tempos, até a Dilma eles têm tratado com um desdém que antes não havia ali. Já para o zé povinho, tanto faz. Para a perifa, obviamente não só despida de preconceito contra o Lula como identificada com ele até a alma e beneficiada pelas mudanças sociais, escândalo de compra de votos da reeleição, anões do Congresso, Sivam, Zé Dirceu, Collor… é tudo a mesma lasanha.
Eu até concordo que a gente queira ver canalhas ricos o bastante para contratar advogados top na cadeia. Mas, vem cá: o Genoino, gente? Todo mundo conhece o Genoino, sabe que ele não vive no luxo. E não merece o que está acontecendo.
Nesta semana vi gente com sangue nos olhos dizendo que queria vê-lo atrás das grades. Isso não pode ser sede de justiça. É outra coisa. É preconceito puro. E olha que o Muro de Berlim já caiu há mais de 20 anos!
É uma deturpação das mais danosas ao país colocar na capa da maior revista semanal tapuia uma criança negra e pobre que subiu na vida pelo próprio esforço como se ela fosse o novo Pelé.
É como se a classe dominante dissesse: “Os nossos pretos pobres são melhores do que os deles”. Os negros pobres do Lula precisam do Bolsa Família e de cotas para chegar lá. Joaquim Barbosa (que, note, se declara eleitor do PT) venceu sozinho, não precisou de “política assistencialista”, não é mesmo? Pessoal ainda não entendeu que não é muleta, mas reparação por séculos de apartheid social.
Seria lição de democracia se do julgamento do STF constassem não só PT, mas PSDB, DEM etc. Julgar ignorando garantias, sem direito a recurso e partindo da certeza de que quanto menos provas, maior o poder do réu e, portanto, hipoteticamente, maior sua culpa, é inverter a lógica. Isso não pode ser coisa boa, viu, “Times” de Londres?
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