Violência contra idosos quase dobrou

Gedi Brizola (de óculos escuros) reclama de abandono e omissão de socorro, crimes previstos no Estatuto Foto: Custódio Coimbra / O Globo

Colaborou Simone Candida, Fabíola Gerbase, Elenilce Bottari – O Globo

RIO – Contratadas para serem acompanhantes do aposentado Luiz Peixoto em 2010, duas auxiliares de enfermagem decidiram cuidar também do bolso de seu empregador. Aproveitando-se da confiança que o idoso depositava nas duas, descobriram sua senha bancária e fizeram várias retiradas de até R$ 1 mil, que totalizaram R$ 48.250. Deixaram a conta do aposentado negativa em R$ 9 mil, acabando com o sonho de uma velhice tranquila. Apesar de aparecerem nas câmaras de segurança do banco fazendo os saques, as duas ganharam o direito de responder em liberdade. Além disso, no último dia 19, o Juízo da 9ª Vara Criminal do Rio suspendeu pelo prazo de dois anos o processo ao qual elas respondem por estelionato e furto. Com isso, poderão continuar trabalhando com idosos e seus processos só terão continuidade se voltarem a cometer outro crime.

Luiz Peixoto faz parte de uma legião de idosos vítimas de estelionato no Rio. Só de janeiro a julho deste ano foram mais de 4.700 casos semelhantes no estado. De acordo com um estudo do Instituto de Segurança Pública (ISP), a violência contra a população de mais de 60 anos, tema do terceiro dia da série “Retratos da terceira idade”, cresce num ritmo preocupante. A pesquisa, intitulada “Dossiê pessoa idosa 2011”, revela, com base em registros da Polícia Civil, que a ocorrência de crimes contra os idosos cresceu 91,2% entre 2002 e 2010. Número bastante expressivo se for levado em conta que, de acordo com o IBGE, o aumento da população com mais de 60 anos foi de 35% entre 2000 e 2010.

Estelionato é a agressão mais comum

Ainda segundo o estudo do ISP, o estelionato é o crime mais comum contra os idosos, representando 9,4% de todos aqueles de que foram vítimas em 2010. Eles foram o alvo em 22% dos 5.300 casos registrados naquele ano. Entre 2005 e 2010, o aumento de casos de estelionato contra essa faixa etária foi de 123%.

— A pessoa idosa é mais visada nesses casos porque, sendo ela mais frágil fisicamente e mais carente, tende a confiar mais em quem lhe dá atenção. E estelionatários são sempre simpáticos e atenciosos — lembrou a delegada Catarina Noble, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade.

Neste ano, as estatísticas mostram ainda que houve um crescimento expressivo de um outro tipo de crime contra essa parcela da população: o roubo a residência. De janeiro a agosto deste ano, houve um aumento de 59,06% dos casos, em comparação com o mesmo período de 2011, saltando de 171 para 272 ocorrências. No estado (considerando o total da população), o aumento dos roubos a residência foi de 20%.

Os registros do serviço Disque-Idoso, da Assembleia Legislativa, também revelam o aumento dos casos de violência contra a terceira idade. Até setembro deste ano, 68,81% deles diziam respeito a espancamento, maus-tratos e abandono, contra 54,22% registrados em 2011.

O levantamento do ISP aponta ainda crimes previstos no Estatuto do Idoso, como o abandono em hospitais e unidades de longa permanência; a retenção do cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso; e a indução de pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração. Entre 2005 e 2010, os registros de casos desse tipo cresceram 54,2%, passando de 295 para 455. O artigo 102, que descreve a violência sofrida por Luiz Peixoto — apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso — foi o campeão em 2010, representando 34,3% das ocorrências.

Abandono também é crime, segundo estatuto

Deixar de prestar assistência ao idoso ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, é outro crime previsto no estatuto que tem acometido quem tem mais de 60 anos. Segundo o ISP, 8% dos registros relativos ao estatuto entre 2005 e 2010 podem ser enquadrados nessa categoria, cuja pena pode ser de seis meses a um ano de prisão e multa. Dos 727 processos referentes a crimes previstos no Estatuto do Idoso abertos na Justiça estadual desde 2011, 36 tratavam de omissão de socorro.

Tentando denunciar essa violência, a moradora de Copacabana Gedi Brizola Inácio, de 77 anos, procurou na segunda-feira as duas delegacias do bairro. Ela vive sem qualquer ajuda com dois irmãos, Getúlio Brizola Inácio, de 78 anos, e Tânia Artigas, de 73. Os três não têm plano de saúde e precisam de cuidados médicos. Mas não conseguem recebê-los do Estado.

— Já tentamos de tudo. Da última vez, fui ao posto de saúde da Rua Siqueira Campos e agendei atendimento em casa para uma semana depois. Já se passaram outros sete dias, ninguém apareceu e o posto não deu sequer uma explicação. Meu irmão tem 78 anos, é esquizofrênico e não consegue dormir. Minha irmã sofre de mal de Parkinson e eu sou diabética. Não conseguimos atendimento e não contamos com mais ninguém. A verdade é que somos velhos e fomos descartados — lamentou a idosa.

Outra face da escalada da violência contra essa parcela da população está nos casos de lesão corporal dolosa. Neste ano, de janeiro a agosto, esse tipo de ocorrência cresceu 12,5% em comparação com o mesmo período de 2011. O número de casos passou de 1.968 para 2.214, ou seja, a cada três horas uma pessoa acima de 60 anos foi agredida no estado nesses meses em 2012. Na maioria dos casos, o crime foi praticado por alguém da família ou pelos responsável por cuidar do idoso.

No estudo “Violência familiar e institucional contra os velhos”, Clarice Ehlers Peixoto, antropóloga da Uerj, constatou que a maior incidência de casos violentos é em famílias com várias gerações vivendo no mesmo espaço.

— O agressor é sempre um membro da família. São filhos, sobrinhos, genros, noras e netos. Isso acontece porque essa coabitação de gerações gera tensões.

Segundo ela, é comum a disputa por patrimônio e dinheiro.

— São filhos que requerem uma parte da aposentadoria dos pais ou que pressionam pela venda de imóveis para antecipar a divisão de bens. Quando não dividem a casa com outras gerações, há menos conflitos — explica Clarice.

A Comissão do Idoso da Câmara dos Vereadores mantém um serviço de ouvidoria que recebe, desde o início de 2009, denúncias de maus-tratos, abandono e agressão, entre outras formas de violência. Trabalhando como secretária da comissão, a servidora Renata Ribeiro de Lima cuida de uma grande pilha de fichários com os casos denunciados, classificados pelo nome do idoso vítima. Os registros da comissão revelam que em cerca de 80% das denúncias as vítimas são mulheres.

— Logo que começamos o trabalho, em 2009, chegou um caso de estupro de uma idosa. Depois soube que a polícia encontrou o neto na casa da vítima, alcoolizado. Chorei muito nesse dia — conta Renata, que diz receber 40 ligações por dia.

Segundo ela, em agosto, um vizinho denunciou que um casal de idosos da Baixada Fluminense se encontrava sozinho, sujo, sem alimento e medicação. Vivendo com um dos três filhos, a senhora, de 90 anos, e o senhor, um militar reformado de 84, tinham, juntos, rendimentos de cerca de R$ 6 mil mensais, mas o dinheiro era usado pelo filho.

Outro problema que chega com frequência à comissão da Câmara é o roubo dos cartões usados para receber a aposentadoria e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) — que dá um salário mínimo ao idoso que não pode garantir o próprio sustento. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, 155.885 pessoas recebem o BPC no estado do Rio e 58.926, na capital.

Os registros do Disque-Idoso da Assembleia Legislativa do Rio mostram o mesmo problema. Em 2010, foram recebidas 74 denúncias de retenção de benefício por terceiros.

— Quem costuma reter são os próprios filhos dos idosos ou cuidadores — afirma Leonor Serafim Machado, coordenadora do serviço.

http://extra.globo.com/noticias/rio/violencia-contra-idosos-quase-dobrou-6254622.html#ixzz28BC8vcCy

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