Ser mulher, ser negra. Mulher negra, uma luta bem maior por seus direitos

Por Karla Ramalho

O presente artigo aborda o papel da mulher negra dentro dos movimentos feministas e nos movimentos negros, que por ser mulher e negra tem uma trajetória bem maior e mais dificultosa na luta por seus direitos na sociedade. O artigo tenta fazer uma análise da mulher negra nos diversos espaços sociais, seja ele na mídia, no mercado de trabalho, na busca do direito a uma saúde qualificada e pelo simples direito de ir e vir com liberdade, sendo o que é.

Vivemos em uma sociedade ainda muito marcada pelo machismo. É freqüente ver nos noticiários, casos de agressões contra mulheres, em muitos casos dentro de seus lares. Hoje temos uma mulher na presidência da República que com certeza foi um grande avanço para a busca da igualdade de gênero, mas ainda é difícil ver mulheres nos espaços de poder, seja na política(apesar das cotas), nos cargos de chefia nas grandes empresas e em outras áreas do mercado de trabalho.A diferença salarial entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo é muito grande, mesmo o nível de escolaridade das mulheres sendo maior ou igual.Como aponta a pesquisa da Revista Brasil Atual(2011).

A pesquisa mostrou aumento da participação de trabalhador com ensino superior completo, de 11,7% para 15% da População Economicamente Ativa (PEA). Entre as mulheres, essa proporção já chegou a 17,1%, ante 13% dos homens. A presença feminina entre a PEA com nível superior ultrapassou a masculina e atingiu 53,6%. Em 2010, os homens eram maioria (51,3%).(REVISTA BRASIL 2011).

Sem falar que, a mulher ainda possui uma dupla jornada de trabalho, pois são elas as maiores responsáveis pelos cuidados com os filhos e os afazeres domésticos em seus lares, algumas delas, mães solteiras.

Existe também a luta por seus direitos reprodutivos, que também é pauta dos movimentos feministas, ou seja, o direito da mulher sobre seu corpo, sobre a decisão se quer ou não ter filho, algo tão criticado pelos conservadores influenciados pela igreja.Isso é mais uma questão que retrata a desigualdade entre mulheres de alta e baixa renda, negras e brancas, pois o aborto mesmo que não sendo legalizado, existem inúmeros casos de mulheres que optam por ele, por conta de gravidez indesejada.

Enquanto uma mulher rica, na maioria das vezes branca, realiza o aborto em uma clínica que mesmo que clandestina oferece segurança para tal procedimento, uma mulher pobre e na maioria das vezes negra, realiza no fundo de um quintal correndo risco de infecções seríssimas e consequentemente, risco de vida.

No entanto, o movimento feminista não deve lutar apenas por políticas públicas universalistas, pois há sim uma diversidade nesse movimento e com certeza algumas com privilégios e outras não. É importante ressaltar o papel das mulheres negras dentro dos movimentos feministas, que com certeza têm uma trajetória de luta bem maior dentro de tais movimentos, por carregar consigo o peso do preconceito racial tão presente ainda nos dias de hoje. Como bem diz Chagas da Silva Santos(2009):”Ser mulher e negra no Brasil significa está inserida num ciclo de marginalização e de discriminação social.”

Quando se fala sobre mercado de trabalho e nível de escolaridade das mulheres em relação aos homens, como já foi citado, há sempre um nível grande de desigualdade e quando comparado entre mulheres brancas e mulheres negras essa diferença é gritante. Comparando o nível de escolaridade entre mulheres brancas e mulheres negras, se pode observar uma real desigualdade, além das mulheres negras ocuparem os empregos mais desvalorizados socialmente. Chagas da Silva Santos(2009) diz que: “[…]para as mulheres afro-descendentes o mercado reserva as posições menos qualificada, os piores salários , a informalidade e o desrespeito”.

As mulheres feministas repudiam e lutam contra a imagem da mulher mostrada na mídia, sendo colocada como objeto, tendo um grande apelo sexual. É muito comum ver a comparação da mulher sarada e loira a cerveja gelada, ou mostrar mulheres usando do apelo sexual para consegui algo em benefício próprio, como foi o caso do comercial de um marca de lingerie, mostrando a top model, Gisele Bundchen usando do corpo para consegui algo do homem. A mídia ao longo do tempo contribuiu para essa depreciação da imagem da mulher e em relação à mulher negra o desrespeito é ainda maior, pois além de ser associada a uma imagem também muito voltada para sexualidade, sua posição na mídia é sempre subalternizada.Nas telenovelas é comum ver as negras em situações de submissão no que compete as mulheres brancas(empregadas, prostitutas e etc), isso é um retrato da desigualdade racial, onde a mulher negra encontra-se em um patamar de submissão.

Têm-se poucos casos de mulheres negras que protagonizam novelas, mas recentemente se teve primeira “Helena” negra de Manoel Carlos, interpretada pela atriz Taís Araújo, mesmo sendo mostrada na novela a história de uma mulher negra bem sucedida na vida, sua irmã, também vivida por uma atriz negra, vivia uma história paralela a sua, um romance com um traficante da favela(também negro), ou seja, a imagem da mulher negra está sempre ligada a uma situação de marginalização. Carneiro (2003) diz: “Esperamos que a mulher negra seja representada levando-se em conta o espectro de funções e as habilidades que ela pode exercer, mesmo em condições econômicas adversas”.

O padrão de beleza imposto pela mídia também é algo bem marcado, o estilo “Barbie” ainda é predominante como padrão de beleza, bem diferente do que é a mulher brasileira. A ditadura do cabelo liso e loiro faz com que muitas mulheres negras neguem sua identidade não por vontade própria, mas para serem aceitas no meio social, no mercado de trabalho e inclusive na mídia, esse é o famoso embranquecimento da diversidade.

Para contrapor esse padrão de beleza do cabelo liso, surgiu em Brasília o projeto “Cabelo que Deus me deu” proposto pela rapper Nine Ribeiro, em parceria com ONGs e diversas instituições, que busca a valorização da diversidade e estimulando a auto-estima de mulheres com cabelos crespos e cacheados, para que se assumam como são, buscando sua identidade afro-descendente. O projeto visa também realizar diversas oficinas sobre diversidade, como cuidar dos cabelos crespos e cacheados, oficinas de dreads, trança raiz, rastafári, confecção de acessórios e artesanato, palestras com dermatologistas e eventos musicais, tudo isso afirmando e valorizando a cultura negra.

É comum ver nas propagandas produtos para cabelos crespos e cacheados, todos eles voltados para a redução de volumes para que os cabelos fiquem “comportados”. Basicamente, esses produtos fazem com que as mulheres que possuem esses tipos de cabelos se enquadrem ao sistema ou pior, não se aceitem como são.

A saúde da mulher negra também é uma questão bastante crítica na sociedade, pois muitas delas encontram-se infelizmente nas periferias e conseqüentemente são usuárias do SUS (Sistema Único de Saúde), que ainda não atende de forma qualificada a população e em relação às mulheres brancas que se utilizam do SUS, as mulheres negras mais uma vez são alvo da discriminação e segregação. A busca pelo acesso e melhoria da saúde da mulher é uma pauta pertinente dos movimentos feministas, e da saúde da mulher negra também é uma pauta pertinente dos movimentos de mulheres negras. O governo federal através do Ministério da Saúde tem promovido políticas voltadas para a saúde da Mulher. “Em 2003 teve início a construção da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes”(PORTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE).Essa atenção vai desde atendimento ginecológicos, programas contraceptivos e , acompanhamentos de pré-natal e partos humanizados.

O Ministério também promove políticas públicas voltadas para a população negra lançado desde 2006, que se volta para doenças que são muito comum entre os negros(ex: Anemia Falciforme), além de combater o racismo institucional.

No entanto as políticas públicas voltadas para saúde da mulher requer políticas especifica voltada para as mulheres negras. A Revista Raça (2012) fez uma pesquisa sobre a atenção que deve-se ter a saúde da mulher, inclusive no tratamento que deve ter quando essa mulheres encontram-se em trabalho pré-natal, trabalho de parto e pós parto.

[…] ações educativas – a gestante deve ser orientada sobre os riscos, como identificar precocemente os sin¬tomas e os cuidados necessários na hipertensão arterial e diabetes mellitus. É preciso enfatizar também a necessidade da triagem neonatal, que inclui o diagnóstico da ane¬mia falciforme.

– Sensibilização e capacitação de profissionais de saúde – incluir conteúdos sobre diferenciais étnico/raciais nas condições de vida e na saúde da população nas capacitações de profissionais da rede básica e dos serviços de referência e das maternidades.

– “Quesito cor” nos documentos e siste¬mas de informação do SUS – incluir a informação sobre a cor nos sistemas de informação e nos documentos do SUS.

– Pré-natal – é fundamental garantir que seja aferida a pressão arterial de todas as gestantes em todas as consultas de pré-natal. Caso haja qualquer alteração nos níveis de pressão das gestantes negras, é necessário dar atenção especial com o devido acompanhamento e encaminhamento para serviços de alto-risco. Atentar também para resultados de glicemia, garantindo a realização de todos os exames de rotina (REVISTA RAÇA).

Em meio a sociedade racista, machista e segregadora, a busca pela liberdade se torna uma bandeira de luta de muitas mulheres, em especial das mulheres negras, sejam elas dentro ou não dos movimentos feministas, nos movimentos negros, nas periferias, nas universidades, e no mercado de trabalho. E essas lutas devem ser pautadas para que se transformem em políticas públicas, onde o Estado faça valer os direitos constitucionais, mas levando em conta as especificidade do povo brasileiro e principalmente a diversidade da mulher.

Até quando se irá conviver com a desigualdade de gênero e desigualdade racial? A luta das mulheres negras é incansável, mesmo com todo o sistema contra, elas continuam na batalha, mudando suas vidas, abrindo seus terreiros, liderando movimentos, seja eles na cidade ou nos acampamentos Sem-Terra, criando seus filhos, trabalhando, entrando nas universidades, tentando resistir a toda violência simbólica, violência essa que insiste em permanecer como resquícios da escravidão do país e de uma abolição nada emancipadora para população negra. Ser mulher e ser negra hoje é principalmente, nascer para ser forte.

Bibliografia:
Portais acessados:

BRASIL ATUAL, Revista. Pesquisa sobre mulheres no mercado de trabalho mostra alguns avanços e velhos problemas. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/trabalho/2011/03/mulheres-no-mercado-de-trabalho-alguns-avancos-e-velhos-problemas

CHAGAS DA SILVA SANTOS, Walkyria. A mulher negra brasileira. Disponível em: http://www.africaeafricanidades.com/documentos/A_mulher_negra_brasileira.pdf

CARNEIRO,Sueli.Mulheres em movimento. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103

PROJETO CABELO QUE DEUS ME DEU. Disponível em: http://monitoriaparacabelos.blogspot.com.br/2012/06/projeto-cabelo-que-deus-me-deu.html

REVISTA RAÇA BRASIL.A saúde da mulher negra. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/111/artigo52408-1.asp

SAÚDE. Ministério. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=40531

Fonte: Geledes

Ser mulher, ser negra. Mulher negra, uma luta bem maior por seus direitos.

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