ONU Brasil
Entre 50% a 90% da extração de madeireira nos principais países tropicais da Bacia Amazônica, África Central e Sudeste da Ásia vem sendo realizada pelo crime organizado e ameaça os esforços para combater a mudança do clima, o desmatamento, a conservação da fauna e a erradicação da pobreza.
Em todo o mundo, a extração ilegal de madeira já responde por entre 15% e 30% desse comércio global, segundo um novo relatório do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Interpol.
As florestas do mundo capturam e armazenam dióxido de carbono e ajudam a mitigar a mudança climática. No entanto, o desmatamento, principalmente de florestas tropicais, é responsável por cerca de 17% de todas as emissões de CO2 causadas pelo ser humano — 50% maior do que aquela proveniente de navios, aviação e transporte terrestre juntos.
O relatório Carbono Verde: Comércio Negro declara que o comércio ilegal, correspondente a um total de 30-100 bilhões de dólares por ano, dificulta a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (Iniciativa REDD) — uma das principais ferramentas para catalisar a mudança ambiental positiva, o desenvolvimento sustentável, a criação de empregos e a redução de emissões de gases de efeito estufa.
A Interpol também observou crimes associados ao aumento da atividade criminosa organizada, como a violência, assassinatos e atrocidades contra os habitantes das florestas indígenas.
O relatório conclui que, sem um esforço coordenado internacionalmente, madeireiros ilegais e cartéis vão continuar controlando operações de um porto a outro em busca de seus lucros, em detrimento do meio ambiente, das economias locais e até mesmo da vida dos povos indígenas.
O relatório foi divulgado na Conferência Mundial sobre Florestas, em Roma, em um evento do UN-REDD, uma coalizão do PNUMA com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Tanto o REDD quanto o REDD+ fornecem marcos legais nacionais e internacionais, incluindo acordos, convenções e sistemas de certificação, para reduzir a extração ilegal de madeira e apoiar as práticas sustentáveis. O relatório mostra que, para que o REDD+ seja sustentado a longo prazo, os pagamentos aos esforços de conservação das comunidades precisa ser maior do que os lucros provenientes de atividades que levam à degradação ambiental.
“O financiamento para gerenciar melhor as florestas representa uma enorme oportunidade não somente para a mitigação da mudança do clima, mas também para reduzir as taxas de desmatamento, melhorar o abastecimento de água, diminuir a erosão do solo e gerar empregos verdes decentes no manejo de recursos naturais”, disse Achim Steiner, Sub-Secretário Geral da ONU e Diretor Executivo do PNUMA.
Hackers participam dos crimes
“A exploração madeireira ilegal pode, contudo, minar esse esforço, roubando as chances de um futuro sustentável de países e comunidades, caso as atividades ilícitas sejam mais rentáveis do que as atividades legais sob o REDD+”, acrescentou.
Segundo o relatório, os grupos criminosos estão combinando táticas antiquadas como subornos com métodos tecnológicos, como por exemplo, hackeando sites do governo. Operações ilegais também estão se tornando mais sofisticadas; madeireiros e comerciantes mudam suas atividades entre regiões e países para evitar esforços locais e internacionais de policiamento.
Apesar de progressos significativos terem sido atingidos por meio de programas como o REDD+, a maior parte desses esforços são direcionados a criar incentivos para o comércio legal — mas não para combater o crime. Infelizmente, os atuais incentivos econômicos raramente são eficazes na redução de atividades coniventes à corrupção e ao comércio ilegal de madeira, levando em conta o risco reduzido de apreensão.
Relatório lista 30 métodos usados para ocultar crimes
O relatório descreve 30 formas engenhosas de aquisição e lavagem de madeira ilegal. Métodos primários incluem falsificação de licenças de corte e suborno para obter licenças (que pode chegar a 50 mil dólares para uma única licença em alguns países), mas também registra novos meios criminosos como concessões e hackeamento de sites governamentais para obtenção ou alteração de licenças eletrônicas.
Uma nova forma de lavar milhões de metros cúbicos de madeira ilegal é misturá-la com madeira legalmente cortada por usinas de serra, celulose, papel e cartão. Outro truque comum é a alegação falsa de que a madeira de florestas selvagens que está sendo vendida é proveniente de florestas plantadas.
Casos brasileiros
Autoridades brasileiras declararam, em 2008, que hackers que trabalham para cartéis de madeira ilegal no estado do Pará tiveram acesso a licenças de corte e transporte de madeira, o que permitiu o roubo de cerca de 1,7 milhões de metros cúbicos de floresta. Um procurador federal acusou 107 empresas, 30 chefes de esquemas clandestinos de venda de madeira e cerca de 200 pessoas envolvidas, e processou essas empresas em 1,1 bilhão de dólares.
Em 2009, outro procurador federal brasileiro investigou uma fraude que supostamente envolveu cerca de 3.000 empresas do setor madeireiro, que declarou madeira ilegal como “eco-certificada”, assim possibilitando exportação para os EUA, Europa e Ásia.
Esquema se repete pelo mundo
Na Indonésia, a quantidade de madeira supostamente produzida em plantações aumentou de 3,7 milhões de metros cúbicos em 2000 para mais de 22 milhões em 2008. Uma estimativa do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) sugeriu que menos da metade das plantações realmente existiu, refletindo uma operação organizada de lavagem de massa.
Em Kalimantan, na Indonésia, um suborno por uma autorização de registro de cerca de 20 km2 custa o equivalente a 25-30 mil dólares. Discrepâncias na importação e exportação sugerem uma diferença de até três vezes entre os registros oficiais de madeira exportada e a madeira efetivamente importada entre Kalimantan e Malásia, o que mostra fraude fiscal maciço.
Na República Democrática do Congo, mais de 200 guardas florestais no Parque Nacional de Virunga, famoso por seus gorilas, foram mortos na última década defendendo os limites do parque contra milícias que operam um comércio de carvão estimado em mais de 28 milhões de dólares anuais.
O relatório descreve, ainda, casos de militares da Uganda que escoltavam madeireiros através de pontos de controle nas fronteiras da República Democrática do Congo para trazer madeira ilegal de alto valor para a venda nos mercados locais.
Portos movimentam 30 vezes mais do que é registrado
Em vários casos, a madeira ilegal transportada através de fronteiras e portos corresponde a um volume até 30 vezes maior do que o oficialmente registrado. No entanto, essa lavagem de dinheiro e contrabando de madeira pode resultar na aplicação de leis mais rígidas, considerando que a fraude fiscal é mais estritamente aplicada do que as leis ambientais, que muitas vezes são fracas.
Grande parte da lavagem é possível graças a grandes fluxos de fundos de investimento em empresas envolvidas no crime que têm base na União Europeia, nos EUA e na Ásia, inclusive no estabelecimento de operações de plantio, com o único propósito de lavagem de madeira cortada ilegalmente.
Corrupção dos poderes
Em muitos casos, funcionários corruptos, militares e policiais locais obtêm um faturamento até dez vezes maior do que os obtidos em operações legais. Isso compromete seriamente investimentos em operações florestais sustentáveis e incentivos a alternativas de subsistência.
Aplicação das leis
O INTERPOL e o PNUMA, por meio de seu centro GRID-Arendal, na Noruega, criaram um projeto-piloto chamado LEAF (da sigla em inglês, Aplicação da Lei de Assistência para Florestas), financiado pelo Governo da Noruega para desenvolver um sistema internacional para combater o crime organizado em estreita colaboração com os principais parceiros.
Comércio criminoso é responsável por até 90% do desmatamento nos países tropicais, afirma PNUMA