A decisão do Japão de fechar gradualmente seus reatores nucleares deverá ter impacto profundo nas discussões globais a respeito do futuro da energia. O governo japonês anunciou na semana passada que vai abandonar a energia nuclear até 2040. Os 50 reatores existentes no país, construídos entre 1970 e 2006, serão fechados gradativamente, assim que atingirem 40 anos de vida operacional, e nenhuma nova planta do tipo será construída. Enquanto isso, o país, com escassas fontes renováveis de energia, terá que desenvolver alternativas.
A opção japonesa era esperada depois que os três reatores da usina de Fukushima derreteram em consequência do desastre que atingiu o nordeste do Japão, em março de 2011, com um terremoto seguido de tsunami. Uma série de explosões liberou gases venenosos durante dias. Material radioativo foi encontrado na água encanada em locais tão distantes quanto Tóquio, a 240 quilômetros da usina; em produtos agrícolas como vegetais e chá, e até nos peixes da região. As consequências para o ser humano ainda não foram totalmente calculadas, mas devem ser duradouras.
O desastre derrubou o governo antes mesmo de vir à tona o resultado das investigações de uma comissão parlamentar de inquérito independente que concluiu, em julho passado, que o desastre era evitável, mas nada teria sido feito por causa do conluio com a poderosa indústria nuclear japonesa. Segundo o relatório, havia sinais de que a usina já havia sido danificada antes da chegada do tsunami, apesar da alardeada segurança japonesa, e não foi desligada a tempo.
Depois de tantas trapalhadas, não é de se estranhar que metade dos eleitores japoneses sejam contra a energia nuclear. A opinião pública certamente influenciou o governo, mas não foi uma decisão fácil. Até o desastre de Fukushima, 30% da geração de energia elétrica do Japão era de origem nuclear e o plano era chegar a 50% em 2030, com a construção de 12 novas usinas. São escassas as fontes próprias de energia para atender o consumo do país, que é o terceiro maior importador de petróleo, depois dos EUA e da China; o maior de carvão e de gás natural. O mercado de commodities de energia já se agitou com a notícia. A expectativa é que o país intensifique os investimentos externos para garantir o abastecimento em gás, petróleo e carvão.
A opção de Tóquio envolveu outro ponto igualmente sensível, que é o futuro da famosa indústria japonesa de equipamentos para o setor nuclear, formada por gigantes como a Itachi, Mitsubishi e Toshiba. Essas empresas, muito importantes na economia japonesa, perderam encomendas domésticas e receiam ter a competitividade abalada a longo prazo. Uma compensação não explícita do plano de energia, ainda não totalmente detalhado, é permitir a religação de usinas que estavam ociosas e seu funcionamento até o fim da vida útil.
Até o desastre de Fukushima, a energia nuclear vinha ensaiando um retorno e ameaçando recuperar o prestígio perdido depois dos acidentes de Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979, e de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Inclusive ambientalistas puseram de lado antigas restrições e, preocupados com o aquecimento global, apoiaram a energia nuclear.
A decisão japonesa certamente vai influenciar o restante do mundo. Entre as grandes economias, a Alemanha já havia decidido deixar a energia nuclear depois de Fukushima. A ordem foi dada no ano passado pela chanceler Angela Merkel, que pretende, em dez anos, substituir a energia nuclear, que representa 28% da matriz do país, por alternativas renováveis, que respondem por 25%. Estados Unidos, Reino Unido e França não mudaram suas políticas até agora. Os EUA estão inclusive construindo 34 novas usinas.
Afortunado pela natureza e pela tecnologia da biomassa, o Brasil conta com fontes renováveis de energia em abundância, basicamente hidrelétricas e biocombustível, suficientes para compor 45% de sua matriz, mais de três vezes a média mundial. Apenas 1,2% da matriz energética é de fonte nuclear. Ainda assim, após Fukushima, o governo apressou-se em garantir que as usinas brasileiras são seguras e que outras seriam construídas. Pouco depois, porém, voltou atrás e revisou o Plano Nacional de Energia 2030. O plano previa a instalação de quatro a oito usinas nucleares. Apenas Angra 3, em construção no Rio de Janeiro, continuou de pé e deve começar a funcionar em 2016. As outras foram adiadas por pelo menos dez anos.
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