Sérgio Botton Barcellos* para Combate ao Racismo Ambiental
Há em torno de 51 milhões de jovens entre 15 e 29 anos no Brasil, sendo que 43.280.019 vivem nas cidades e 8.060.454 no meio rural, representando mais de um quarto da população total brasileira. Esses números se somam ao que se chama bônus demográfico, no qual temos a População Economicamente Ativa (PEA) e a mais jovem da nossa história (IBGE, 2010).
Mas o que isso tem haver com as eleições que estão por vir? Segundo os dados do TSE, nas eleições de 2012, 2.447.126 jovens com 16 ou 17 anos irão às urnas pela primeira vez. Conforme consta na tabela a seguir são 24.833.608 eleitores entre 16 a 24 anos e, somando com os de 25 a 34 anos, os eleitores em faixa etária jovem podem chegar a 58.153.776. Em relação a todo eleitorado do país esses números representam 41,4% dos eleitores habilitados ao voto obrigatório. A legislação reconhece como jovens no Brasil pessoas entre 15 a 29 anos; entretanto, não foi possível estratificar os dados do TSE sem agregar os de 30 a 34 anos, para esse ensaio.
Faixa Etária |
Masculino(M) |
Feminino(F) |
Total(T) |
Inválida |
33 |
45 |
80 |
16 anos |
575.747 |
581.822 |
1.157.569 |
17 anos |
877.962 |
878.258 |
1.756.220 |
18 a 20 anos |
4.402.449 |
4.466.958 |
8.869.407 |
21 a 24 anos |
6.467.404 |
6.583.008 |
13.050.412 |
25 a 34 anos |
16.233.135 |
17.087.031 |
33.320.168 |
Fonte: TSE (2012). Grifos do autor.
A partir dessa breve contribuição, espera-se apresentar e instigar o debate sobre alguns temas e a realidade da juventude no Brasil e a relação disso com ser jovem, eleições, direitos e participação juvenil na sociedade, em governos e partidos. Nesse ensaio foram elencados apenas alguns temas para provocação.
A JUVENTUDE NO BRASIL E UM POUCO DA REALIDADE
Em relação à realidade das/os jovens eleitores/as do nosso país, continua sendo uma experiência ainda árdua para muitas/os ser jovem no Brasil, por mais que tenha avanços na superação das condições de extrema pobreza e na melhoria dos setores da educação, cultura, esporte e mercado de trabalho. Para reconhecer avanços e o quanto ainda é necessário avançar, não é preciso submeter-se a uma cultura política eleitoreira ou fazer defesas “histéricas”, muitas vezes às custas de despolitizar ou velar os debates sobre a realidade que ainda vivemos.
Em uma dimensão objetiva temos questões como a desigualdade social sistêmica, que é uma chaga histórica ainda presente, e a falta de condições estruturais adequadas para uma vida digna. Articulada com essa realidade para as/os jovens há ainda a dimensão relativa às incompreensões ao período de vida e as questões postas por isso, fora ser visto como alguém “que poderá vir a ser”, como se já não estivesse sendo sujeito, em uma sociedade que é regida sob um prisma adultizado.
Há outra desigualdade ou discriminação que também é mascarada ou ignorada por muitas/os: é a condição de ser jovem e negra/o no Brasil, seja no espaço urbano, seja no rural. Por exemplo, segundo o recém divulgado PNAD (2011), as/os desempregadas/os do mercado formal e informal, mais da metade são mulheres (mesmo que mais escolarizadas que os homens); mais de um terço (33,9%) são jovens entre 18 e 24 anos de idade; 57,6% pretos ou pardos e 53,6% com ensino médio incompleto. Outra pesquisa recém-divulgada pela OIT (2012) reafirma essa condição. A PNAD também confirmou a tendência de queda no trabalho infantil (5 a 17 anos) em 14%, mais ainda há um contingente de 3,7 milhões (IBGE, 2011).
Ainda mais: de acordo com a publicação Mapa da Violência, um jovem negro entre 15 e 25 anos tem chances 127% maiores de ser assassinado que a de um branco na mesma faixa etária. Em 2010, foram registradas 49.932 pessoas vítimas de homicídio no Brasil, desses 70,6% eram negras (os). Em 2010, 26.854 jovens entre 15 e 29 foram vítimas de homicídio, 74,6% dos e das jovens assassinadas/os eram negros/as e 91,3% eram do sexo masculino. Já as vítimas jovens (ente 15 e 29 anos) correspondem a 53% do total de homicídios e a diferença entre jovens brancos e negros salta de 4.807 para 12.190 homicídios, entre 2000 e 2009. Em outro estudo aponta-se que das vítimas de violência homofóbica no Brasil que registraram denúncia, indica-se o predomínio de vítimas até 29 anos (50,3%) e na maioria são jovens de cor parda ou negra.
E isso sem discutir aqui aspectos relativos à atuação policial junto à juventude, à criminalização da pobreza, abusos sexuais, o debate penitenciário e a violência sobre as/os jovens dos povos e comunidades tradicionais e indígenas.
No meio rural evidencia-se que cerca de 2 milhões de pessoas deixaram o campo, sendo que cerca de 1 milhão são jovens rurais (18-29 anos), isto é, metade da emigração do campo para a cidade. Mantendo-se esta tendência estima-se, para essa década, que aproximadamente 81.000 jovens emigrarão para as cidades anualmente. Ainda, dentre os 16 milhões de habitantes da população que foram considerados em situação de extrema pobreza, estima-se que 4,1 milhões de pessoas estão no meio rural (IBGE, 2010). Em outras pesquisas, como em OIT (2010) e do IPEA (2009), há a indicação de que os jovens que vivem no meio rural consideram as oportunidades de trabalho e construção de uma autonomia para a vida como questões difíceis ou pouco viáveis[i].
A partir desses dados reafirma-se a tendência de que a desigualdade social tem recorte geracional, racial e de gênero ainda acentuado no Brasil, bem como uma destacada diferença de condições e oportunidades de vida entre os grupos sociais. Apesar de avanços significativos, introduzidos com um maior reconhecimento da cultura negra e assimilando-os à identidade nacional, em políticas para as mulheres e à importante aprovação das cotas nas universidades, por exemplo, está mais do que evidente do tanto que precisa ser feito em uma realidade bastante diversa e ao mesmo tempo contraditória nas questões juvenis[ii].
No âmbito do Estado, desde o final da década de 1990, em meio a um processo intenso de articulações, disputas e mobilizações políticas a partir dos anos de 2003 e 2004, no âmbito do governo federal, em 2005 ocorreu a formação da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), órgão que compõe a Secretaria Geral da Presidência da República (SGR)[iii]. A partir disso, foram criadas diversas estruturas semelhantes nos governos municipais e estaduais com o objetivo de articular e integrar programas com o tema da juventude nas ações e políticas públicas dos governos.
No âmbito dos governos percebe-se que ocorreram avanços, como a formulação dos Planos ou políticas de Juventude e Conselhos. O Plano Nacional de Juventude (PL 4.530, 2004) ainda falta ser aprovado no Congresso Nacional. Outro aspecto a ser considerado foi a participação expressiva, entre os grupos de juventude organizados politicamente, para reivindicar reconhecimento e direitos na 2.ª Conferência Nacional de Juventude. Também destaca-se a realização do 1.º Seminário Nacional de Juventude Rural e os grupos temáticos criados pela SNJ que estão contando com uma participação destacada de diversos grupos jovens.
Ainda cabe destacar que no ano de 2011 ocorreu a conquista do Programa Autonomia e Emancipação da Juventude no Plano Plurianual do Governo Federal (PPA 2012-2015), contemplando inclusive a Juventude Rural. Contudo, o orçamento de R$ 50 milhões é considerado bem insuficiente diante das pautas que são demandadas para a SNJ.
O trabalho e o empenho da equipe da SNJ são evidentes e reconhecidos por muitas organizações, movimentos sociais e pesquisadores/as pela capacidade política e técnica de ação e diálogo com a juventude. Contudo, percebe-se que a Secretaria ainda está fragilizada pela falta de priorização do tema e pela acirrada disputa interburocrática e política que há no conjunto da coalizão de 21 partidos da base aliada do governo, além do PT. Ao que tudo indica o tema da juventude também carece de maior atenção e ainda não está sendo tratado como uma das prioridades na agenda política de muitos governos estaduais e municipais.
AS ELEIÇÕES, A JUVENTUDE E AS SUAS PAUTAS
“É possível ousar, aprender a ousar, para dizer não à burocratização da mente que nos expomos diariamente”. (Paulo Freire. Professora Sim, Tia não)
Nessas eleições como candidatas/os há, na faixa etária considerada jovem entre 18-24 anos, 97, e, entre 25-34 anos, 1.341 para prefeito/a; para vice-prefeito há 222 e 1.854 candidatos/as nas respectivas faixas etárias. Para Vereador/a, entre 17-24 anos há 16.638 e, entre 25-34 anos. 75.478 candidatas/os. Há no geral mais jovens do sexo masculino concorrendo ao pleito, contudo destaca-se que na faixa etária entre 18-20 anos há mais mulheres concorrendo aos cargos de vice-prefeito/a (55,5%) e vereador/a (57,9%).
Em relação às outras faixas etárias, os/as candidatos/as para prefeito/a entre 18-34 anos representam 9,4% do total; para vice-prefeito/a, 14%; e para vereador/a, 22,1% em relação às outras faixas etárias. Percebe-se que temos uma eleição representada por candidatos(as) em sua maioria do sexo masculino e em faixa etária adulta.
A maioria dos partidos políticos brasileiros formou instâncias de juventude para aglutinar filiados/as jovens, formular política sobre o tema, mesmo que muitos apenas sob uma perspectiva eleitoreira ou tutelada enquanto “tarefistas”. Sob outra perspectiva ou semelhante a essa, muitas organizações e movimentos sociais também constituíram representações de juventude e elaboram, bem como participam de discussões e políticas em diversos espaços, seja na sociedade, seja em governos.
Nessa perspectiva, observa-se que a categoria “juventude” aparece associada a determinadas denominações, tais como “vanguarda”, ou “transformadora”, ou “questionadora”. Esta adjetivação subentende papéis sociais esperados dos sujeitos identificados como “jovem” e “juventude”, principalmente como agente de transformação social (CASTRO, 2005). Contudo, o “jovem” também é adjetivado como “em formação”, “inexperiente” e “sensível” (FORACCHI, 1972, p. 161), ou ainda associado à delinquência, violência e “comportamento desviante”. Acrescenta-se ainda, por exemplo, a tendência em reduzir a/o jovem como o sujeito da “cultura”, da “balada” ou do “esporte”.
Embora haja discussão se esse recorte deva ser etário, geracional, comportamental ou a partir de algum contexto histórico, o ponto de partida, em muitos casos, é que essa é uma categoria genérica ou “pré-construída” histórica e socialmente em seus contextos (BOURDIEU, 1983). No caso do Brasil, nas esferas governamentais, partidos, organizações e movimentos sociais, a construção da categoria juventude, ao que tudo indica, passa por essas questões.
Desse modo, por exemplo, pode ser pertinente questionar uma associação automática, que muitos candidatos (as) e partidos buscam fazer, de que a pessoa em faixa etária jovem representa mudança, rebeldia e algo que aspira ao novo. Será que é isso mesmo? Basta sairmos nas ruas, conversarmos ou mesmo pesquisarmos algumas tendências da juventude e percebe-se que não há na sociedade uma juventude homogênea.
Há muitos grupos de jovens com múltiplas diferenças históricas e sociais de reconhecimento/identidade, ideologia, expressão de gênero, cultura, religião e classe social, dentre outros aspectos. Ser jovem parece que é uma questão que vai além da representação de um estado de espírito ou uma simples fase passageira da vida onde se consegue um trabalho, se sai da casa dos pais e se constrói uma família “bem-sucedida” e heteronormativa.
O tema é polêmico e vasto em exemplos, sobretudo cabe destacar que possivelmente existem candidatas/os em faixa etária jovem ou que assumem uma identidade jovem, nessa eleição ou qualquer outra que virá, que também atuam ou apóiam ideários e grupos vinculados a ideias reacionárias e de intolerância social, como os de inspiração neonazista, homofóbica e misógina. Além disso, muitos/as candidatos (as) se omitem, de forma eleitoreira, em fazer o debate sobre temas como drogas, aborto, violência, diversidade sexual e demais temas situados nas pautas dos diversos movimentos juvenis.
Para além dos rótulos e verdades automáticas, olhar para essa questão a partir de como as pessoas de faixa etária jovem se reconhecem, se organizam e vivem na sociedade em uma determinada realidade pode possibilitar a ampliação do entendimento sobre o que é ser jovem atualmente e qual a posição política dos seus diversos grupos políticos na sociedade. Isso são só algumas questões ou exemplos para polemizar e também expressar que para ser um/a jovem não basta apenas estar em uma faixa etária considerada jovem e que por isso aspira-se mudar o status quo social nos partidos, nos governos e na sociedade.
Por isso, nessas e outras eleições nem sempre o que parece ser novo ou jovem tem novidades para trazer e auxiliar nos debates necessários e representativos aos interesses da diversidade dos grupos jovens organizados atualmente. Exemplos não faltam; basta pesquisarmos o mandato de muitos/as candidatos/as que elegeram-se com esse rompante de jovem.
Ainda na estrutura político-partidária do país, alguns fatores como a atual estrutura e formas de financiamento das campanhas nos partidos demandadas tradicionalmente, na maioria dos casos, para se eleger são obstáculos para quem está iniciando e dificultam a participação de um/a jovem novato/a em uma eleição. Diante disso, a participação, das/os jovens filiadas/os e que desejam filiar-se em algum partido, nos debates sobre a Reforma política no Brasil parece ser importante.
Por isso, antes de votar, indica-se observar e analisar historicamente a ação do/a candidato/a na comunidade, no cenário político local, inclusive as relações políticas que ele/a e o seu partido tem no município, na região e nacionalmente. Às vezes pouco adianta ser o(a) “parceria” ou a “celebridade” da galera e ser de um partido que articula-se com setores conservadores ou até reacionários que não estão dispostos a dialogar com as pautas e a realidade atual da diversidade juvenil que vive no Brasil.
Além de destacar a quantia populacional, eleitoral e economicamente ativa que a juventude representa, há necessidade de trazer para a arena pública não só nas eleições, como debates sobre emancipação e a autonomia social, política, cultural e econômica da juventude. Lembrando que as eleições fazem parte de um processo de formação política e democrática; não resumem o que venha a ser participação social ou democracia.
Que a juventude precisa ter voz, espaço e vez, isso também parece ser consensual e discurso de muitos(as), mas isso ao que tudo indica não será consentido ou dado, mas terá que ser disputado e conquistado nas mais diversas esferas da sociedade cotidianamente, inclusive nos partidos e governos. Lembrando que a dominação e o preconceito social e inter-geracional sobre a juventude tem em grande parte sua eficácia marcada pelo fato de ser ignorada. Uma questão que pode ser feita durante e depois das eleições talvez seja: como apresentar e construir o intercâmbio das experiências juvenis nos governos, organizações e movimentos sociais na formulação, gestão e monitoramento de políticas COM a juventude?
Percebe-se que a juventude não precisa de gestores/as, acadêmicos/as e legisladores/as “iluminados/as” que queiram “tirar da cartola” ou prometer medidas socioeducativas, voluntaristas ou de “inclusão” no mercado de trabalho capitalista para resolver o “problema” das/os “jovens problemas”. Está mais do que evidente que muitos grupos de juventude têm projetos e experiências inovadoras em seu cotidiano de atuação política e vida na sociedade, em alguns governos e partidos. Contudo, parece que ainda temos muitos/as querendo falar pela juventude, mas poucos que querem dialogar e fazer algo COM o conjunto dos grupos de juventude.
Mesmo com muitas contradições, a eleição no dia 07 de outubro (ou ainda no dia 28) pode ser uma oportunidade de auxiliar na construção das mudanças aspiradas, bem como a necessidade, em muitos casos, de renovar mandatos. Parece ser necessário analisar se o/a candidato/a está efetivamente comprometido/a, seja qual for a faixa etária, com propostas, e atuar para auxiliar nos debates e nas pautas que a diversidade da juventude reivindica, tanto na cidade, como no campo.
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Referências:
BOURDIEU, P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
CASTRO, E. G. “Entre Ficar e Sair: uma etnografia da construção da categoria Jovem rural“. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGAS, xiii, 380f. 2v.: il. 2005.
FORACCHI, M. M. A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo: EDUSP, 1972.
Notas:
[i] Essa e outras questões podem ser visualizadas no Relatório Final do 1.º Seminário Nacional de Juventude: http://www.juventude.gov.br/documentos/relatorio-juventude-rural
[ii] Esclareço que enquanto governos e partidos não reconhecerem e não realizarem debates com encaminhamento e poder de decisão efetiva sobre o atendimento das demandas da juventude, esse autor prosseguirá repetindo a apresentação de alguns dados.
[iii] A Secretaria tem o objetivo de elaborar, propor e discutir políticas públicas para a população jovem no Brasil, bem como atuar em espaços internacionais que sejam de interesse nacional. Mais informações no site da SNJ.
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* Doutorando do CPDA/UFRRJ.