CE – Nota de repúdio ao Governo do estado e à sua Procuradoria pela tentativa de cerceamento do acesso ao Poder Judiciário

Quando a verdade for flama

As colunas da injustiça
sei que só vão acabar
quando o meu povo, sabendo
que existe, souber achar
dentro da vida, o caminho
que leva à libertação.
Vai tardar, mas saberão
que esse caminho começa
na dor que acende uma estrela
no centro da servidão.
De quem já sabe, o dever
(luz repartida) é dizer.
Quando a verdade for flama
nos olhos da multidão,
o que em nós hoje é palavra
no povo vai ser ação.
(Thiago de Mello)

O Movimento “QUEM DERA SER UM PEIXE”, o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular (SAJU) e a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares no Ceará (RENAP-CE) vêm manifestar seu repúdio à tentativa de cerceamento do acesso ao Poder Judiciário, por parte do Estado do Ceará. Em Ação Popular para que o patrimônio público seja resguardado, na obra do famigerado Acquário, a Procuradoria do Estado alega litigância de má-fé dos postulantes que agiram em nome da preservação do patrimônio cultural e em defesa da ordem jurídica violada no processo de licenciamento ambiental para o empreendimento.

A Ação Popular é uma garantia política a direitos fundamentais, prevista na Constituição Federal de 1988, em que qualquer cidadão pode ser parte legítima para propô-la, visando anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (art. 5º, LXXIII, da CF). Se há conexão da Ação Popular em trâmite na Justiça Federal com outra ação, isso é fato para julgamento simultâneo de processos, como determina o Código de Processo Civil (art. 105).

O intuito de criminalizar, de penalizar, de tolher o exercício da cidadania, que se consubstancia na Ação Popular, faz-se bem claro quando a Procuradoria afirma em seus embargos de declaração: “[…] tal comportamento, de evidente má-fé, não pode ser deixado impune, sob pena de, pelo mau exemplo, as ações populares acabarem desvirtuadas […]”. Desde quando a procura ao Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) é um mau exemplo? Por que o exercício da cidadania deve ser penalizado? Por que a procura pela defesa do patrimônio público deve ser considerada má-fé? A quem interessa este desestímulo? Parece que ao interesse público e coletivo é que não.

Destaca-se, novamente, que é absurdo legal tal alegativa da Procuradoria, uma vez que a litigância de má fé trata-se de: “[…] a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, como dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito” (Nelson Nery Junior).

Questiona-se, assim, veementemente, se existe algum interesse dos autores em causar dano, uma vez que a Ação Popular visou apenas “suspender quaisquer atividades do empreendimento Acquário do Ceará, até que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN autorize o reinício das obras por considerar os estudos apresentados pelo empreendedor como satisfatórios, com a cominação de multa no caso de descumprimento”, ou seja, buscou apenas que a leis e as normas infralegais de licenciamento ambiental, de proteção ao patrimônio cultural e ao meio ambiente, fossem cumpridas e que os órgãos estatais competentes as respeitassem. Segundo a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art. 17, do CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF, art. 5o, LV); e que da sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa”, o que, claramente, não é o caso.

Repudia-se, assim, qualquer tentativa de inversão de valores que comprometam o entendimento da sociedade sobre o exercício da cidadania ativa e a vigilância contínua na salvaguarda dos bens culturais da cidade de Fortaleza. Não se pode coadunar com posturas e práticas em tom de reprimenda e ameaça, tampouco se dobrar a intimidações, que tenham por objetivo disciplinar, coagir, a ação cidadã de proteção ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e, acima de tudo, aos valores da democracia participativa.

O Poder Público do Estado do Ceará deveria buscar a defesa de seu patrimônio, o resguardo da história e da cultura cearense. Infelizmente, neste episódio, mostra-se contrário a valores que tem por obrigação estimular, apoiar e difundir.

Enviada por Rodrigo de Medeiros Silva para Combate ao Racismo Ambiental.

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