Tania Pacheco – Combate ao Racismo Ambiental
Confesso que sequer me lembrava de ter ouvido falar do Fórum “Voz aos Povos Quilombolas, Assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais”, que aliás ainda tem mais duas palavras no seu longo nome: na verdade, o começo é Fórum Estadual e Intersetorial, que tirei do título para encurtá-lo. E essas duas palavras fazem alguma diferença, pois significam que não se trata de “mais um” fórum de debates criado pela teimosa sociedade civil organizada deste País, que apanha mas não desiste. Ao contrário, é um organismo oficial, estatal, intersetorial e de duração indeterminada, criado pelo Decreto n°41357, de 13 de Junho de 2008, “considerando”, como item três da sua abertura, “a dívida histórica com esses segmentos e necessidade da criação de mecanismos e estratégias capazes de ‘dar voz’ a essas populações”.
Uma pequena pesquisa no Google mostrou, porém, que não só eu já havia ouvido falar do Fórum, como inclusive ele havia sido noticiado, tanto neste Blog como em outros saites, embora sempre de forma objetiva: a informação de que haveria uma reunião dia tal, em tal lugar. Até onde pesquisei, uma, inclusive, regional e em Búzios. Soube depois de outra em Volta Redonda, e com certeza encontraria outras informações, se dispusesse de tempo para isso e se considerasse importante. O que quero fazer aqui, entretanto, é exatamente remar contra a corrente e refletir um pouco sobre esse Fórum (cujo Decreto de criação publico na íntegra no final deste texto) e sobre a conveniência de dele nos apoderarmos.
Comecemos pelo princípio, que penso não poderia ser mais desastroso. Pessoalmente, me arrepia ouvir falar da famigerada “dívida histórica”. Não porque a questione, muito ao contrário, mas porque sempre que ouço falar nela sinto como se ideia fosse justamente ela ficar cada vez mais “histórica”, a ponto de qualquer dia alguém perguntar: “mas que dívida mesmo é essa, afinal?”. Agora, quanto à necessidade “de ‘dar voz’ a essas populações”… Aí realmente saio do sério! E saio feio… Primeiro porque um decreto que pretende “dar voz” a alguém demonstra um paternalismo e uma arrogância detestáveis. Segundo, porque querer “dar voz” a quilombolas, indígenas, pescadores, assentados, acampados (e outros mais) é mais que desrespeitá-los; é ignorar que eles não só já conquistaram faz algum tempo o direito a serem ouvidos, como se transformaram em importantes atores políticos neste País. Tão importantes e com voz tão forte que, atrás deles e pagos para isso, estão jagunços, pistoleiros, milícias, seguranças de grandes companhias e outros mais, Brasil afora, como vemos quase que diariamente na internet. E só na internet, aliás, numa invisibilização que dá bem a dimensão de sua importância.
Contraditoriamente, é exatamente por esses e outros equívocos que, apesar do meu tradicional pé atrás com relação aos conselhos, comissões e quejandos da vida, que no geral acabam por se mostrarem tentativas de usar a sociedade civil para legitimar o ilegítimo, penso que talvez seja estratégico nos apossarmos desse espaço.
Soube que, no seu início, os pescadores artesanais formaram o grupo mais presente e atuante, juntamente com os quilombolas. Soube, também, que a Aquilerj lá esteve desde o início e lá continua, assim como outras comunidades. Soube que o Fórum está hoje fragilizado. É só o que sei, mas já me faz pensar. Penso que “nunca antes na história deste estado” a situação da Pesca Artesanal esteve tão difícil. Na verdade, acho que poderia falar do País, considerando não só a luta pela decretação do seu Território Tradicional, como a situação dos ribeirinhos ante as barragens e, como se não bastasse, o bendito Acordo das Colônias, do Senhor Ministro da Pesca. Só que no estado do Rio de Janeiro a situação se complica um pouquinho mais. Pois parece que tem gente, guardadas as proporções, confundindo pescador artesanal com Kaiowá-Guarani, em termos de jagunços, ameaças e matanças.
Por esse e por outros motivos (e cito mais um: a importância que a ele atribui a Defensora Pública Patrícia Magno, por quem tenho total respeito), minha impressão é que estar presente dia 24 na reunião do Fórum é ponto de honra. Para mostrar que ninguém precisa que lhe seja dada a voz. Para mostrar que ninguém é tolo e se deixa enganar por falácias. Para mostrar que somos capazes de nos unir (até onde entendi a participação é aberta), as pessoas de bem deste País, e lutar juntas pelo quê acreditamos e defendemos. Quilombolas, indígenas, pescadores, assentados, acampados (e outros mais, insisto) têm mais é que se apoderar de fato desse Fórum e, a partir dele, fazer a diferença, mostrando quem é quem neste estado e, pouco a pouco, neste País. Ou fazemos isso, transformando-o no que pode vir a ser um espaço de luta e de conquistas importante, ou estaremos permitindo que outros usem a nossa Voz e, no máximo, nos permitam falar alguma coisa de quando em vez, na medida em que lhes interesse.
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Serviço:
HORÁRIO: 10:00h00min às 16h00min
LOCAL: Prédio Defensoria Publica do Estado do RJ.
Endereço: Av.Marechal Câmara,271 – Centro -7º andar (auditório).
Decreto nº 41.357, de 13 de JUNHO de 2008
Dispõe sobre a Constituição do Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, Assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores artesanais e dá outras providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, tendo em vista o que consta no Processo Administrativo nº E-23/898/2008, CONSIDERANDO:
– o anseio das populações Quilombolas, Assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais por maior visibilidade, reconhecimento, valorização e acesso às políticas públicas;
– a necessidade da formalização das ações intersetoriais que vem sendo empreendidas desde 2007 pelas Secretarias de Estado, Universidades, Organizações Não Governamentais e outras Instâncias de Governo com representantes das Comunidades acima descritas; e
– a dívida histórica com esses segmentos e necessidade da criação de mecanismos e estratégias capazes de “dar voz” a essas populações.
RESOLVE:
Art. 1º – Fica instituído o Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais”, constituído sem fins lucrativos, de âmbito multi-setorial, aberto à participação dos interessados, com duração indeterminada.
Art. 2º- O Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais” terá como objetivos:
I – promover a visibilidade, valorização e reconhecimento dos povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais;
II – estreitar as relações entre gestores públicos e as comunidades aqui referidas;
III – estimular a geração, o acesso e a troca de informações referentes às políticas setoriais á esses destinada;
IV – Acompanhar o cumprimento da agenda de prioridades de políticas públicas para essas populações;
V – estimular o diálogo e a cooperação entre os partícipes e demais interessados para definir agendas comuns;
VI – atuar como fórum de fomento e articulação de ações, programas, projetos e políticas que promovam a qualidade de vida e a garantia de diretos dos povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais.
Art. 3º – As diretrizes do Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais” serão:
I – considerar a articulação intersetorial, como estratégia determinante no acesso dessas populações as políticas públicas;
II – pensar as discussões, ações, programas, projetos e políticas tendo como referência a territorialidade e a especificidade de cada população.
Art. 4º – As atividades a serem desenvolvidas pelo Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais” serão:
I – divulgação de informações;
II – promoção de conferências, encontros, seminários e outros eventos;
III – apoio à organização de grupos de estudos ou de trabalho para temas selecionados;
IV – desenvolvimento e/ou apoio a projetos específicos;
V – acompanhamento da agenda de políticas públicas para as populações: Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais.
Art. 5º – A estrutura do Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais” será a seguinte:
I – Comitê Diretivo;
II – Secretaria Executiva;
III – Comissões Técnicas.
Art. 6º – O Comitê Diretivo terá as seguintes características:
I – Estrutura: o Comitê Diretivo será formado por 12 (doze) representantes e respectivos suplentes, indicados e designados pela Secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, que possam expressar, traduzir ou representar interesses, expectativas e necessidades dos povos acima descritos, envolvendo:
– 03 (três) representantes e respectivos suplentes de instituições governamentais:
– 03 (três) representantes e respectivos suplentes de instituições não governamentais;
– 03 (três) representantes e respectivos suplentes de instituições de pesquisa e desenvolvimento (Universidades e Centros de Pesquisa);
– 03 (três) representantes e respectivos suplentes de cada população.
II – Atribuições: as atribuições do Comitê Diretivo serão:
– propor e revisar o Regulamento do Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais”;
– acompanhar as Políticas direcionadas a essas populações;
– estabelecer as diretrizes básicas operacionais para que o Fórum se configure em um espaço democrático, intersetorial que dê visibilidade a essas populações;
-supervisionar os trabalhos do Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais”.
Art. 7º – A designação de todos os membros do Comitê Diretivo realizar-se-á por meio de Resolução da Secretaria de Estado de Assistência Social e Diretos Humanos.
Art. 8º- A Secretaria Executiva do Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais” será exercida pela Secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, por um mandato de 2 (dois) anos, que poderá se renovado por iguais períodos.
Parágrafo Único – As atribuições da Secretaria Executiva serão:
– providenciar apoio e supervisionar as atividades administrativas Fórum;
– elaborar com os demais entes constituintes o programa anual de atividades e o relatório anual de atividades;
– executar as determinações que lhes forem destinadas pelo Comitê Diretivo.
Art. 9º – Poderão ser constituídas Comissões Técnicas (CT), temporárias ou permanentes, com objetivo de instrumentalizar as ações do Fórum na consolidação de parcerias e formulação de estratégias.
I – a criação de uma CT poderá, na forma regimental, ser uma proposição de qualquer participante do fórum ou de seu Comitê Diretivo;
II – a extinção de um CT ocorrerá quando as atividades propostas tiverem sido cumpridas ou por proposição das Comissões Técnicas ou do Comitê Diretivo.
Art. 10 – Poderão participar do Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos Quilombolas, assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais” pessoas e instituições interessadas no tema, por meio de associação ao fórum por meio de forma a ser definida pelo Comitê Diretivo.
Art. 11 – Quanto à origem de recursos e remunerações:
I – nenhuma função definida neste Decreto terá remuneração, sendo considerada de relevante interesse para a sociedade do Estado do Rio de Janeiro;
II – os partícipes poderão levantar recursos para a consecução de atividades do Fórum por meio dos recursos públicos ou da consolidação de parcerias com a iniciativa privada;
III – a Instituição do Fórum Estadual não implicará em dispêndio financeiro por parte do Estado.
Art. 12 – As reuniões do Fórum Estadual serão realizadas em local indicado pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Diretos Humanos.
Art. 13 – O disposto no presente Decreto, em momento algum, impede ou limita o exercício das Secretarias de Estado ou das outras organizações, no que se refere às ações a serem desenvolvidas para essas populações.
Art. 14 – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2008
SÉRGIO CABRAL