Tributação embutida no consumo pesa mais no bolso dos contribuintes de menor renda

Com as netas Isabela (C), Sabrina (D) e Karen (E), a avó Maria Guia de Oliveira, com renda de um salário mínimo, lamenta não receber do Estado o material escolar para as estudantes

Paula Takahashi, Sílvio Ribas (Estado de Minas) e Bárbara Nascimento

A elevada carga de impostos não representa só um dos mais graves e antigos entraves ao desenvolvimento sustentável do Brasil – problema reconhecido até mesmo pelo governo em suas recentes medidas pontuais para desonerar o setor produtivo. O complexo sistema tributário também é injusto ao pesar proporcionalmente mais no bolso dos contribuintes de menor renda, que destinam ao fisco mais da metade do que ganham, em cobranças embutidas no consumo. Essa realidade ganha contornos dramáticos ao perceber que esse mesmo público é também o mais dependente da assistência estatal, cuja qualidade está muito aquém do desejável.

Com 62 anos e renda de um salário mínimo, a aposentada Maria Guia de Oliveira lamenta que o governo fique com quase 54% dos seus ganhos, dinheiro que não vê aplicado na escola dos sete netos de que cuida. “Nenhum deles come a merenda da escola, que dizem que é horrível e parece mais sobra de comida”, conta a Vó, como é conhecida na vizinhança da Vila Santana do Cafezal, no Aglomerado da Serra, Região Centro-Sul da capital.

A neta de 11 anos, Sabrina Luiza de Jesus, teve que encapar os livros didáticos distribuídos pela escola para conseguir usá-los. “Vieram rasgados”, conta. A prima Isabela Alves, de 12 anos, reclama que, além de rasgados, muitos livros chegam usados, sujos e com folhas faltando. A contribuição da escola para por aí. Todo o restante de material é comprado por Maria, que faz como pode para adquirir cadernos, lápis, borracha e mochila para cinco dos sete netos. “Divido em várias prestações. Chego a gastar mais de R$ 300 quando muda o ano. Nunca recebi nada do governo. Tudo fica por minha conta”, explica.

Na saúde, o cenário não é muito diferente. Sexta-feira à tarde, a faxineira Aline Souza de Oliveira esperava havia quase duas horas para ser atendida no Posto de Saúde da Rua Corinto, na Serra. “E só devo sair depois das 19h, como nas últimas vezes que estive aqui. Com isso, perco o dia de trabalho, porque não consigo atestado”, conta. E tudo isso apenas para marcar um exame. “Para tirar sangue mesmo, ainda vou ter que faltar mais um dia no trabalho, que será descontado no meu salário”,lamenta a funcionária de um escritório que, assim como o marido, que trabalha em um lava a jato, ganha um salário mínimo.

O aposentado Valdevino Alves Miranda também lamenta o serviço prestado no setor de saúde, que, na maioria das vezes, o obriga a comprar os remédios que deveriam estar disponíveis nos postos. “Nem um paracetamol eles tinham disponível e, como não posso ficar sem ele, tive que desembolsar o valor”, explica. Hoje ela ganha um salário mínimo e também está entre os milhões de brasileiros que pagam mais impostos e não veem o retorno dos valores debitados.

Efeito regressivo

Estudos acadêmicos e de órgãos oficiais de pesquisa vêm atestando com detalhes o conhecido efeito regressivo da carga tributária brasileira, ou seja, a incidência inversamente proporcional à renda e ao patrimônio do cidadão. “Segundo dados da própria Receita, quem ganha até dois salários mínimos paga o dobro em impostos indiretos sobre os produtos que consome”, informa Mary Elbe Queiroz, jurista especializada em assuntos tributários. Uma prova da amplitude da cobrança indireta está na conta de luz, cuja carga o governo decidiu desonerar em 20% em média a partir de 2013.

Para ela, a injustiça do sistema se confirma quando se observa o retorno dos impostos. A má gestão dos recursos disponíveis e a gigantesca despesa com juros da dívida da União limitam a devolução dos recursos sob a forma de infraestrutura e políticas voltadas ao bem-estar social. “Nessas condições, teríamos de triplicar a atual carga tributária para oferecer serviços públicos no mesmo patamar dos países ricos”, calcula.

Além de calibrar a incidência dos tributos sobre cada grupo de renda, Mary Elbe defende iniciativas para dar agilidade ao Estado e fazê-lo gastar melhor os valores que arrecada. “A burocracia é um custo a mais absolutamente desnecessário”, ilustra. Diante da precariedade daquilo que o conjunto dos três níveis de governo – federal, estaduais e municipais – oferece à população, o alto percentual da carga tributária do Brasil (36%), comparável à média das economias desenvolvidas (40%), acaba sendo questão relativa. Por isso, ela entende que as autoridades deveriam perseguir cobrança mais justa de impostos e aplicação mais racional do Orçamento.

Distorção na renda

Para medir o grau de injustiça da regressividade da tributação sobre os assalariados (cobrança inversamente proporcional à renda), a jurista especializada em assuntos tributários Mary Elbe Queiroz lembra que o salário mínimo ideal nas contas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), capaz de cobrir todas as necessidades da família, teria de ser de R$ 2,5 mil. Mas já a partir de R$ 1,6 mil o contribuinte começa a pagar Imposto de Renda (IR).

Neste sentido, Mary Elbe vê com bons olhos iniciativas do Congresso de desonerar a cesta básica. Está sobre a mesa da presidente Dilma Rousseff emenda à Medida Provisória (MP) 563 que prevê redução de custos de vários setores industriais. “A cesta básica já é bastante desonerada”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insinuando que a proposta pode ser vetada.

Raul Velloso, especialista em finanças públicas, concorda em parte com o argumento do ministro de que houve importantes isenções e reduções de impostos indiretos sobre os produtos de grande peso no consumo dos mais pobres. Mas, em razão da complexidade da forma como são cobrados, ele sugere uma investigação mais profunda dos efeitos líquidos das desonerações. “O Brasil tem peso geral de impostos mais regressivo que países desenvolvidos, onde a tributação se concentra no IR. Falta saber o quão injusta é essa carga”, sublinha.

Outra forma de aperto tributário sobre assalariados está nas regras do Leão. “Para os que extrapolam a faixa de isenção, os valores devidos são descontados na fonte, em até 27,5%, e ainda as possibilidades de restituição são limitadíssimas”, critica o consultor Francisco Arrighi. Como saúde e educação públicas são insuficientes para cobrir a demanda e a infraestrutura tem falhas, a despesa do contribuinte para preencher tais lacunas fica sem compensação. A alíquota máxima do IR é cinco vezes maior do que a aplicada aos de igual nível de renda em países desenvolvidos e outros sul-americanos, de 5% em média.

http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/09/16/internas_economia,317748/tributacao-embutida-no-consumo-pesa-mais-no-bolso-dos-contribuintes-de-menor-renda.shtml#.UFW8Wkg0r10.gmail.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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