Baixa educação, altos índices de homicídios

Sônia Maria perdeu o filho de 17 anos. Além de educação, ela defende mais lazer para os jovens

Levantamento do Estado de Minas mostra que, das 50 cidades com nota mais baixa no Ideb, 19 também figuram na lista das mais violentas. Escola é apontada como instrumento de proteção

Renata Mariz

Brasília – O baixo desempenho curricular não é o único problema das cidades que ficaram na lanterna do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Entre os 50 municípios com as piores notas na etapa final do ensino fundamental público (6º ao 9º ano), 19 estão no topo do ranking da violência juvenil brasileira, medido pelo Índice de Homicídios na Adolescência (IHA). Desenvolvido pela Secretaria de Direitos Humanos, esse indicador expressa, para um grupo de mil, quantos meninos e meninas que, ao completarem 12 anos, serão assassinados antes de chegarem aos 19. As informações obtidas pelo Estado de Minas a partir do cruzamento de dados do Ideb e do IHA levantam o debate sobre o papel da escola como instrumento de proteção da infância e juventude.

“Claro que a escola não resolve todos os problemas, mas é um agente fundamental para questões sociais, como violência. Principalmente na adolescência, porque é nessa fase que o estudante começa a projetar sua visão para o futuro”, afirma a professora Clélia Craveiro, que dirige o setor de políticas educacionais, direitos humanos e cidadania do Ministério da Educação.

As cidades que aparecem nas duas listas – 50 piores notas no Ideb e 50 municípios mais violentos para a adolescência – ficam no Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. Predominam os estados do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia. O que apresentou a situação mais preocupante, porém, foi Maceió. É a pior nota do Ideb, 2,4, numa escala de zero a 10, e o terceiro maior IHA do país, 7,29 – índice alarmante diante do parâmetro de referência da taxa, que deve ser perto de zero, sempre inferior a 1. Isso significa que, na capital alagoana, para cada mil adolescentes com 12 anos, quase oito serão vítimas de homicídio antes dos 19. O número de mortes esperadas no período de sete anos chega a 1.001.

BAIXA QUALIDADE Águas Lindas de Goiás, a apenas 45 quilômetros de Brasília, figura entre as 20 cidades que padecem com o problema da educação de baixa qualidade e da violência juvenil em alta. Foi para lá que Sônia Maria Andrade se mudou, 21 anos atrás, quando deixou Parnaíba, no Piauí, em busca de uma vida melhor. A senhora de fala mansa, acostumada a trabalhar na roça, não imaginou que perderia um dos quatro filhos na cidade escolhida pela família. Francisco tinha apenas 17 anos quando foi assassinado no município goiano, a facadas, há cerca de cinco anos. “Acharam o corpo dele caído. Eu não quis ir lá, foi meu marido que resolveu tudo. Ele era um bom menino”, lamenta.

Ela conta que Francisco cursava a sétima série em uma escola próxima de casa. “Era um lugar médio, como todo o ensino daqui, que é meio devagar. Ele ficava muitos dias sem aula. Além da educação boa, Águas Lindas precisa ter opções de diversão para os jovens. Não tem nada para fazer. Os adolescentes vão se divertir no bar”, reclama. O professor Carlos Eduardo Sanches, ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e integrante do Conselho Estadual de Educação do Paraná, concorda. “A política para essa faixa etária tem que congregar esporte e lazer. A educação precisa se articular com outras áreas para formar uma rede que de fato proteja os adolescentes.”

Célio da Cunha, professor da Universidade de Brasília e consultor das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), destaca que o dado sobre a violência juvenil presente nas cidades com baixo Ideb mostra a urgência da implantação das escolas em tempo integral. “Mas não adianta apenas manter o aluno lá dentro. É preciso atrair seu interesse de forma prazerosa. Para isso, é preciso ter infraestrutura adequada. Essa energia dos jovens deve ser canalizada para atividades de formação da cidadania, da convivência social, dos valores democráticos”, defende. Ele aponta o programa Escola Aberta, da Unesco, que funciona nas periferias de grandes cidades, como boa iniciativa. “Consiste em deixar a escola à disposição da comunidade durante o fim de semana. Essa ideia pode ser multiplicada.”

Palavra de especialista
Mário Volpi, Coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Unicef no Brasil

A sociedade é um enorme campo de aprendizagens, mas é na escola que o conhecimento está organizado de forma mais acessível e estruturado. O que ainda carece de melhor debate são os fatores presentes na sociedade e que incidem sobre a escola, não para justificar os problemas desta, mas para entendê-la como parte viva da sociedade. A violência, a exploração do trabalho infantil, a gravidez na adolescência e a falta de motivação são motivos que levam à evasão escolar. Estabelecer essa separação entre o dever da escola e da sociedade serve apenas para identificar onde estão os principais problemas. Entretanto, se isso for feito a pretexto de eximir um ou outro da responsabilidade, o resultado será um eterno empurra-empurra, cujo resultado será a manutenção da exclusão social, que, somada a uma escola ineficiente, mantém as desigualdades. Muitas das escolas com baixo Ideb estão em comunidades com altos índices de violência. O que é causa e o que é consequência? Pergunta dispensável, uma vez que a solução está no investimento em educação associado a outras políticas públicas, com as de saúde, assistência social, segurança e cultura, para, junto com a escola, enfrentar os problemas que impedem crianças, adolescentes e jovens de realizarem seus direitos.

Comparação
Foram consideradas, no levantamento,  cidades com mais de 100 mil habitantes, porque somente para elas há  Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) calculado. A última versão do indicador, que mensura a mortalidade por assassinato durante um ciclo de sete anos na vida dos adolescentes, foi divulgada em 2008. Um dos autores do IHA, o professor Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), disse não haver problemas metodológicos em comparar a taxa com as notas do Ideb, que são de 2011. “Os dados continuam válidos até divulgarmos o próximo estudo do IHA, que deve ocorrer este ano. Mas nem nessa nova análise haverá grandes mudanças no perfil das cidades mais violentas.” O Ideb médio da rede pública no Brasil, anos finais do ensino fundamental, é de 3,9 (escala de zero a 10). Entre as 19 cidades com baixa qualidade na educação e índices elevados de violência, as notas variam de 2,4 a 3,3.

http://impresso.em.com.br/cadernos/nacional/. Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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