Povos indígenas: de donos da terra à miseráveis sem direitos

Depois de quase três anos da primeira reestruturação da Fundação Nacional do índio – FUNAI ter feito pelo presidente Marcio Meira em dezembro de 2009, véspera de ano novo, como golpe escondido para que ninguém pudesse reagir, nem os povos indígenas em suas aldeias, nem a CNPI com alguns representantes que estão na cidade foram consultados, o governo assinou no final de julho um novo Decreto de reestruturação da FUNAI que assim como o de 2009 tem mais cara de desestruturação. A direção da FUNAI pode achar que não é nada disso, que é o contrário o que está fazendo, como eles costumam dizer é a base de uma nova política indigenista. Mas ainda não provaram nada disso. Do lado dos  povos indígenas nós temos como provar que os dois decretos na prática vieram para desestruturar nossos direitos.

Se o governo tivesse a coragem e a honestidade de fazer uma avaliação das mudanças veria que o fechamento irresponsável de todos os postos indígenas do Brasil tratando todos os povos como se tivessem a mesma história, a mesma cultura, os mesmos problemas regionais, em muitos casos pode ser comparado a um crime de omissão. Aumentaram as invasões das terras e a destruição do meio ambiente, aumentaram os crimes de violência e assassinatos contra os índios, aumentaram a quantidade de comunidades que sofrem com exploradores de vários tipos: os patrões que ficam com os cartões dos velhinhos, a produção das aldeias que fica nas mãos dos atravessadores, dos grileiros, os gatos que recrutam índios para serem boias frias, dos fazendeiros que arrendam terras indígenas,  e dos que são donos das máquinas de beneficiar arroz e soja (aqui no caso do sul). Será que as cestas básicas e bolsa família resolvem esses problemas? Onde fica nossa dignidade como povos indígenas donos dessas terras e que ajudamos a fazer esse país? 

O governo tão preocupado com a economia e com o desenvolvimento, também aumentou suas despesas, deixando as casas dos postos abandonados, se destruindo, e em muitos lugares passou a pagar aluguel para novos escritórios da FUNAI. Mas do outro lado vão falar que foram criadas CTLS e os comitês regionais. A maioria da CTLs não funcionam muitas até hoje só existem no papel, outras não tem mesa para trabalho, nem computador, nem tinta, nem papel, nem telefone.

Os comitês regionais foram criados com a ideia de que os índios seriam escutados na hora de fazer a programação da coordenação regional, mas em que lugar eles funcionam de verdade? O convite para participar dos planos do governo para os povos indígenas mais parece uma armadilha. A Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI foi criada no governo Lula com uma grande propaganda que encheu o movimento indígena de esperanças, mas quando as lideranças indígenas começaram a discordar com as imposições do governo e começaram a defender os nossos direitos, o governo resolveu esquecer a CNPI, e só chamar quando é de seu interesse para aprovar alguma coisa.

O que se pode pensar: tudo não passa de um faz de conta. Faz de conta que ouvimos os índios. Os índios foram ouvidos na construção de Belo Monte, os índios foram ouvidos na construção da hidrelétrica de Santo Antonio, os índios foram ouvidos na construção da hidrelétrica de Lajeado, os índios foram ouvidos na hidrelétrica do rio Teles Pires e por aí vai. Assim como o Decreto de 2009 que tinha como finalidade fazer a nova política indigenista e que deixou a FUNAI sem regimento esse tempo todo até sair o novo Decreto da atual gestão, está ficando cada vez mais claro que a reforma da FUNAI também faz parte desse plano do governo, mesmo que tenha prejuízos no início, a ideia é deixar mais fraca as formas de apoio, os direitos reconhecidos,  e obrigar as comunidades a aceitar as compensações em dinheiro das grandes empresas.  Resta uma outra alternativa para nossos parentes virar peões das obras, peões dos fazendeiros, das mineradoras, e outros projetos de roubo das riquezas das terras indígenas.

Se nesses anos o governo teve prejuízos com planejamento mal feito da direção da FUNAI, os prejuízos maiores, os mais prejudicados são os povos indígenas que vivem um clima de insegurança e de incertezas que se arrasta a pelo menos cinco anos.

Como as comunidades podem organizar suas produções, proteger o meio ambiente de suas terras, proteger seus filhos, suas mulheres, seus velhos, suas lideranças ameaçadas, suas culturas, enfim a vida do povo que a Constituição Federal e várias leis garantem, nesse clima de destruição, de perseguição, de desmonte, de mortes a que estamos submetidos?  Tudo parece como se fosse a coisa mais normal, mais natural do mundo para as autoridades. A cada dia as notícias da tragédia em que o governo brasileiro mergulhou os povos indígenas, se repetem, mesmo que não apareça na televisão, mesmo que não apareça nos jornais, mas todos nós sabemos por que sentimos na pele e não tem exemplo maior do que a violência, o preconceito, o abandono, a fome, os assassinatos enfrentados pelos parentes guarani no Mato Grosso do Sul. A violência contra os povos indígenas tem muitas caras, seja de assassinatos de lideranças, de mortes de crianças, de escolas sem funcionamento, de jovens sem direito a educação, de velhos roubados por comerciantes, de meninas prostituídas, de invasão de madeireiros e garimpeiros, de invasão de hidrelétricas e estradas. A violência mais grave além da omissão é o desrespeito do próprio governo federal aos nossos direitos previstos na Constituição de 1988, e os últimos acontecimentos tem provado isso.

São várias notas e protestos contra a Portaria n. 303 da Advocacia Geral da União – AGU setor do Governo que em vez de fazer com que a Constituição seja respeitada, decidiu   jogar os direitos indígenas na lata do lixo, quer dizer na lata dos interesses dos grandes fazendeiros, das mineradoras, das madeireiras, dos grandes projetos de estradas e de hidrelétricas. Os interesses econômicos esmagam os direitos dos índios mais uma vez na história desse país. Isso já está mais do que falado, denunciado pelo movimento indígena. Para um país como o Brasil é uma vergonha não revogar a Portaria e dizer que a FUNAI tem 60 dias para consultar os povos indígenas. Não sabemos se é cinismo ou ignorância, querer consultar mais de 200 povos em 60 dias sobre uma Portaria mal feita  e não precisa se conhecer a Constituição para saber de cara que é ilegal, imoral e autoritária.

O novo Decreto da FUNAI também vai no mesmo caminho quando resolve criar uma coordenação de licenciamento ambiental e fechar a coordenação de educação, por que mostra para todos nós qual a prioridade do governo. É mais importante fazer licenciamento das grandes obras do que garantir educação diferenciada nas aldeias, a entrada e permanência dos jovens indígenas nas universidades, enfim cumprir as leis e dar oportunidade para os povos indígenas que fortaleçam suas culturas, seus conhecimentos e ao mesmo tempo tenham jovens preparados para enfrentar toda a realidade de violência, de discriminação, de exclusão que sofre desde que o Brasil recebeu o nome de Brasil, e poder pensar em uma vida de liberdade. O sentimento que nos resta é como se nós povos indígenas fossemos prisioneiros dentro desse país, sem voz, sem poder decidir sobre o uso de nossas terras, muitas vezes sem terra nenhuma, cada vez mais sem meios próprios de sobrevivência, com nossa natureza, nossas culturas e línguas cada vez mais violentadas.

Resta outro sentimento. Os jornais falam que a Comissão da Verdade vai apurar os casos de tortura e perseguição no governo militar, se fala até da perseguição que o povo Waimiri Atroari sofreu que os militares usaram bombas e armas contra os Waimiri para sufocar a resistência dos índios contra a invasão de suas terras para construir as grandes obras do governo militar no Amazonas, Hidreletrica de Balbina e projeto de mineração. A história se repete. Hoje as bombas e armas são outras e se fala em democracia. Democracia pra quem mesmo? Para os índios com certeza não é.  Será que daqui a 20, 30, 40 anos vai ser preciso uma Comissão da Verdade para apurar os crimes contra os povos indígenas? Presidenta Dilma, Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e quem mais podem responder essas perguntas?

Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPINSUL

Enviada por Tsitsina para a lista CEDEFES.

http://www.arpinsul.org.br/index.php?p=no&id=131

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