Indígenas protestam contra a portaria que pretende impedir a ampliação de Terras Indígenas

Cartas e manifestações de protestos contra a portaria da Advocacia Geral da União (AGU) pipocaram na semana passada em vários estados brasileiros. Os Kayapó enviaram carta e depois fecharam a BR-163, em Mato Grosso, enquanto outros povos e organizações indígenas protestavam na capital do estado, Cuiabá, em Palmas (TO), em Brasília, em Boa Vista (RR) e em Mato Grosso do Sul. Neste último caso, os Guarani-Kaiowá foram reprimidos a bala por pistoleiros

Publicada no dia 16 de julho [na realidade, a 303 foi assinada no dia 16 e publicada no dia 17. TP.], a portaria nº 303 da AGU, alvo dos protestos de indígenas, e indigenistas, paralisa a ampliação de Terras Indígenas e determina que a implantação de hidrelétricas e estradas poderá ser feita independentemente de consulta às populações indígenas afetadas quando esses empreendimentos forem considerados “estratégicos” pelo Ministério da Defesa e o Conselho de Defesa Nacional. Segundo a norma, as ampliações de TIs passam a ser exceções: só poderão ocorrer quando forem constatados no processo de demarcação erros jurídicos graves. A alternativa seria anular um processo já finalizado e reiniciá-lo, incluindo a demanda pela ampliação.

A Funai contestou a portaria em 20 de julho em nota técnica, e a AGU concordou em suspendê-la temporariamente até que o governo conclua uma série de reuniões com organizações e povos indígenas para regulamentar a consulta prévia sobre obras que afetem as Terras Indígenas.

São muitas as TIs demarcadas, sobretudo no centro-sul do País, que demandam revisão de limites por não corresponder a toda a área de ocupação tradicional e não ter o tamanho suficiente para garantir a sobrevivência das comunidades indígenas. No início de 2011, havia cerca de 80 pedidos de ampliação de TIs e 54 casos de revisão de limites em andamento no País.

A falta de terra é responsável por conflitos e altos índices de desnutrição, mortalidade infantil, suicídio, alcoolismo, criminalidade e doenças decorrentes da mudança do modo de vida tradicional. O caso mais emblemático é o dos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul (veja abaixo a manifestação dos Kaiowáa e o informação de que foram reprimidos a bala por pistoleiros).

O renomado jurista Dalmo Dallari, em artigo recente, apontou as inconstitucionalidades da portaria (Leia aqui).

Kayapó fecham a BR-163

Em carta apresentada no último dia 6 de agosto ao governo, índios Kayapó Mekrãgnoti exigiram o cumprimento das consultas públicas sobre a portaria. E na quinta-feira, 9 de agosto, fecharam a BR-163, que liga Cuiabá a Santarém, para protestar, de acordo com informações do site Amazônia.org. Entre as reivindicações destacadas na carta, está o cumprimento da promessa de consulta às comunidades indígenas sobre a portaria da Advocacia Geral da União, que está suspensa. Leia aqui a carta dos kayapó.

Os Kayapó também se referem na carta à usina de Belo Monte. O Instituto Kabu, que representa os Kayapó do oeste protocolou no dia 22 de junho passado um parecer questionando o processo de licenciamento ambiental da hidrelétrica. Afirma que os povos da margem oeste não foram consultados só o foram os da margem leste.

Em Brasília, Palmas, Cuiabá e Mato Grosso do Sul

De acordo com informações publicadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na sexta-feira, 10 de agosto, mais de 50 lideranças indígenas de todo país ocuparam a sede da Advocacia Geral da União (AGU) em Brasília. Exigiam a revogação imediata da Portaria 303. A mobilização contou com a participação de diferentes organizações como a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), a Coiab (Coordenação Indígena da Amazônia brasileira), e as organizaçlõe sregionais que compõem a Apib como a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin-Sul), a Apoinme (Associação de povos e organizações do Nordeste, Minas Gerais e Rio de Janeiro), a Aty Guasu (Grande Assembleia dos povos indígenas Guarani Nhadeva e Guarani Kaiowá) e a Articulação dos povos indígenas do Pantanal e Região (Arpipan). Leia a nota de repúdio da Apib.

Entre as lideranças, estavam os caciques Raoni Metuktire Kayapó, Megaron Txucarramãe e Babau Tupinambá, além de Kleber Apurinã, Lindomar Terena e representantes de povos de todas as regiões do país. Eles reivindicam uma audiência com o advogado geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, que negou-se a recebê-los acenando com a possibilidade de um encontro nas próximas semanas.

Em Palmas, no Tocantins, cerca de 150 indígenas ocuparam também na manhã desta sexta-feira a sede da AGU reivindicando a revogação imediata da Portaria 303. Seis povos estava, representados no protesto: Apinajé, Xerente, Krahô, Javaé, Karajá de Xambioá e Krahô-Kanela. Pediram que a portaria fosse rasgada.

Em Cuiabá, capital do Mato Grosso, os povos indígenas também se mobilizaram em protesto pela revogação da Portaria 303. Mais de 150 índios e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) organizaram um ato público em frente ao órgão indigenista estatal. Havia representantes dos Paresi, Chiquitano, Nambikwara e Enauwenê-nawê. Ameaçaram fechar rodovias. E protocolaram dois documentos na Funai, no Ministério Público Federal (MPF) e na AGU de Cuiabá, nos quais externam sua indignação e repudiam a portaria.

Em protesto contra portaria, cerca de 400 indígenas Guarani Kaiowá retomaram na madrugada do dia 10 de agosto, parte de área de ocupação tradicional do tekoha Arroio Koral, no município de Paranhos. O território é motivo de conflitos fundiários e judiciais e a morosidade na demarcação, homologação e extrusão dos invasores não-índios dos territórios é motivo de violência contra os Guarani Kaiowáa. Entretanto, foram atacados por pistoleiros a mando dos fazendeiros ferindo adultos e crianças e com registro de uma morte. Leia aqui o informativo dos Guarani-Kaiowáa divulgado neste sábado, 11 de agosto sobre esse ataque.

Em Boa Vista

Também nesta sexta-feira as organizações indígenas de Roraima fizeram uma manifestação, com concentração em pontos diferentes da cidade, de acordo com notícia da Folha de Boa Vista. Os motivos da manifestação, que reuniu representantes de dez organizações indígenas existentes no Estado foram comemorar o Dia Internacional dos Povos Indígenas, ocorrido no dia anterior, 9 de agosto, e protestar contra as violações dos direitos indígenas, pedindo a revogação da portaria da AGU. A Hutukara Associação Yanomami lançou uma Nota Pública de Repúdio e também participou da manifestação. Veja também a carta divulgada pelas organizações indígenas e indigenistas de Roraima.

Assim que o governo publicou a portaria, ainda em julho, a Rede de Cooperação Alternativa (RCA), que congrega dez organizações indígenas e indigenistas, entre elas o ISA, enviou carta ao governo manifestando suas preocupações em defesa dos direitos indígenas.

Com a reação contrária a Portaria nº303, e a nota técnica da Funai manifestando preocupação com a restrição aos direitos indígenas, a AGU editou a Portaria 308, suspendendo os efeitos da anterior até meados de setembro, para que seja realizada a consulta às comunidades indígenas e suas organizações, que se manifestam publicamente pedindo a revogação imediata das duas portarias.

http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3642

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