Governo do Estado age para impedir que demarcações de terras indígenas ocorram no Rio Grande do Sul

Em audiência pública promovida pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, na quarta-feira, dia 8, parlamentares, representantes de órgãos governamentais, entidades indigenistas e comunidades indígenas discutiram a realidade dos povos indígenas no estado do Rio Grande do Sul e a situação fundiária das terras indígenas.

O presidente da CCDH, deputado Miki Breier (PSB), um dos requerentes da audiência pública, enfatizou que é necessário maior agilidade do órgão indigenista, a Funai, nos procedimentos de demarcação de terras indígenas no Rio Grande do Sul. Por sua vez e fazendo uma espécie de contraponto, os representantes do governo do Estado, presentes na audiência, argumentaram que para resolver os problemas relativos à demarcação das terras é preciso que se crie uma comissão especial para discutir as questões. Duas visões e duas proposições que demonstram as contradições quanto à busca de soluções para os problemas que afetam a vida e o futuro dos povos indígenas. Uma pede que o Governo Federal agilize os procedimentos demarcatórios e a outra pretende obstruir e retardar qualquer perspectiva de solução.

É importante destacar que os agentes do Estado que estavam na audiência da CCDH representavam as opiniões do governador Tarso Genro, que por sua vez já foi ministro da Justiça e, como tal, responsável pela execução da política indigenista do país. Há que se dizer que o governador é um profundo conhecedor da questão em discussão, bem como lembrar que, durante o período em o atual governador foi ministro, ele não permitiu que se demarcasse um palmo de terra indígena no Rio Grande do Sul. Portanto, para entendermos o contexto e as opiniões que estão dando direção e pautando os debates em torno da realidade indígena, é necessário conhecer os personagens, o que eles representam e que interesses defendem.

Os personagens deste debate são os povos indígenas, o órgão indigenista oficial (Funai), alguns parlamentares, o Ministério Público Federal (MPF), o governo do Estado, as entidades indigenistas, os estudiosos do assunto, e aqueles que se sentem afetados pelas demarcações de terras. Os povos indígenas lutam para que a Constituição Federal seja respeitada e cumprida no que se refere aos direitos que lhes são assegurados, dentre eles a demarcação de suas terras; a Funai, órgão de execução da política indigenista, subordinada ao Ministério da Justiça, deveria demarcar as terras e garantir o seu usufruto pelas comunidades e povos indígenas; os parlamentares devem propor ações e fiscalizar para que estas ações atendam as exigências legais; o MPF deve agir no sentido de acompanhar e fiscalizar as ações tendo em vista a assegurar o cumprimento dos direitos dos povos indígenas e para que eles não sejam desrespeitados; o governo do Estado deveria agir como um colaborador dos órgãos federais, apoiando as ações, dando suporte para que elas sejam eficazes e tenham continuidade; as entidades indigenistas e os estudiosos devem prestar apoio e assessoria às comunidades e suas lideranças tendo em vista a garantia de seus direitos; aqueles que ocupam irregularmente os territórios indígenas devem buscar esclarecimentos e também cobrar do Estado os seus direitos.

Mas o que vem acontecendo efetivamente no Rio Grande do Sul quando os povos indígenas reivindicam que os seus direitos constitucionais sejam assegurados pela União, ou quando povos e comunidades se mobilizam, cobram e lutam pela demarcação de terras? Efetivamente, nestes momentos, os povos indígenas são discriminados e excluídos. É nestes momentos de lutas e reivindicações que se percebe com clareza o papel desempenhado pelos personagens referidos acima. Uma pequena parcela dos parlamentares assume a incumbência de fazer o debate, uma vez que as demandas lhes são expostas; no entanto, não têm força política para qualquer ação que leve em conta os interesses indígenas, porque, na outra ponta, a maioria dos parlamentares assume compromissos com os interesses do governo, personagem central neste enredo, e com os interesses daqueles que ocupam irregularmente as terras indígenas.

O governo do Estado cumpre papel determinante em todas as questões que envolvem as demandas indígenas no Rio Grande do Sul, uma vez que assume um discurso de aparente comprometimento com as demandas indígenas, especialmente aquelas de cunho assistencialista, mas, por outro lado, cria entraves para as ações e serviços do outro personagem do enredo, a Funai. O governo estadual condiciona as ações do órgão indigenista no Estado aos interesses políticos e econômicos regionais. Se há indicativo de que uma terra será estudada para uma possível demarcação, ou se um dos procedimentos demarcatórios que estão em curso aponte para conclusão do processo e a consequente garantia da terra aos índios, o governo imediatamente manifesta sua contrariedade e age para protelar as ações, impedindo, como consequência, que os povos indígenas consigam a posse e o usufruto de suas terras. É por conta destas ações e posturas que a maioria das comunidades indígenas de nosso Estado está jogada em beira de rodovias, vivendo em barracos de lonas pretas, sofrendo todo tipo de violência e omissão. Algumas poucas comunidades que estão em suas terras indígenas vivem em áreas diminutas ou em áreas degradadas.

A audiência realizada pela CCDH da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que deveria tratar das demarcações de terras indígenas no sentido de cobrar da Funai mais agilidade nos procedimentos demarcatórios, acabou servindo para que o governo do Estado articulasse a criação de uma comissão para tratar da questão e colocar, na mesa de debates, os anseios e ideais de segmentos econômicos que são contrários aos direitos indígenas.

Lamentavelmente, como sempre acontece, os povos indígenas ficarão de fora desta Comissão. Lamentavelmente, esta comissão, como sempre acontece com qualquer comissão, cumprirá uma função protelatória. Tais ações protelatórias interessam ao governo do Estado, aos seus interesses eleitoreiros nas regiões onde há demandas indígenas a serem resolvidas. Com isso, consegue, ao menos por enquanto, abafar as demandas indígenas e não contribuir para suas soluções.

Porto Alegre, RS, 13 de agosto de 2012.

Cimi Regional Sul – Equipe Porto Alegre

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