Ditadura: Representação brasileira no Chile temia ser alvo de exilados

Documento sigiloso do extinto Estado Maior das Forças Armadas (EMFA) revela que militares e diplomatas que viviam no Chile pré-Allende temiam ações dos militantes de esquerda, em especial dos exilados brasileiros. O documento mostra também que o respeito do povo chileno à democracia incomodava a ditadura brasileira, que já antevia a necessidade de um golpe de estado, caso o candidato marxista fosse vitorioso nas eleições de 1970.

Najla Passos (*)

Brasília -Um documento secreto do governo, obtido com exclusividade por Carta Maior, revela que os representantes da ditadura brasileira que viviam no Chile em 1970 temiam serem alvos de ações de militantes de esquerda, em especial dos milhares de brasileiros que se exilaram naquele país após o golpe de 1964. Entre os brasileiros que exacerbavam o pânico do perigo vermelho, estava o embaixador Antônio Cândido Câmara Canto, reconhecido como um dos diplomatas que mais serviços prestaram ao regime militar.

O documento faz parte do acervo do extinto Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), que funcionou entre 1946 e 1999, antes da criação do Ministério da Defesa, e será disponibilizado à consulta pública no Arquivo Nacional, a partir desta quarta (1). São 37 volumes de documentos secretos e ultrassecretos, além de 52 volumes de boletins reservados: correspondências entre autoridades militares e civis do governo brasileiro ou entre integrantes do governo e representantes de outros países sobre temas relacionados à defesa, segurança nacional e cooperação internacional.

Relatório assinado pelo coronel Luiz José Torres Marques, datado de 17 de maio de 1970, cobra das autoridades brasileiras mais segurança para a representação no Chile, país que quatro meses mais tarde daria posse ao primeiro presidente socialista eleito democraticamente no mundo, Salvador Allende. “O clima de intranquilidade no Chile para as representações estrangeiras é deveras inquietante”, relata o oficial que, ao chegar ao país, foi orientado a se apresentar na embaixada usando trajes civis.

Segundo Marques, o próprio Câmara Canto e sua família viviam “enclausurados” na sua residência, localizada no prédio da embaixada. “Quando por força de suas atribuições tem que se ausentar, os secretários [da embaixada] e os adidos militares lhe dão uma cobertura sumária, operando como se policiais o fossem”, descreve o oficial.

Mas o pânico generalizado dos agentes da ditadura brasileira não era o principal ingrediente que levaria o Brasil a se engajar no movimento contra Allende. O medo de que o respeito do povo chileno à democracia impedisse o extermínio do comunismo no continente já era manifesto. O coronel, que participou de uma reunião com a diplomacia e os adidos militares brasileiros, descreveu a situação do país como muito grave. “O povo chileno é reconhecidamente democrático e favorável às decisões eleitorais, sejam elas quais forem. Essa ideia também está arraigada na classe militar”, destacou.

Apesar disso, a representação brasileira acreditava que, em caso de vitória de Allende, pelo menos uma parcela dos militares iria reagir imediatamente. A concretização do golpe, entretanto, levou três anos. E contou com apoio decisivo da ditadura brasileira.

(*) Colaborou na pesquisa histórica Rafael Santos

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20626&boletim_id=1301&componente_id=21295

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