Draco investiga ameaças feitas a pescadores

Presidente de associação que teve quatro integrantes mortos nos últimos três anos vai prestar depoimento hoje

Emmanuel Alencar

RIO – Pescar na Baía de Guanabara virou sinônimo de navegar em águas perigosas. A Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE) está investigando dezenas de ameaças feitas a pescadores da Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar). Fundador e presidente da entidade, que teve quatro integrantes assassinados nos últimos três anos, Alexandre Anderson de Souza, ele próprio ameaçado de morte, prestará depoimento hoje na Draco. Além desse inquérito, há um outro, aberto na Divisão de Homicídios, sobre dois dos assassinatos, ocorridos no mês passado — os outros dois casos, ocorridos em 2009 e 2010, estão até hoje sem solução. A principal linha de investigação da DH é a que liga os crimes a uma disputa feroz por áreas de pesca.

Os dois homicídios são objeto ainda de um inquérito do Ministério Público Federal. O procurador da República Lauro Coelho Junior diz que abriu o procedimento para cobrar da polícia a conclusão das investigações. Lauro cita um outro fato que ajudaria a aumentar o clima de tensão na Baía. Ele afirma que há um conflito cada vez mais acirrado entre os pescadores e a indústria petrolífera, com o aumento das zonas de exclusão de pesca — ou seja, em áreas do mar onde passam dutos das empresas, a atividade é proibida.

— Esse conflito socioambiental existe, e levei esse histórico à Divisão de Homicídios. Pedi que a investigação não desconsidere um histórico que venho acompanhando há dois anos. Não há zoneamento ecológico na Baía. É preciso mais clareza sobre a sua vocação. O que queremos de fato? Uma Baía de exploração petroquímica ou preservação ambiental? — diz o procurador Lauro Coelho. — A Baía de Guanabara está tendo uma destinação para atender à indústria petrolífera, e os pescadores artesanais vêm sendo deixados de lado.

O chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, Breno Herrera, observa que há, de fato, uma enorme pressão sobre os pescadores, que se vêm obrigados a defender seus espaços ao mesmo tempo que perdem importantes territórios para empreendimentos petrolíferos. A unidade de conservação, no fundo da Baía de Guanabara, abriga os manguezais remanescentes da Região Metropolitana do Rio.

— Por conta do aumento das atividades industriais no espelho d’água da Baía, conflitos entre os próprios pescadores, antes bastante tímidos, estão se tornando mais graves. Um dos objetivos da APA é assegurar a qualidade de vida desses pescadores. Mas, se a gente imaginar que todo o resto da Baía vai virar uma zona industrial, não suportaríamos a demanda pesqueira. A situação é grave. O Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara existe formalmente, mas não vem se reunindo. Temos que estimular uma solução civilizada. O medo de pescadores de praticar o próprio ofício e até de perder suas vidas tem aumentado. Vamos voltar ao bangue-bangue, em pleno século XXI?

Corpos estavam com pés e mãos amarrados

Fundada em 2003, a Ahomar reúne 1.870 pescadores de sete municípios e defende a pesca artesanal. Os quatro assassinatos de integrantes da associação permanecem um mistério. Em 2009, o tesoureiro da entidade, Paulo Cesar Santos Souza, foi morto com cinco tiros, diante da família. A polícia chegou a investigar a possibilidade de o crime ter ligação com uma milícia. Um ano depois, a vítima foi Márcio Amaro. Este ano, no dia 24 de junho, o corpo de Almir Nogueira de Amorim foi encontrado junto ao barco, num curral — armadilha de pesca de tradição caiçara — dentro da APA de Guapimirim. Com mãos e pés amarrados, a vítima morreu afogada. Um dia depois, o corpo de João Luiz Telles Penetra foi achado boiando nas proximidades da Praia de Luz, em Itaoca, São Gonçalo. Conhecido como Pituca, ele era o principal líder da Ahomar de Paquetá. Praticava a pesca submarina e morreu afogado após minutos de agonia, com mãos e pés amarrados.

O presidente da Ahomar, Alexandre Anderson, que mora em Magé, há dois anos e meio só anda na companhia de pelo menos quatro homens armados. São policiais do 34 BPM (Magé). Ameaçado, o pescador está no Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Ele conta que a associação, criada para defender os direitos dos pescadores, foi bastante atuante quando a classe se viu desemparada com obras de construções de dois dutos de gás, da Petrobras, em 2009, na Praia de Mauá, em Magé.

A violência recente tem deixado os pescadores tensos. Muitos evitam comentar as mortes dos colegas. Edson Porto, de 44 anos, morador de São Gonçalo, diz que sua atividade está em risco.

— Se pescamos próximo aos terminais de gás ou petróleo, logo aparece a segurança e avisa que vamos ser presos. A pesca artesanal está acabando na Baía. Não tem mais jeito, não — afirma, enquanto mexe numa caixa com camarões graúdos capturados a cerca de 200 metros do terminal de gás da Ilha Redonda.

Referindo-se aos assassinatos recentes, ele garante nunca ter ouvido falar de casos semelhantes nas águas da Guanabara:

— Aquilo foi uma crueldade incrível. E a cada dia que passa a tendência é piorar. Mas para o lado de cá, em São Gonçalo, esse negócio de morte não chegou ainda não.

Donos de currais contratam vigias para evitar invasões

Sobre a disputa de áreas de pesca, o dono de currais e morador da Praia do Limão, em Magé, Irineu Teófilo, de 40 anos, observa que há um acordo tácito entre pescadores e “curraleiros”.

— A gente chama de “lambanceiro” quem invade curral para roubar peixe. Não pode. Alguns donos de currais contratam vigilância para evitar roubos. Não dá para dizer o que aconteceu, mas não têm ocorrido conflitos maiores — diz Irineu, acrescentando que cada armadilha para pesca não sai por menos de R$ 5 mil e demora até um mês para ficar pronta.

Em nota, a Petrobras afirma que “não está em conflito com pescadores” e que “é uma atribuição da Capitania dos Portos definir a área de exclusão de pesca de cada empreendimento e fiscalizar o seu cumprimento”. A assessoria do comando do 1 Distrito Naval não atendeu às ligações do GLOBO.

A Baía de Guanabara tem hoje cerca de 500 currais. Na APA de Guapimirim, 150 deles estão ativos. Donos de currais relataram que chegam a faturar até mil reais por dia. Em cada armadilha, trabalham até quatro pescadores. Em 2011, foram duas mil toneladas de peixes capturadas, segundo dados da Fundação Instituto de Pesca do Rio, órgão do governo estadual. Em todo o estado, foram contabilizadas 80 mil toneladas.

http://oglobo.globo.com/rio/draco-investiga-ameacas-feitas-pescadores-5425681

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