Memória: Há 132 anos, nascia João Cândido Felisberto, o Almirante Negro do Brasil

Por Drielly Jardim

Há 132 anos (24 de junho de 1880), em uma fazenda no município de Rio Pardo/RS, nascia um dos líderes populares mais importantes do Brasil: João Cândido Felisberto. Conhecido como “Almirante Negro”, João Cândido liderou, em 1910, a Revolta da Chibata, luta que reivindicava o fim dos castigos físicos aos marinheiros brasileiros.

Confira abaixo, em ordem cronológica, os momentos mais importantes da vida desse verdadeiro herói brasileiro:

Vida de marujo – Em 1894, aos 14 anos incompletos, o filho dos ex-escravos João Cândido Velho e Inácia Cândido ingressou na Companhia de Artífices Militares e Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra de Porto Alegre.

Sob a recomendação do capitão de fragata, Alexandrino de Alencar, o marujo fez parte da tripulação dos “Andradas” e “Tocantins”, navios de ponta da Marinha Brasileira, que no início do século XX já ostentava a 3ª maior frota naval do mundo.

Após entrar para a Marinha do Brasil, João Cândido viajou pelo país e pelo mundo em viagens que realizou para receber instruções e repassar seu conhecimento aos novatos. Em 1908, foi enviado ao continente europeu para acompanhar a construção do “Minas Gerais”, o maior navio de guerra brasileiro.

Mesmo após o Decreto n°3 do regime republicano, em 1889, que aboliu os açoites praticados pela Marinha do Brasil contra seus oficiais, ainda era comum o uso da chibata para castigar e humilhar marinheiros, principalmente os afrodescendentes. Na Grã-Bretanha, João Cândido toma conhecimento das rebeliões realizadas por marinheiros britânicos por melhores condições de trabalho.

Pelo fim da Chibata – Exercendo o seu papel de liderança entre os marujos, João Cândido começou a planejar uma rebelião contra os castigos que ele e seus companheiros recebiam. A revolta foi marcada para acontecer dez dias depois da posse do presidente da República, Hermes da Fonseca, que seria no dia 15 de novembro de 1910.

Entretanto, a punição aplicada ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes do “Minas Gerais”, antecipou a rebelião. Por levar cachaça à bordo do navio e ferir com uma navalha o cabo que o delatou, Marcelino foi punido a receber 250 chibatadas na presença de toda a tropa formada.

Sob o comando de João Cândido, as tripulações dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo e também dos cruzadores Barroso e Bahia se amotinaram e reuniram mais de dois mil revoltosos que apontaram a mira dos canhões para a cidade do Rio de Janeiro e a transformaram em refém. Pela maestria com que comandou a frota, João Cândido recebeu então o apelido de “o Almirante Negro”.

Quatro dias depois do motim, o presidente Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem.

A revanche – Três dias depois da anistia, o então ministro da Marinha determinou a expulsão e a punição dos líderes da Revolta da Chibata. Os marinheiros tentaram reagir, entretanto, o governo estava preparado para agir com a repressão que culminou com dezenas de mortes, centenas de deportações e a prisão de João Cândido e outros 18 companheiros, que foram morrendo aos poucos.

Após ficar confinado por 6 meses sobrevivendo a pão e água, João Cândido foi internado como louco no Hospital dos Alienados e, após se recuperar, em 1912, foi levado a julgamento com os companheiros da Marinha que sobreviveram.

Das principais lideranças da revolta, apenas Francisco Dias Martins, o Mão Negra e João Cândido permaneciam no banco dos réus. Dos 70 acusados de envolvimento na revolta, apenas 10 sobreviveram para serem julgados.

Em um ato heróico, João Cândido toma para si toda a responsabilidade pela Revolta da Chibata e pede a liberação de seus companheiros do julgamento. Após 48 horas de debate, o Supremo Tribunal Militar absolve João e seus companheiros de todas as acusações.

Ao ser absolvido João Cândido tinha um pulmão tuberculoso, algumas roupas maltrapilhas e um par de botinas. Não tinha dinheiro, trabalho e tampouco lugar para morar.

Falecimento – João Cândido trabalhou como estivador, em cargas de peixe na Praça XV e viveu no município de São João de Meriti, onde se tornou fiel da Igreja Evangélica Metodista. Em 1969, foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde faleceu de câncer aos 89 anos de idade.

Homenagens – Na década de 1970, João Cândido e a Revolta da Chibata foram imortalizados na canção “O mestre-sala dos mares”, composta por João Bosco e Aldir Blanc. Entretanto, mesmo depois de morto, o Almirante Negro foi vítima do preconceito e da censura pela ditadura militar que naquela década não aceitou a homenagem.

Trinta e nove anos após sua morta, em 24 de julho de 2008, foi publicada no Diário Oficial da União, a Lei Nº 11.756, que concedeu anistia ao líder da Revolta da Chibata e a seus companheiros. Ideia que partiu do Senado Federal e foi aprovada pela Câmara dos Deputados, em 13 de maio de 2008, dia em que se comemora a Abolição da Escravatura no Brasil.

Em 7 de maio de 2010, a Transpetro, a pedido do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, batizou com o nome de “João Cândido Felisberto” o primeiro navio do  Programa de Modernização e Expansão da Frota, primeiro petroleiro produzido em estaleiro nacional após um intervalo de mais de 13 anos.

Conheça, em formato de música, a história do herói que mudou a vida de milhares de afrodescendentes brasileiros:

Mestre sala dos mares
Por João Bosco e Aldir Blanc

Há muito tempo nas águas
Da guanabara
O dragão no mar reapareceu
Na figura de um bravo
Feiticeiro
A quem a história
Não esqueceu
*
Conhecido como
Navegante negro
Tinha a dignidade de um
Mestre-sala
E ao acenar pelo mar
Na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por
Batalhões de mulatas
*
Rubras cascatas jorravam
Das costas
Dos santos entre cantos
E chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro
Gritava então
*
Glória aos piratas,
Às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça,
Às baleias
*
Glórias a todas as lutas
Inglórias
Que através da
Nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais.

http://www.palmares.gov.br/2012/06/memoria-ha-132-anos-nascia-joao-candido-felisberto-o-almirante-negro-do-brasil/

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