MPF e Xavantes vão cobrar cumprimento do prazo para que Funai apresente o plano de desintrusão da Terra Marãiwatsédé

Posicionamento da procuradora da República Marcia Brandão Zollinger e do cacique Damião teve apoio de diversas entidades que participaram do evento na Cúpula dos Povos, que acontece paralelamente à Rio+20, no Rio de Janeiro

Vinte dias. Este foi o prazo determinado pela Justiça em 2011, que foi suspenso por quase um ano e que agora está em vigor novamente, para que a Funai apresente um plano para a retirada de fazendeiros, posseiros e grileiros da Terra Indígena Marãiwatséde, em Mato Grosso, e reverta uma situação que começou nos anos 60, quando os indígenas foram retirados do seu território. Em um evento realizado na manhã deste sábado na Cúpula dos Povos, que acontece paralelamente à Rio+20, o Ministério Publico Federal e o cacique Damião Paridzané enfatizaram que estão atentos e irão cobrar o cumprimento do prazo e a efetiva devolução da terra aos índios. O prazo passou a vigorar novamente depois da decisão de 18 de maio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que revogou a decisão anterior, do próprio TRF1, que suspendeu a desintrusão da área por cerca de 12 meses.

O posicionamento do MPF, manifestado pela procuradora da República Marcia Brandão Zollinger, e pelo cacique Damião foi endossado pelos antropólogos e representantes das entidades que fizeram parte da mesa de discussão sobre os 20 anos de espera dos indígenas para o resgate de Marãiwatsédé. A Opan (Operação Amazônia Nativa), organizadora da mesa de debate, Greenpeace, Funai e COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) estiveram presentes e se posicionaram a favor do pleito Xavante. “A retirada dos não-índios da área Xavante está novamente autorizada pela Justiça. Funai e União estão obrigadas a apresentar o plano de desintrusão e isso precisa ser feito com urgência, antes que mais artimanhas, leis inconstitucionais e suspensões possam ser obtidas para retardar a posse da terra pelos indígenas”, enfatizou a procuradora da República Marcia Brandão Zollinger. De acordo com a procuradora, o MPF cobrará da Funai a finalização do plano de desintrusão que deverá ser executado em conjunto com a Polícia Federal, Incra e Ibama.

O cacique Damião Paridzané, visivelmente abatido pela viagem de ônibus que durou dois dias de Mato Grosso ao Rio de Janeiro, disse que ele e os demais indígenas que o acompanham se sacrificaram para estarem presentes nesses dias de mobilização durante a Cúpula dos Povos e Rio+20. Ele, que há 20 anos foi o protagonista na divulgação da causa Xavante durante a Eco 92, disse que está desacreditado de “promessas só de boca” que vão desocupar Marãiwatsédé. “Não vamos morrer sem a nossa terra. Vamos cobrar da Funai a desocupação e se for preciso eu e mais 50 vamos acampar lá na frente até que isso seja resolvido”. E finalizando a sua fala durante o evento organizado pela Opan na Cúpula dos Povos, o cacique Damião reafirmou a sua posição com relação a proposta feita pelo Governo de Mato Grosso de permutar Marãiwatsédé, “não adianta oferecer Parque do Estado, cem mil, trezentos mil. Meu objetivo para o meu povo é só a nossa terra”, finalizou o cacique Damião.

Na Eco 92, quando a multinacional Agip Petroli, dona da Liquifarm, anunciava a devolução da fazenda Suiá-Missú, que fica dentro da terra tradicional para os índios, um esquema de invasão da área era colocado em prática em Mato Grosso. IaraFerraz, antropóloga que integrou o grupo de trabalho formado em 1991, pela Funai, para identificar os locais de ocupação tradicional, relembrou que “enquanto a empresa multinacional reconhecia publicamente a tradicionalidade da ocupação daquela região pelos índios, o gerente da fazenda comandava a ocupação da área com o apoio do governador da época”. Segundo a antropóloga, fazendeiros, posseiros e políticos da região receberam um “mapa da invasão” para inviabilizar o retorno dos índios.

A análise do antropólogo João Pacheco de Oliveira, do Museu Nacional do Índio, da UFRJ, é que as leis brasileiras são avançadas para o reconhecimento dos direitos, mas faltam mecanismos de controle e intervenção para para que a lei de fato seja cumprida para que o processo de demarcação de uma terra indígena ao invés de um prêmio, acabe por ser a destruição de uma geração de líderes e a desestruturação de uma cultura. “O que acontece com os Xavantes é resultado de um crime praticado pelo Estado Nacional, documentado, registrado e fotografado ainda nos anos 60”, disse o antropólogo. Segundo ele, ainda é necessária uma reflexão sobre a relação umbilical dos índios com a sua terra, com os recursos ambientais, e que a expulsão deles da sua área, como aconteceu com o povo Xavante, pode traumatizar uma geração inteira de líderes indígenas.

Marcos Astrini, do Greenpeace, destacou que nos estudos realizados sobre a relação entre pecuária e desmatamento, Marãiwatsédé é um exemplo de como aquela atividade econômica desrespeita os direitos do meio ambiente e os direitos humanos. Um levantamento do Greenpeace aponta que 85% da floresta presente na grande maioria da Terra Indígena que está ocupada por não-índios foi devastada. “A palavra do homem branco tem que valer pra alguma coisa, uma vez na vida. É uma pena estarmos aqui hoje para reivindicar algo que foi definido 20 anos atrás e que já deveria ser uma realidade”, falou o ator Marcos Palmeira que participou do evento, como defensor da causa indígena e testemunha da vida xavante, pois conviveu na aldeia São Marcos, em Mato Grosso. Funai – De acordo com o assessor da presidência da Funai, Aluízio Azanha, o plano de desintrusão deve prever, primeiramente, a retirada dos grandes fazendeiros da região e numa segunda etapa, a retirada dos pequenos fazendeiros e posseiros. Segundo o assessor, o órgão ainda não recebeu a notificação judicial para o início da contagem do prazo, que é de 20 dias.

*Histórico da ação judicial para desinstrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé

A Terra Indígena Maraiwãtsédé foi declarada de ocupação tradicional indígena pela em 1993, por meio de uma portaria do Ministério da Justiça. Em 1995, uma ação civil pública para retirada dos não-índios da área foi proposta pelo Ministério Público Federal em Mato Grosso. O pedido liminar foi deferido, sob a condição de que a desocupação fosse realizada depois da demarcação. Vários recursos foram propostos pelos fazendeiros e ocupantes para protelar a saída da área. Em 1998, a Terra Indígena foi homologada por decreto do presidente da República, com uma extensão de 165.241 hectares.

Dois anos depois, em 2000, a Justiça Federal de Mato Grosso decidiu pelo retorno da comunidade indígena Xavante à Terra Indígena Marãiwatsédé, mas sem determinar a retirada dos posseiros do local. Esta decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2004. Só 2007 é que a Justiça Federal sentencia a ação e determina a retirada de todos os não-índios (fazendeiros, posseiros, grileiros, sem-terra). Além disso, condenou os réus ao reflorestamento da área que ocupavam indevidamente. Desde então, o Ministério Público Federal vem se manifestando judicialmente pedindo o cumprimento da decisão. Fazendeiros e posseiros conseguiram uma decisão monocrática do TRF 1 para suspender a retirada dos não-índios. MPF e Funai continuaram a batalha judicial e em 2010 sobrevém o julgamento da apelação em decisão colegiada (5ª Turma de desembargadores) do TRF 1. No acórdão, os desembargadores federais, por unanimidade, reconheceram a tradicionalidade da ocupação dos índios Xavante na Terra Indígena Maraiwãtsédé e autorizam o MPF, a Funai e a União a adotarem as providências necessárias ao cumprimento do julgado e à desintrusão da área.

Em um trecho, a decisão afirma que “o laudo pericial antropológico, fartamente instruído por documentos históricos, corrobora as assertivas contidas no Parecer da Funai, não deixando margem a nenhuma dúvida de que a comunidade indígena Xavante Maraiwãtsédé foi despojada da posse de suas terras na década de 60, a partir do momento em que o Estado de Mato Grosso passou a emitir título de propriedade a não-índios, impulsionados pelo espírito expansionista de “colonização” daquela região brasileira.”

Porém, em 2011, o TRF 1 suspendeu pela segunda vez a desintrusão diante da aprovação de projeto de lei da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, que propôs a permuta de Marãiwatsédé por uma área dentro do Parque Nacional do Araguaia. As lideranças indígenas se manifestaram contrárias à permuta.

A última decisão judicial, que prevalece, é a de maio de 2012, do desembargador Souza Prudente, do TRF 1, que revogou a decisão do ano passado que suspendia a desintrusão da área.

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