Quilombo São José da Serra, reduto sagrado de jongo

Juliana Correia

Em Valença, município que fica a três horas do centro do Rio de Janeiro, vive um grupo de aproximadamente 200 descendentes de escravos comprados, em torno de 1850, para trabalhar nas plantações de café da região. Esses negros formaram o Quilombo São José da Serra.

Todos os anos uma grande fogueira é acesa para celebrar com muito jongo a Abolição da Escravatura e o Dia de Zumbi dos Palmares – 13 de maio e 20 de novembro, respectivamente. Nessas datas, o quilombo recebe visitantes, que acampam no local. É que a festa vai até o dia amanhecer e conta ainda com capoeira, Folia de Reis, Samba de Roda, comidas típicas, como feijoada preparada no fogão a lenha, batata e milho assados na fogueira.

Para quem não sabe, o jongo é de fundamental importância para a história da Música Popular Brasileira, pois foi um dos ritmos que deu origem ao samba. A dança, os instrumentos – dois tambores: um grave, chamado caxambu ou tambu, e um agudo, o candongueiro – e o canto (os pontos) entretinham os escravos, mas também serviam para organizar fugas e zombar dos senhores das fazendas entre outras finalidades. Antigamente, as crianças não participavam. O caráter religioso ainda é forte, visto a reverência feita aos tambores e as constantes exaltações aos santos católicos e aos orixás existentes nas letras dos pontos.

O Blog de Bamba esteve no Quilombo São José no último final de semana acompanhando a excursão promovida pelo geógrafo Walmir Pimentel, músico da Roda de Samba da Pedra do Sal. Todos os anos ele leva os alunos e, dessa vez, resolveu convidar também amigos sambistas:

– Aqui aprendemos muito sobre nossa própria história, nossa cultura. Como os quilombolas preservam tantas tradições e, por serem tão integrados, nós voltamos pra casa com verdadeiras lições de vida – ensina Pimentel.

O ferro a carvão, o fogão a lenha, o terço de São Gonçalo rezado principalmente pelas parteiras, o plantio coletivo de milho e feijão e o mutirão para “catar” sapê na mata para construir o telhado das casas de adobe são algumas das características que remontam o passado presente do lugar. Há ainda outros festejos, estes não abertos ao público, como as festas juninas e os casamentos. No dia de Cosme e Damião, 27 de setembro, uma cerimônia no Centro de Umbanda São Jorge Guerreiro e Caboclo Rompe Mata – fundado por Mãe Zeferina, na parte alta do quilombo, substitui o jongo. O sincretismo também é característico na região visto a pequena capela destinada a São José Operário, padroeiro da comunidade, onde acontecem missas católicas mensais celebradas por um padre de Valença.

A energia elétrica chegou ao Quilombo São José há menos de dez anos. A cachoeira, o grande jequitibá (que tem mais de três séculos e quem os quilombolas asseguram ser a força matriz da comunidade) e a pedreira de Xangô são localidades especiais na cultura do lugar e pela beleza chamam a atenção também dos visitantes que se embrenham pelas trilhas.

As lendas, como a Mãe D’Água e a Mãe do Ouro, rondam o Quilombo e fazem brilhar os olhos de Tio Manoel, de 91 anos, autoridade maior da comunidade, que dançou jongo até alta madrugada:

– A Mãe do Ouro é uma bola brilhante que vai mudando de cor e some lá na Serra do Cavalo Ruço. Sempre que isso acontece alguma coisa boa está para vir – observa o patriarca.

Desde a hora em que chegamos, por volta do meio-dia de sábado, 12 de maio, atabaques e tambores ecoaram sem parar até as 8h da manhã de domingo. No vídeo é possível sentir a energia com que os jongueiros cantavam e dançavam e entender porque o Blog de Bamba voltará ao Quilombo muitas outras vezes.

http://oglobo.globo.com/blogs/blogdebamba/posts/2012/05/18/quilombo-sao-jose-da-serra-reduto-sagrado-de-jongo-445480.asp

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