Domenico De Masi: “As mulheres vão dominar”

Domenico De Masi não tem meias palavras. Ataca o Brasil por estar seguindo um modelo norte-americano, ataca a construção da Cidade Administrativa, que só vai agravar o problema do trânsito na capital e prega o teletrabalho, uma realidade que parece distante. Domenico De Masi é sociólogo, professor e escritor, de 74 italiano, autor de “O Ócio Criativo”. Entrevista de Helenice Laguardia.

O senhor vem ao Brasil há mais ou menos 30 anos. De lá para cá, quais as principais mudanças que observou na nossa economia e nas relações de trabalho?

 Hoje, há mais autoestima na população. Essa é a principal mudança. A segunda é que, agora, o Brasil está se parecendo mais com os Estados Unidos. Mas renunciar à própria identidade é sempre algo terrível. E renunciar à identidade brasileira é um delito.

Estamos falando sobre mudanças de valores. Qual é o melhor caminho para isso?
A sociedade rural tinha seus valores próprios. A sociedade industrial também. E a sociedade pós-industrial vai ter seus próprios valores. Quando se muda, cria o fenômeno que chamamos de “cultural gap”, no qual você administra a realidade nova com as regras e os valores anteriores.

Como isso se aplica a Belo Horizonte?
Um dos valores da sociedade pós-industrial é a desestruturação do tempo e do espaço. Hoje, para resolver um velho problema das cidades, que é o trânsito, a tendência é fazer o “home office” (trabalho remoto em casa). Mas foi construído um grande prédio, que é a Cidade Administrativa, para o governo de Minas Gerais. Isso obriga 16 mil pessoas a irem para lá. Essa é uma mentalidade industrial. Se a mentalidade fosse pós-industrial, não se construiria aquele prédio. É uma construção que eu admiro muito. Ao próprio Oscar Niemeyer eu perguntei ?porque você fez um prédio tão grande assim, em vez de usar o trabalho remoto?? Em Belo Horizonte, claro, existe o problema do trânsito, e aquele prédio só vai agravar este problema.

Quais seriam outras situações em que permanecemos no sistema industrial, quando já deveríamos estar no sistema pós-industrial?
Uma delas é a condição das mulheres dentro das organizações. Antigamente, até há 20 anos, poucas mulheres estudavam e trabalhavam fora de casa. Hoje, já temos um número enorme de mulheres que estudam. Em 2020, 60% dos que tiverem a formação universitária serão mulheres. Daqui a oito anos, 60% dos que vão possuir a pós-graduação serão mulheres. Vinte por cento das mulheres vão se casar com um homem mais jovem que elas. E até 2020, as mulheres conseguirão ter filhos sem homens, mas para os homens não será possível ter um filho sem uma mulher.

Então as mulheres terão uma carreira maior que a dos homens?

Se as coisas prosseguissem assim, no mundo das empresas, as mulheres teriam mais carreira que os homens. Isso é uma situação pós-industrial, que é a relação entre os méritos e as oportunidades. Mas, em vez disso, a gente vê que permanece uma mentalidade industrial. Eu tenho certeza que o chefe de todos vocês aqui é homem.

Existe uma pesquisa dos norte-americanos que fala que as mulheres ainda não chegaram ao topo das corporações porque elas ainda querem cuidar do pai, da mãe, do filho. Ela repensa a carreira e não quer chegar ao topo. O que o senhor acha disso?
O fato de a mulher cuidar do trabalho e também da família significa que ela é mais flexível. E já que hoje é necessária a flexibilidade, uma mulher tinha que ter uma carreira maior que a de um homem, porque os homens não são flexíveis. O homem pensa apenas no trabalho. A mulher consegue pensar no trabalho e na família.

Os EUA representaram um modelo de referência do Ocidente porque eles sempre estavam crescendo. Mas, agora que estão em declínio, porque ainda continuar pegando os EUA como modelo? O capitalismo está em um caminho certo?
Eu acredito que o capitalismo dificilmente consegue ter uma ética. Houve casos de grandes éticas capitalistas. Na Itália, por exemplo, houve um grande empreendedor chamado Flávio Olivetti, que teve uma grande visão ética, mas não é a situação desse momento. Um capitalismo sério precisa de três visões: uma visão a longo prazo para as próximas gerações – essa se chama “visão política”; uma visão a médio prazo – e essa se chama “economia”; e uma visão imediata – que se chama “finanças”. Todas as três visões são indispensáveis e uma tem que respeitar a outra. Mas, o que aconteceu? A economia, comeu a política, a finança acabou com a economia e as agências de rating estão comendo as finanças. Então, isso significa que o capitalismo não tem mais uma visão de longo prazo para as próximas gerações, tudo é visto em relação ao andamento da Bolsa de Valores até “hoje à noite”.

O que deve ser feito sobre ética e sustentabilidade?
Para mim, essa preocupação brasileira com a sustentabilidade me faz até rir. Por exemplo, eu fui ao Sebrae e um diretor me disse “estamos construindo um novo prédio, que será sustentável”. Mas em volta desse prédio, tem uma cidade de 5 milhões de habitantes que não é sustentável.

Mas é melhor não haver nem o prédio?
É a ideia do teletrabalho. Para que construir mais um prédio onde todo mundo vai trabalhar? Se você cria um prédio onde vão existir 500 pessoas, essas 500 pessoas todos os dias têm que chegar ao prédio. E de noite elas têm que voltar para casa, desperdiçando tempo, energia e poluindo. É uma loucura.

No consumo desses últimos 15 anos, a riqueza se agrupou ou se difundiu no mundo?
A China e o Brasil são os únicos países no mundo onde a classe média aumenta. Em todo o Ocidente, a classe média está reduzindo. Mas, onde se reduz a classe média, a pobreza aumenta. E, realmente, todos os países ricos do Ocidente estão declinando, enquanto na China e no Brasil o PIB está subindo. Mas porque os países do Ocidente estão caindo? Porque nós (Domenico é italiano) vivíamos sobre a riqueza de vocês. Agora que os países de terceiro mundo não se deixam mais roubar, o nosso PIB está caindo, acabou a festa. E eu estou muito feliz com isso porque eu sou sociólogo.

Essa resistência ao teletrabalho das empresas vai tornando o mercado cada vez mais cruel, já que a população tem que enfrentar mais trânsito, gastar mais energia, dinheiro com deslocamento e gerar poluição. Será que isso pode mudar?
A pouca propensão das empresas ao teletrabalho é um dos paradoxos das organizações empresariais. Um outro paradoxo é que as mulheres trabalham mais e ganham menos. No outro paradoxo, o empresário precisa conhecer o mundo e o mercado, mas fica sempre preso no escritório pela manhã até a noite. Um outro paradoxo é que as empresas vão logo comprando as tecnologias – internet e Facebook – mas depois não usam. Em muitas empresas italianas é proibido ao funcionário usar o Facebook.

O senhor acha que o seu livro “O Ócio Criativo” continua atual? Ainda pode ser aplicado na sociedade? Ou não? De lá para cá tudo mudou?
Nós é que podemos fazer o ócio criativo, trabalhando ou não. Estamos comendo e trabalhando durante essa entrevista. É uma desestruturação do trabalho e depois a gente pode brincar ao mesmo tempo em que se trabalha. Não existe mais no trabalho intelectual a delimitação de quando se está ou não trabalhando.

O senhor pensa em parar de trabalhar?
Eu nunca estou trabalhando. Eu trabalho e me divirto ao mesmo tempo. Certa vez, alguém falou para um grande pianista: “Você tem que descansar um pouco”. Ele disse: “Quando eu quero descansar, eu viajo e toco piano”.

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