Ruralistas não aceitam nem sequer o fim do trabalho escravo

Por Daniel Santini

A votação da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, a PEC do Trabalho Escravo, foi adiada para o próximo dia 22. A decisão foi tomada na noite desta quarta-feira, 9 de maio, pelo presidente da Câmara dos Deputados Marco Maia depois de pedido feito por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que alegou acreditar que não haveria segurança de uma vitória caso o tema fosse colocado em votação. A votação ficou para dia 22, data sugerida pelo deputado que fez a solicitação. A bancada ruralista, que chegou a negociar um acordo com o governo, fez forte oposição ao novo instrumento de combate ao trabalho escravo proposto e conseguiu esvaziar a votação.

Apesar de haver quórum, com 338 presentes quando a sessão extraordinária começou, Maia aceitou a sugestão após pedir para que os líderes se manifestassem sobre o tema. Todos os partidos concordaram com o adiamento, com exceção do PSOL. Os ruralistas adotaram como estratégia aproveitar para negociar mudanças profundas quando o texto for para o Senado e usar a PEC 438 para tentar descaracterizar o que é a escravidão contemporânea. Eles devem aproveitar a votação para tentar propor uma nova lei para redefinir o crime.

A despeito de tal crime já estar tipificado no artigo 149 do Código Penal, de o conceito estabelecido estar detalhado na lei, de ter respaldo em tratados internacionais e de já contar com ampla jurisprudência, os ruralistas manipularam o debate e conseguiram convencer até mesmo integrantes da bancada governista sobre a necessidade de mudanças. Pouco antes da votação, o líder do PT, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP) deu entrevista à Agência Câmara falando que é necessário “especificar” o que é escravidão.

Na visão de quem acompanha o combate ao trabalho escravo, a revisão dos critérios que têm servido de base para as ações de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego pode gerar insegurança jurídica e prejudicar os agricultores e empresários que adotaram boas práticas, além de beneficiar os que mantêm linhas de produção baseadas na exploração de pessoas em condições análogas às de escravos. Na manhã de quarta-feira, os integrantes da Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), órgão que reúne autoridades envolvidas no combate e representantes da sociedade civil, incluindo a ONG Repórter Brasil, se posicionaram em consenso contrários a qualquer revisão do conceito sobre o que é escravidão contemporânea. A votação só aconteceu devido à pressão da sociedade civil.

Negociações

A PEC 438 está parada na Câmara dos Deputados há sete anos e nove meses. Ela voltou à pauta após forte pressão social. A votação estava inicialmente prevista para terça-feira, dia 8 de maio, mas acabou adiada após reunião de líderes na Câmara dos Deputados. Os ruralistas negociaram com o presidente da Câmara dos Deputados Marco Maia (PT-RS) mudanças futuras no texto e construíram as bases para um acordo. Maia levou então a questão à presidenta do Senado Marta Suplicy (PT-SP), que, no início da tarde desta quarta-feira, reuniu-se com os líderes da casa e selou o acordo. Para tentar garantir que a PEC avançasse ambos se comprometeram a fazer mudanças no texto.

Ficou acertado que uma comissão mista formada por cinco deputados e cinco senadores seria formada para debater alterações. O governo diz que a mudança seria apenas para incluir uma nova menção sobre a regulamentação da aplicação da lei. “Será feita uma alteração simples, apenas para determinar como a medida será aplicada”, afirmou Marta, logo após a reunião de líderes. A senadora descarta a possibilidade de a PEC ser desconfigurada nesta revisão e também diz que não se trata de uma medida para, mais uma vez adiar a aprovação definitiva da medida. “É uma vírgula apenas, não vai mudar nada. E não vai demorar não. Todos querem votar e resolver isso logo”, afirmou. A emenda em questão foi apresentada em 2001, mas a primeira proposição legislativa nesse sentido (que inclusive está apensada à PEC 438) foi procolocada inicialmente ainda em 1995.

Divergências internas tanto entre os ruralistas, quanto entre os governistas, fizeram com que o acordo passasse a ser questionado, o que levou a mais um dia adiamento da votação. Os ruralistas não escondem a intenção de combinar a votação da PEC com a imposição de uma leis infraconstitucionais com restrições à caracterização do trabalho escravo contemporâneo e de alterar significativamente o texto da emenda no retorno ao Senado. Parlamentares que são contrários ao trabalho escravo ressaltam o risco de que a matéria seja desvirtuada. “A princesa Isabel enfrentou resistência de escravocratas, mas em nenhum momento teve que explicar o que era escravidão”, lamentou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), ao final da sessão.

A PEC do Trabalho Escravo determina que as propriedades em que for flagrado trabalho escravo sejam confiscadas e destinadas à reforma agrária ou uso social. Com ou sem acordo, ela teria que voltar ao Senado de qualquer maneira por ter sofrido alteração na votação em primeiro turno na Câmara, que aconteceu em 2004. Na ocasião, foram incluídos no texto os casos de trabalho escravo urbano.

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