Supremo julga hoje, a partir das 9h, antecipação do parto de fetos anencéfalos

A chamada da matéria do IG diz: “Ministros do Supremo Tribunal Federal votam sobre a liberdade da mulher decidir pela interrupção da gestação de um feto anencéfalo”. Mas sabemos muito bem que essas mulheres cuja ‘liberdade’ será decidida têm cor, origem e classe social definidas. Porque são elas as que de fato dependem do julgament0 do STF para saber se terão ou não condições de buscar junto ao SUS o direito de decidir sobre seu próprio corpo e sobre suas emoções, frente à tragédia de saber que têm um sonho morto dentro de si. As que podem arcar com o ônus das clínicas e médicos particulares independem (felizmente para elas e suas famílias) da decisão que será tomada em Brasília. Tomara que os ministros do Supremo pensem nisso antes de dar os seus votos. TP. 

iG São Paulo

Um dos casos mais polêmicos sob os cuidados do Supremo Tribunal Federal (STF), a ação que pede a descriminalização da antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos, começa a ser decidida na manhã desta quarta-feira. Após cerca de oito anos tramitando na Corte, os ministros do STF irão analisar a questão em sessão extraordinária marcada para começar às 9h.

O STF foi provocado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que defende a liberdade de escolha sobre a interrupção da gestação nos casos em que o feto tem má-formação no cérebro e já nascerá morto. Em sua ação, a entidade não usa o termo ‘aborto de anencéfalo’ por entender que o procedimento requerido apenas antecipa o término da gestação de um feto sem atividade cerebral, já morto. Por isso não se encaixaria na concepção de aborto, que a CNTS entende como uma ação contra uma vida em potencial.

A entidade alega que a criminalização da antecipação de anencéfalos ofende a dignidade da mãe, que também corre risco de morrer com a gravidez. Estudos anexados ao processo alegam que a má-formação letal no cérebro pode ser detectada com 100% de certeza durante a gravidez, inclusive pela rede pública de saúde.

Devido à reação de setores religiosos e de entidades em defesa da vida, que acreditam que o feto anencéfalo é um ser humano com vida e que a antecipação do parto é considerada aborto, e por isso semelhante ao assassinato, o STF promoveu uma série de audiências públicas sobre o assunto em 2008.

Para o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e Família da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que realiza campanha de vigília em igrejas pela defesa da vida e contra a antecipação do parto, o nascimento de uma criança portadora de anencefalia é um “drama” para a família, mas afirma não ser justo não considerar o direito de nascer dessa criança.

Como o STF demorou mais de oito anos para analisar a questão, valem apenas as decisões judiciais obtidas caso a caso, como ocorreram recentemente em São Paulo e Minas Gerais. No entanto, a indefinição judicial sobre o assunto levou a comissão de juristas do novo Código de Processo Penal a cogitarem a inclusão da descriminalização do aborto por anencefalia no projeto que tramita no Congresso Nacional.

O relator da ação do STF e o primeiro ministro a apresentar seu voto é o ministro Marco Aurélio Mello, que em 2004 já concedeu uma liminar autorizando a antecipação do parto, nesses casos, para gestantes que assim decidissem, quando a deformidade fosse identificada por meio de laudo médico. À época, o ministro Marco Aurélio afirmou que, “diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar”.

Pouco mais de três meses depois, o Plenário do STF decidiu, por maioria de votos, cassar a liminar concedida pelo relator. A discussão, bastante controversa, foi tema de audiência pública no STF. Foram ouvidas 25 diferentes instituições, além de ministros de Estado e cientistas, entre outros, cujos argumentos servem de subsídio para a análise do caso por parte dos ministros do STF.

A análise do mérito da ação será iniciada com a apresentação de relatório sobre o caso, pelo relator, seguida da manifestação na tribuna do advogado da CNTS, do voto do relator e, por fim, do voto dos demais ministros. O processo deve ser um dos últimos temas de grande repercussão julgados pelo STF na gestão de Cezar Peluso. Ele deixa a presidência da Corte no dia 19 de abril, quando assume o ministro Carlos Ayres Britto.

Veja abaixo cinco argumentos usados por defensores e críticos da antecipação do parto:

A FAVOR: A CNTS alega ofensa à dignidade humana da mãe o fato de ela ser obrigada a carregar no ventre um feto que não sobreviverá depois do parto.

CONTRA: A CNBB defende que a vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve.

A FAVOR: Segundo a CNTS, a antecipação terapêutica não retira a vida do feto, apenas antecipa o parto de um feto com anencefalia. Para o sindicato, o procedimento não retira a vida porque a lei que autoriza os transplantes, nº 9.434, de 04.02.1997, define a morte humana como a ausência de atividade encefálica. No caso dos fetos anencéfalos essa atividade é inexistente e, portanto, já estariam mortos.

CONTRA: Para a CNBB, todos têm direito à vida. Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito.

A FAVOR: Segundo a CNTS, o diagnóstico é simples e faz parte da rotina de qualquer pré-natal no Brasil, inclusive nos hospitais públicos. Na primeira ecografia já se visualiza a imagem do grave achatamento da cabeça do feto pela ausência dos hemisférios cerebrais.

CONTRA: A CNBB relembra o fato da menina Marcela de Jesus Galante Ferreira, diagnosticada com anencefalia, que viveu por 1 ano e 8 meses no interior de São Paulo.

A FAVOR: Para a CNTS, toda gravidez tem um componente de risco à saúde da mulher. Na gravidez de um feto com anencefalia este risco é muito maior, especialmente pela alta probabilidade de o óbito fetal ocorrer ainda dentro do útero. Cerca de 60% dos fetos com anencefalia morrem nos últimos meses de gestação, o que representa um risco à saúde da mulher.

CONTRA: Para a CNBB, diante da ética que proíbe a eliminação de um ser humano inocente, não se pode aceitar exceções. Os fetos anencefálicos não são descartáveis. O aborto de feto com anencefalia é uma pena de morte decretada contra um ser humano frágil e indefeso.

A FAVOR: A mulher não será obrigada a passar pela antecipação do parto. O que a liminar garante e protege é a liberdade de decidir. Tanto mulheres que queiram antecipar o parto serão amparadas pela liminar, quanto as que desejam manter a gravidez até o final. A liminar não determina qual deva ser a escolha das mulheres, apenas garante o exercício da autonomia reprodutiva, por considerar legítima a antecipação do parto.

CONTRA: A Igreja pede que a vida seja respeitada e que se promovam políticas públicas voltadas para a eficaz prevenção dos males relativos à anencefalia e se dê o devido apoio às famílias que convivem com esta realidade.

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/supremo-julga-antecipacao-do-parto-de-fetos-anencefalos/n1597737803357.html

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