Não se pode curar o que não é doença

Regina Teixeira da Costa

Recebi há poucos dias um artigo interessante e bem articulado, enviado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e o Federal. Esse artigo aponta, melhor ainda, tenta esclarecer e alertar os profissionais dos preconceitos e equívocos praticados quando se trata a homossexualidade como doença. E esclarece como nós, psicanalistas, e também os psicólogos devemos lidar eticamente com a questão.

Essa discussão já antiga é ainda bastante polêmica. Se por um lado os homossexuais finalmente conquistaram o direito civil a um Contrato de União Estável – avanço que sustenta a dignidade desse amor – por outro, há ainda quem o condene como pecado, doença a ser curada. Há também os que perseguem, espancam, matam homossexuais, talvez por inveja, sabe-se lá os motivos de cada um. Esses são casos de polícia.

Nesse artigo lançado pelo conselho a proposta é sustentar a concepção adotada pela psicologia e seus profissionais a respeito do assunto: não se trata de uma doença. Essa concepção de curar e tratar homossexuais para mudar a orientação sexual é um equivoco, um preconceito sustentado por alguns segmentos da Igreja Evangélica.

Como disse o poeta Fernando Pessoa, tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Assim também podemos lembrar que os cristãos deveriam pregar a tolerância e o amor ao próximo. Um ideal cristão difícil de cumprir, como se vê. De acordo com o mesmo cristianismo, condenar não é tarefa para os homens. Para isso existirá um juízo final. Por isso, a direção de adoecer quem não é doente me parece equivocada.

Devemos tratar de quem apresenta sintomas que prejudicam a vida; quem está deprimido; apresenta fobias; dúvidas obsessivas; ideias fixas; delírios e alucinações. Devemos tratar o sujeito que nos procura em sofrimento.

Como sempre recorremos a Freud em busca de palavras de apoio. Nos seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade ele propõe o conceito de bissexualidade estrutural para todo ser humano. Utiliza o termo escolha de objeto para designar a escolha homo ou heterossexual. Diz ainda que todo ser humano é capaz de fazer uma escolha homossexual e que de fato a consumou no inconsciente.

Por isso, Freud, em seu texto premiado sobre Leonardo da Vinci, opõe-se à tentativa de separar os homossexuais dos outros seres humanos. O complexo de Édipo cai no esquecimento, mas ele abriga também uma ligação libidinal do filho para com o pai e da menina para com a mãe, além das ligações do filho com a mãe e da filha com o pai.

Assim, o número de homossexuais que se proclamam como tais, diz Freud, não é nada em comparação com os homossexuais latentes. Há uma diversidade enorme na homossexualidade tanto na praticada quanto na latente e sublimada (desviada para finalidades não sexuais).

Em 1935, para responder a uma mãe inconformada com a homossexualidade do filho, Freud aponta que essa não é nenhuma desvantagem, nem tampouco uma vantagem, ela não é motivo de vergonha, não é uma degradação, não é um vício e não pode ser considerada doença.

Outro caso clínico de Freud é o da jovem homossexual, conduzida pelo pai para tratamento pela sua atração por uma mulher. Freud, entretanto, adverte os psicanalistas a não atenderem em tratamento o sujeito com o diagnóstico dos pais. Somente o sujeito pode falar de si e decidir sobre seu desejo. Não aceitamos encomendas de terceiros e sim as palavras do sujeito.

Apesar de todo esforço contra o adoecimento dos homossexuais desde o início do século, só em 1973 a American Psychiatric Association (APA) deixou de considerar a homossexualidade como doença. E ainda hoje em 2012 pelejamos para entender que tipo de profissional poderia se dispor a realizar um tratamento indigno como esse.

 http://impresso.em.com.br/app/noticia/cadernos/cultura/2012/04/08/interna_cultura,31228/nao-se-pode-curar-o-que-nao-e-doenca.shtml. Enviada por José Carlos.

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