Carta Aberta ao estado da Paraíba em defesa dos direitos das crianças e adolescentes – João Pessoa, 13 de março de 2012

O ESTADO DA PARAÍBA NA CONTRAMÃO DA HISTÓRIA:

A MILITARIZAÇÃO DO CENTRO EDUCACIONAL DO JOVEM

Ao mesmo tempo em que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA consegue a aprovação no Congresso Nacional do Sistema Nacional – SINASE, Lei 12.594 de 01/02/2012 que trata da política pública para o adolescente autor de ato infracional, o Estado da Paraíba, na contramão da história, da construção do Estado Democrático de Direito e da Política da Infância e Juventude do país, nomeia um Militar para direção do Centro Educacional do Jovem – CEJ.

A decisão da Presidente da FUNDAC nos remete ao período do Código de Menores, quando as crianças e adolescentes das classes populares eram caso de polícia, e quando as políticas públicas eram pautadas na situação irregular.

A Constituição Federal de 1988 dá a todas as crianças e adolescentes o status de sujeitos de direitos. A ordem constitucional manda que as crianças e adolescentes sejam tratadas com respeito e com prioridade absoluta nas políticas públicas.

Em 1990, regulamentando o artigo 227 da Constituição Federal, o Congresso aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 9069. O Estatuto é categórico ao tratar do atendimento do adolescente autor de ato infracional. As medidas sócio-educativas devem ser executadas por profissionais da educação, da assistência social, da saúde, do esporte, da cultura, do trabalho.

A relação da Polícia com o adolescente autor de ato infracional se restringe unicamente a três situações específicas:

a) à prevenção ( na ronda ostensiva);

b) à apreensão do adolescente em flagrante delito ou no cumprimento do mandado de busca e apreensão expedida pela autoridade judiciária competente;

c) à segurança externa das unidades sócio-educativas de internação.

O argumento de que não é a Instituição da Polícia Militar que está assumindo a Unidade Educacional, mas um de seus membros é no mínimo desleal com aqueles que trabalham nessa área de atuação. Toda a política é exercida no seu cotidiano por percepções advindas dos espaços de formação e informação aos quais estamos cercados ou vinculados. Não podemos cair em um discurso de ingenuidade sobre temas tão caros aos direitos humanos. Afinal, toda instituição, programa, projeto e as suas opções metodológicas dependem das decisões de quem é responsável pela direção, hoje um militar.

Mesmo diante de um pedido de exoneração do Capitão da Polícia Militar, a sua formação é voltada para a disciplina militar, que não é compatível com a Doutrina da Proteção Integral instituída pelo Estatuto da Criança e Adolescente, como paradigma do Estado Democrático de Direito.

O artigo 227 da Constituição Federal e a Lei 8069 – ECA são as principais influências que fizeram o Congresso Nacional aprovar em 01 de fevereiro o SINASE, que regula as diretrizes das medidas sócio-educativas para adolescentes autores de ato infracional. Assim, a decisão da Presidente da FUNDAC contradiz flagrantemente as legislações brasileiras e internacionais.

O Capitão da Polícia Militar Sérvio Túlio Cavalcante Figueiredo e a Instituição da Polícia Militar não possuem experiência e acúmulo metodológico-pedagógico para assumir tal atribuição, sem que a execução das medidas sócio-educativas seja influenciada por outros ditames que não as diretrizes nacionais e internacionais no que tange as políticas nessa área de intervenção. Não se trata de juízo sobre os méritos individuais ou da instituição Polícia Militar da Paraíba, mas de reafirmar o marco da proteção integral, construído com tantas lutas sociais, políticas e culturais. O ponto fundamental é que a execução das medidas sócio-educativas não é de competência da Polícia Militar.

Nesse sentido, é necessário um breve histórico da política pública para os adolescentes autores de ato infracional na gestão do atual Governo.

O atual Governo herdou a FUNDAC, como instituição falida, cheia de vícios, sem estrutura adequada, com uma empresa de segurança privada sem preparo para o serviço prestado e com um orçamento que não lhe permitia mudar de pronto esta situação, porém, a sociedade esperava outra resposta, criatividade administrativa através de uma ampla articulação política com grupos, movimentos, universidades e associações que trabalham nessa área cotidianamente. O que resta dessa atitude é apenas o reducionismo e militarismo das ações.

Vários atores do Sistema de Garantias: Juízes, Promotores, Educadores Sociais, Professores da Universidade Federal da Paraíba, representantes da Polícia Militar, representantes de Conselhos de Direitos, representantes da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano e da própria FUNDAC formaram um Comitê para contribuir com sugestões para o plano político pedagógico das medidas sócio-educativas.

Há quase um ano este Comitê se reúne periodicamente em uma sala do Tribunal de Justiça. Este Comitê realizou visitas ao CEA e ao CEJ, fez sugestões e se prontificou a contribuir com a Presidente da FUNDAC e sua equipe. Infelizmente, todo o esforço do Comitê foi ignorado. Resta ao Comitê assistir e resistir contra este retrocesso na história da política da Infância e Juventude no Estado da Paraíba.

Diante a oportunidade de ter todos os profissionais acima apresentados como parceiros, a Presidente da FUNDAC assumiu a responsabilidade de tê-los como fiscais no monitoramento da execução das leis que cuidam das medidas sócio-educativas.

Lamentamos pela Instituição da Polícia Militar que, por natureza, é quem fica, como diz o Comandante Geral Cel. Euler, com “o rescaldo das mazelas sociais”, se referindo à ausência de políticas sociais. Agora se coloca a desempenhar um papel que não é de sua competência.

Com essa nova configuração na direção, chegamos ao ponto de que a entrega da execução de uma medida sócio educativa para a Polícia Militar demonstra que a gestão da FUNDAC não deu conta de assegurar aos adolescentes internos o direito à educação, cursos profissionalizantes, o direito ao esporte, o direito ao atendimento interdisciplinar, conforme reza o ECA.

Em visitas às Unidades de Internação da Capital, constatamos que os adolescentes faziam suas necessidades em garrafas pet, porque não tinham acesso ao sanitário; contatamos que os adolescentes ficam confinados nas celas porque não há atividades. Apenas há uma escola dentro do CEA que oferece aos adolescentes uma hora de aula por semana.

Esta é a política das unidades educacionais que virou caso de Polícia. De quem é a responsabilidade? A decisão de nomear um membro da Polícia Militar para dirigir a Unidade Educacional sinaliza o fracasso da política para os adolescentes em conflitos com a lei no Estado. “Medidas enérgicas” devem ser tomadas para que o direito à ressocialização seja assegurado.

Apenas a titulo de memória, o Sistema Penitenciário vem sendo militarizado, o que já contraria a Lei de Execuções Penais. Agora, vamos militarizar a FUNDAC também?

A sociedade vai cobrar o respeito às Leis e às políticas traçadas nas últimas décadas para essa área que tanto necessita de uma atenção diferenciada e pedagógica construtiva e não apenas mais repressão.

Esperamos que o Governador, que sempre foi referência na luta pelos direitos sociais, que ousou enfrentar a política coronelista deste Estado, reveja a decisão da Presidente da FUNDAC.

Assinam:

Conselho Estadual dos Direitos do Homem e do Cidadão do Estado da Paraíba
CEDHOR – Centro do Oscar Romero de Direitos Humanos
Pastoral Carcerária
Dignitatis – Assessoria Técnica Popular
Cordel Vida
Movimento Nacional de Cidadãs PositHIVas da Paraíba
MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos – Paraíba
Centro de Referencia em Direitos Humanos / Universidade Federal da Paraíba.

Enviada por Eduardo Fernandes.

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