Fundos Sociais Comunitários da Mineração: contra a doença e o empobrecimento dos povos

A rede Justiça nos Trilhos e o Ibase estão organizando uma Audiência pública e um Seminário sobre Fundos Sociais e Comunitários da Mineração no Brasil, a serem realizados em abril de 2012, em Brasília. Serão convidados parlamentares, políticos, instituições públicas, sindicatos, entidades e movimentos, pesquisadores e comunidades, para participarem de um processo amplo e estruturado de construção da proposta de Fundos Sociais, em sintonia e interação com o debate sobre o novo Código de Mineração, ainda em discussão.

Fundos Sociais para redistribuir o lucro da mineração

A companhia Vale é a segunda maior mineradora do mundo. Em 2011, a empresa gerou um lucro líquido de 37,8 bilhões de reais. Esse lucro é repartido entre seus acionistas e gera muito poucos benefícios para as populações e comunidades afetadas diretamente e indiretamente pela atividade mineradora.

Antes da privatização da Vale, feita a um preço desproporcional àquilo que a Companhia realmente valia, o lucro da empresa era repartido de uma outra maneira. A cada ano, 8% do lucro líquido da Vale era destinado ao “Fundo de Desenvolvimento” e distribuído para as administrações dos Municípios onde a Vale atuava, inclusive os localizados ao longo das ferrovias operadas pela companhia.

Infelizmente, esse sistema não funcionou muito bem. Por falta de controle social, houve desvio de verbas e falhas na aplicação do dinheiro, que acabou ‘congelado’  em um fundo atualmente gerenciado pelo BNDES, à disposição dos municípios que oferecerem garantias de boa gestão, até sua definitiva exaustão.

Além disso, a situação atual garante à Vale isenções tributárias para a exportação de minério e financiamentos públicos para seus novos investimentos[1], permite que a empresa deduza dos impostos boa parte dos custos de seus projetos sociais ao longo de suas ferrovias e não a obriga a nenhum outro tipo de contribuição/ressarcimento pelas atividades impactantes que realiza na região.

Esse ano, será debatida no Congresso Nacional a criação de um novo Código da Mineração, substituindo o promulgado em 1967. É necessário um amplo debate público sobre esse tema por tratar-se de assunto estratégico para qualquer política de desenvolvimento e por afetar a vida de milhares de brasileiros e brasileiras. É necessário, nesse debate, buscar construir regras voltadas para os interesses das populações e que levem em conta a grande devastação ambiental dessa atividade. Que contribua também para sanar as enormes mazelas sociais do país.

O Maranhão, por exemplo, é o estado que tem proporcionalmente a maior concentração de pessoas em condições extremas de pobreza. Da população de 6,5 milhões de habitantes, 1,7 milhão está abaixo da linha de miséria (ganham até R$ 70 por mês). Isso representa 25,7% dos habitantes, mais que o triplo da média do país, que é de 8,5%[2].

No Maranhão e no Pará, a Vale S.A. transporta e exporta uma média de mais de 100 milhões de toneladas de ferro por ano. Só o município de Parabuapebas (PA) recebe, por lei, royalties correspondentes a 2% do valor do ferro extraído. Nos outros municípios a Vale realiza, através de sua Fundação, projetos “sociais, sobretudo em saúde ou educação, desconectados entre eles, sem planejamento participado pela sociedade civil e descontínuos no tempo.

A recaída em termos de ofertas de trabalho e oportunidade para as populações de Maranhão e Pará é mínima, sobretudo se comparada com os numerosos impactos gerados pelo sistema mina-ferrovia-porto[3].

Uma proposta alternativa

Em nome de muitas comunidades atingidas, reafirmamos nosso repúdio à expansão da grande mineração e a seus impactos. Em uma estratégia abrangente de enfrentamento desse modelo saqueador, continuamos defendendo os territórios ameaçados por novos projetos extrativos, dizendo ‘Não’ a novos empreendimentos.

Nos territórios onde já há atividades instaladas, não podemos aceitar a vergonhosa desproporção entre os lucros das empresas e o empobrecimento de nossos povos.

Nesse segundo caso, a rede Justiça nos Trilhos[4] e o Ibase, parceiros no Observatório do pré-sal e da indústria extrativa mineral, propõem um mecanismo de redistribuição da renda da mineração que priorize  as populações atingidas. O Corredor de Carajás poderia ser, em forma experimental, uma situação emblemática para desenvolver essa política reparatória e estendê-la à outras regiões do Brasil. Propomos, portanto, a instalação de um sistema de Fundos Sociais e Comunitários para redistribuição à sociedade civil organizada dos lucros da mineração da Vale.

Os Fundos Sociais são gerados por parcelas fixas do lucro anual relativo a extração, transporte e comercialização no eixo onde ocorre a atividade mineradora. São acumulados e gerenciados por Comitês Estaduais e Municipais Paritários (compostos por membros representativos dos poderes públicos, da sociedade civil organizada e do setor da pesquisa acadêmica).

Inspiram-se no modelo dos Fideicomissos peruanos ou de outros fundos sociais como o do Alaska (EUA), da Noruega, de Alberta (Canadá) e da África do Sul.

Precisam de estudo prévio para definição equilibrada e sábia dos sistemas de administração, repartição e fiscalização.

Os Fundos Sociais são uma resposta mais eficaz à necessidade urgente de reparar os danos e desequilíbrios gerados pelo ciclo de mineração e siderurgia no Corredor de Carajás.

Não significam anuência acrítica a qualquer investimento das empresas de mineração em nosso país, mas ressaltam a responsabilidade social da Vale nos locais em que a companhia tem empreendimentos e a obrigam a investir parte de seu dinheiro em um maior controle e protagonismo social e institucional.

Durante o Fórum Social Temático de Porto Alegre, um seminário de estudo inaugurou a reflexão pública e coletiva a respeito desse tema, articulando algumas campanhas regionais que querem democratizar a discussão sobre reforma do código de mineração no Brasil. Participaram deste processo organizações como o Greenpeace, o INESC e o Instituto Pólis.

Convocação

A rede Justiça nos Trilhos e o Ibase convocam parlamentares, políticos, instituições públicas, sindicatos, entidades e movimentos, pesquisadores e comunidades para um processo amplo e estruturado de construção da proposta de Fundos Sociais, em sintonia e interação com o debate sobre o novo Código de Mineração, ainda em discussão.

Promove, para tanto, uma Audiência pública e um Seminário sobre Fundos Sociais e Comunitários da Mineração no Brasil, no mês de abril de 2012, em Brasília.

Para adesões, comentários e sugestões:
[email protected];  tel. 99-3538.1787; cel. 99-8112.8913
[email protected] ; tel. 21 21789421; cel. 21 80374390
www.justicanostrilhos.org
www.observatoriodopresal.com.br/

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[1] A Vale informou em 2010 que, para uma receita bruta consolidada de R$ 85,3 bilhões, recolheu R$ 9,5 bilhões de tributos e R$ 1 bilhão de encargos sociais compulsórios, que somados equivalem a 12,4% de sua receita bruta consolidada. Nesse mesmo ano a empresa teve um lucro líquido de R$ 30 bilhões, equivalente a 35 % de sua receita bruta consolidada. De 2008 a 2010 a Vale recebeu do BNDES cerca de 8 bilhões de reais –  Fonte: Folha de São Paulo, 08.08.2010 – por Ricardo Balthazar

[2] Dados IBGE maio 2011

[3] Veja Relatorio da Federação Internacional dos Direitos Humanos “Quanto valem os direitos humanos?”, com dois estudos de caso em Açailândia – corredor de Carajás. http://www.fidh.org/IMG/pdf/rapport_bresil-port-LD-2.pdf

[4] Coalizão de organizações, movimentos sociais, pastorais, sindicatos, núcleos universitários, que atuam em defesa dos direitos das comunidades que vivem nas áreas atravessadas pela Estrada de Ferro Carajás

Enviada por Padre Dário.

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