Nota zero no Entorno

Problemas como interdição de banheiros, mato alto, depredação e falta de acesso a computadores são comuns às escolas públicas das cidades distantes poucos quilômetros da capital do país

Prédios ameaçando cair. Salas, banheiros, escadas interditadas. Corredores inteiros sem uma lâmpada sequer. Pátios e quadras esportivas tomados pelo mato. Bandidos atuando na porta e até dentro dos edifícios. Superpopulações de pombos e gatos ameaçando a saúde de todos.

Nesse cenário, crianças, adolescentes e adultos tentam aprender algo na rede pública de ensino do Entorno do Distrito Federal. Para piorar, ao menos 10 mil dos 70 mil estudantes matriculados nos municípios goianos vizinhos de Brasília tiveram o ano letivo interrompido há duas semanas, por causa da greve parcial dos servidores da Educação de Goiás. Não há previsão de retomada da aulas nem de reforma dos colégios.

Ao longo da última semana, a reportagem do Correio esteve em 22 Escolas públicas de cinco municípios do Entorno. Encontrou oito fechadas por causa da mobilização dos trabalhadores. Nas demais, flagrou inúmeras situações de descaso com a Educação, abandono do bem público e desperdício de verbas.

Dos absurdos, um é comum a 21 dos colégios visitados pela reportagem. Todos têm laboratório de informática, mas nenhum oferece aula de computação. Eles mantêm os aparelhos desligados há pelo menos um ano porque não há monitor ou internet — ou ambos. Dessa forma, boa parte dos alunos está excluída do mundo digital, pois não tem tablet, smartphone nem computador em casa.

Um dos mais pobres e violentos municípios da região, a 40km de Brasília, o Novo Gama reúne muito do que de pior há no ensino público do Entorno. Pivô de um escândalo nacional sobre os problemas na merenda Escolar, trazido à tona em maio, o Caic mantém a precária estrutura oito meses após os flagrantes de falta higiene na cozinha da Escola.

Os gatos já não passeiam pela comida dos estudantes, mas os pombos ainda tomam conta da quadra de esporte, a ponto de suas fezes e a ameaça que elas representam provocarem a interdição do único espaço para as aulas de Educação física. Um dos dois banheiros masculinos permanece fechado há mais de seis meses por falta de condições de uso.

A precariedade da estrutura também levou à interdição de uma das duas escadas que levam ao segundo pavimento da Escola. Devido à ferrugem, os dois corrimões estão soltos. Mais da metade das luminárias está sem lâmpada nos corredores, tomados por goteiras nos dias de chuva. O quadro afastou estudantes e funcionários.

Com capacidade para 5 mil estudantes, o Caic começou o ano letivo com 800 meninos e meninas matriculados. Até o meio do ano passado, eram 1,5 mil. Com isso, 60% das suas salas estão trancadas, como a creche, nos fundos, abandonada há mais de 10 anos.

Responsável pela manutenção do prédio construído pela União, o governo de Goiás nunca deu outro fim à estrutura antes ocupada por bebês e funcionárias responsáveis por eles. Com a ausência do Estado, vândalos se apoderaram do bem público. Roubaram portas, janelas, instalações elétricas e hidráulicas.

Agora, as salas servem de abrigo a bandidos e a usuários de drogas. Com a queda no número de alunos matriculados, a unidade recebe menos recursos e funcionários. Diante de tantos problemas, a diretora Maria Helena Cavalcante Silva tenta reerguer o nome da instituição que já foi modelo.

“A nossa missão é motivar os funcionários, encontrar quem queira trabalhar aqui. Não tem sido fácil”, desabafa ela. Nomeada como interventora do Caic há um mês, ela aguarda uma verba do governo estadual para obras emergenciais. Mas não sabe quanto nem quando virá. Também no Novo Gama, o Caic teve uma das escadas interditadas por oferecer risco aos alunos: precariedade.

Tráfico
Como o Caic, a Escola Estadual Novo Gama não sofre com a greve dos trabalhadores daEducação. Apesar de ser dirigida por uma diretora do sindicato da categoria, Jalmerinda de Fátima Nunes, todos os professores da instituição têm batido ponto diariamente.

Mas seus problemas estruturais superam os do Caic. Não há parede, interna e externa, sem pichação no colégio de 1,6 mil alunos. O mato toma conta de todo o entorno, principalmente da área aberta que serviria às aulas de Educação física. Ele brota até entre as placas de cimento da quadra, com traves de futebol e tabelas de basquete quebradas.

De noite, o espaço é tomado por usuários de drogas. Os vestígios deles estão sob as janelas de salas de aulas, onde há montes de roupas usadas, restos de fogueiras e utensílios para o consumo de crack, como latinhas de alumínio furadas, onde a pedra da droga é colocada e queimada para ser inalada.

Um dos banheiros masculinos da Escola estadual virou depósito de carteiras quebradas após ser interditado em função dos vazamentos, há um ano. Também permanece fechado, há mais de um ano, o laboratório de informática, com 35 computadores conectados à internet.

“Isso ocorre em todo o estado, devido à portaria do governo de Goiás, que mandou os professores especializados em informática voltarem à sala de aula para dispensar professores contratados e economizar com a Educação”, alega Jalmerinda Nunes.

Ela aguarda uma prometida verba estadual de R$ 50 mil para fazer pequenos reparos, como a instalação de vidros nas janelas das salas de aula. Mais da metade delas não tem vidro, permitindo a entrada de água em dias de chuva e de poeira na seca.

http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-na-midia/21522/nota-zero-no-entorno/

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