O Complexo Industrial Portuário do Açu e o impacto social da expulsão de pequenos produtores

Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU) , a integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Viviane Ramiro da Silva, afirma que o Complexo Industrial Portuário do Açu foi feito de forma fragmentada, sem levar em consideração toda a complexidade local.

Ainda na série de entrevistas sobre o Complexo Industrial Portuário do Açu, que está sendo construído no município de São João da Barra, norte do estado do Rio de Janeiro, a IHU On-Line entrevistou a integrante da Coordenação Regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da região do Espírito Santo e Rio de Janeiro, Viviane Ramiro da Silva. Como membro da CPT, ela acompanha de perto a situação de pescadores e produtores rurais locais, que estão sendo desalojados de suas terras em função deste empreendimento logístico da empresa LLX, pertencente ao Grupo EBX, de Eike Batista.

Na entrevista concedida por telefone, Viviane fala sobre os principais impactos sociais e ambientais desta obra, que contempla, inclusive, a construção de um minerioduto de 500 Km, atravessando 32 municípios, trazendo o minério de ferro de Minas Gerais através de tubos.

Viviane aponta que o projeto vem sem nenhuma discussão coletiva com as comunidades atingidas. “Elas recebem a medida de que a obra tem que passar por ali e não tem outro jeito. Não há diálogo do Estado com a sociedade no sentido de apontar alternativas. Parece que não se vive num estado de direito”. E critica: “com relação ao Brasil, temos visto que as grandes obras, os grandes investimentos feitos para a exportação, historicamente, beneficiaram uma pequena elite e os demais foram explorados. Quando esse Porto começar a funcionar precisará de mão-de-obra especializada. Grande parte da população aqui da região é analfabeta. Então, essa população não vai ter acesso a esses benefícios que estão sendo prometidos”.

Viviane Ramiro da Silva integra a Coordenação Regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da região do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais os principais impactos provocados pela construção de um minerioduto de 500 Km ligando a mina de ferro do grupo MMX no município de Alvorada, MG, ao Complexo Industrial do Porto do Açu?

Viviane da Silva – O que nós, da CPT, estamos acompanhando mais são os impactos sociais e ambientais, porque parte deste minerioduto passa por áreas de reserva ambiental, dentro do maior assentamento do interior do estado do Rio de Janeiro, em Campos dos Goytacazes, que tem 506 famílias. O que tem sido observado é que, com o minerioduto, viria a construção de um corredor logístico que desapropriaria parte dessas famílias.

IHU On-Line – O que significa, do ponto de vista ambiental, o transporte do minério de ferro de MG através de tubos?

Viviane da Silva – Os estudos feitos por ambientalistas aqui da região mostram que o impacto maior será para a produtividade agrícola das famílias que produziam aqui e contribuíram para a recuperação ambiental dessa região, que estava totalmente degradada pela plantação de cana e pelas queimadas, e hoje em dia se conseguiu reflorestar parte dessa terra. Então o impacto seria nesse sentido.

IHU On-Line – Quais as consequências sofridas pelas comunidades locais com a construção deste minerioduto?

Viviane da Silva – Em primeiro lugar, o projeto vem sem nenhuma discussão coletiva com essas comunidades. Elas recebem a medida de que a obra tem que passar por ali e não tem outro jeito. Não há diálogo do Estado com a sociedade no sentido de apontar alternativas. Parece que não se vive num estado de direito.

IHU On-Line – Para onde vão as 1.500 famílias de pescadores e de pequenos agricultores que ficarão desalojados em função do Complexo?

Viviane da Silva – Essa é a grande dificuldade. Esse complexo foi feito de forma fragmentada, sem levar em consideração toda a complexidade local. Aqui no interior do estado do Rio de Janeiro os impactos já vêm sendo sentidos principalmente pelos pescadores, que não têm mais conseguido pescar, pois foi proibido o acesso às lagoas por onde passa a área que o Eike Batista já comprou. No caso das famílias que são produtoras, uma parte delas foi reassentada numa região chamada Palacete, que também está totalmente degradada, o que inviabiliza a produção agrícola.

IHU On-Line – Qual a real necessidade desta obra para o Brasil?

Viviane da Silva – Considerando a questão da empregabilidade que eles tanto fazem questão de colocar, temos analisado que não trará muitos benefícios para a sociedade local. Com relação ao Brasil, temos visto que as grandes obras, os grandes investimentos feitos para a exportação, historicamente, beneficiaram uma pequena elite e os demais foram explorados. Quando esse Porto começar a funcionar precisará de mão-de-obra especializada. Grande parte da população aqui da região é analfabeta. Então, essa população não vai ter acesso a esses benefícios que estão sendo prometidos.

IHU On-Line – A prefeitura de São João da Barra promulgou uma lei municipal contemplando o Complexo Portuário de Açu? Em que consiste essa lei?

Viviane da Silva – Trata-se de um decreto de desapropriação que transformou a área rural do distrito de São João da Barra em área industrial, para beneficiar a construção do complexo portuário. Isso foi feito pelo Legislativo em um período em que normalmente está de recesso, e sem consulta pública. Quando começou o processo de despejo – porque a desapropriação foi feita há dois anos -, é que a população local tomou consciência do grande impacto que esse decreto de desapropriação vai gerar para a região de São João da Barra.

IHU On-Line – Qual tem sido o papel da Pastoral da Terra nesse contexto? Quais as principais demandas que a CPT recebe em relação a essa obra?

Viviane da Silva – A principal demanda que a CPT tem recebido por parte dos pequenos produtores é a de garantir o direito de permanecer na terra, de defender o território camponês. Isso vem aparecendo desde o ano passado, quando um grupo de pequenos produtores fechou a BR em São João da Barra, que é a principal passagem dos trabalhadores que tem acesso à área que está sendo construída. Nesse sentido, a CPT tem tentado, principalmente, dar visibilidade à forma como o despejo tem acontecido, de forma indigna, sem considerar inclusive a lei de desapropriação, que diz que ela deve ser feita de forma justa, devidamente comunicada de forma antecipada. Vários critérios desse processo de desapropriação não aconteceram. Temos tentado dar visibilidade à luta dos pequenos produtores da região, e contribuído com a articulação deles junto aos pequenos produtores do estado do Rio de Janeiro e doEspírito Santo, e, com menor ênfase, devido à distância territorial, com Minas Gerais, para tentar derrubar o decreto de desapropriação. A CPT publicou uma nota de repúdio com relação à forma como esse processo tem sido desencadeado não só aqui no interior, mas também na Baixada Fluminense, que também passa por uma disputa de território, com camponeses igualmente expulsos. Aqui, além dos pequenos produtores e dos pescadores, tem quatro assentamentos em risco, com mais de 15 anos, e que produzem alimentos que abastecem não só o estado do Rio de Janeiro, como vários outros estados do país. São João da Barra é o primeiro produtor de maxixe e abacaxi. É uma terra produtiva, que contribui para a segurança alimentar do Brasil. O impacto social da expulsão desses pequenos produtores será enorme para a região. Estamos contando mais com a imprensa de fora do que com a local, para dar visibilidade ao problema.

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