Lideranças indígenas do Rio Negro promovem reencontro em São Gabriel da Cachoeira (AM)

Lideranças durante encontro na Diocese de São Gabriel

Durante três dias, cerca de 50 lideranças históricas do chamado “movimento indígena do Rio Negro” deram depoimentos retrospectivos, construíram uma linha do tempo e debateram alternativas para a geração de renda.

O reencontro aconteceu entre os dias 7 e 9 de fevereiro, no auditório da Diocese de S. Gabriel da Cachoeira, no noroeste amazônico, e teve a coordenação de Domingos Barreto, tukano, ex-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) – e atualmente na Funai regional – e André Fernando, baniwa, ex-diretor da Foirn e atual vice-prefeito de São Gabriel.

O I Encontro dos Povos Indígenas do Rio Negro teve como tema “Aperfeiçoando as estratégias e garantindo identidade indígena no Desenvolvimento Regional Sustentável” e, ao final, foi aprovado um documento com orientações gerais endereçado à Foirn – organização que representa os interesses dos povos indígenas da região há 25 anos e que terá uma assembleia eletiva no final do ano. Leia abaixo a íntegra do documento.

Na sessão de encerramento foram distribuídos 40 exemplares de dois dossiês referentes ao período 1981-2010, produzidos pelo ISA e baseados nas publicações da série Povos Indígenas no Brasil: um sobre o movimento indígena da região do Rio Negro (com cerca de 300 páginas) e outro sobre o movimento indígena nacional (com cerca de 100 páginas).

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DOCUMENTO FINAL

I ENCONTRO DE LIDERANÇAS DOS POVOS INDÍGENAS DO RIO NEGRO

‘’Aperfeiçoando as estratégias e garantindo identidade indígena no Desenvolvimento Regional Sustentável’’.

São Gabriel da Cachoeira, AM, 09 de fevereiro de 2012

Entre os dias 07 e 09 de fevereiro do ano de 2012, nós lideranças indígenas do Rio Negro estivemos reunidos para discutir a trajetória, a história e as perspectivas futuras para o movimento indígena da região, como representantes de 23 povos indígenas, falantes de quatro famílias linguísticas distintas (Aruak, Maku, Yanomami e Tukano Oriental), habitantes milenares do Noroeste Amazônico, na região também conhecida como ‘’Cabeça do Cachorro’’. Além de registrarmos as trajetórias passadas do movimento indígena, delineamos as trajetórias a serem seguidas para a consolidação do desenvolvimento sustentável da região, sem abandonar nossa identidade e nossos conhecimentos ancestrais e práticas tradicionais, que permitiram a ocupação milenar da região, mas manifestando ao mesmo tempo nosso desejo de agregarmos o conhecimento técnico científico para desenvolvimento de nossas economias e a geração de renda para as mais de 700 comunidades da região. Assim estabelecemos um planejamento de curto, médio e longo prazo que possam criar um“sistema” e desde já iniciar o processo da execução das propostas, que são as seguintes:

1) Para viabilizarmos estas propostas é necessária a Criação de um Sistema de Sustentabilidade Socioeconômico e Cultural para a criação de receitas, gestão e gerenciamento de recursos e um processo de implementação que agregue o nosso valor, a nossa autonomia e a autodeterminação dos povos indígenas do Rio Negro;

2) Faz parte deste sistema potencializar as produções nas áreas de biotecnologia, agrobiodiversidade, produtos agroflorestais, ecoturismo, minérios (excluindo a Terra Indígena Yanomami), pagamento de serviços ambientais, cosméticos, artesanatos, das plantas medicinais, criação de animais de pequeno porte (piscicultura, aves, suínos, etc) e contribuição dos profissionais indígenas;

3) Para a viabilização e criação do sistema de sustentabilidade será necessária a formação de cooperativas indígenas de abastecimento, empresas indígenas, fábricas indígenas e a criação de uma política específica e um fundo para captação de recursos através da contribuição dos profissionais indígenas, dos futuros membros das cooperativas e empresas indígenas;

4) A formação e capacitação é fundamental para o processo de implementação dessa política através de cursos, seminários, oficinas e palestras sobre empreendedorismo, formação nas áreas do conhecimento científico que possam viabilizar o sistema de sustentabilidade, capacitação para a realização de pesquisas de mercado, marketing e publicidade;

5) Será necessária a elaboração de termo de ajustamento de conduta e normatização das atividades com vistas à proteção do conhecimento tradicional, do combate à biopirataria e proteção do conhecimento material e imaterial associados a recursos genéticos dos povos indígenas do Rio Negro de interesse econômico e propriedade intelectual;

6) O modelo de trabalho nas comunidades dos povos indígenas do Rio Negro deverá seguir a metodologia baseada no modelo familiar de produção das comunidades indígenas, respeitando-se os clãs e grupos de parentesco em suas demandas e expectativas;

7) Os encaminhamentos destas propostas deverão levar em conta o conhecimento das lideranças tradicionais e dos atuais e futuros gestores indígenas e necessidade da formação técnica para que possa haver o máximo de harmonia e evitarmos mudanças bruscas no cotidiano das comunidades;

8) Deverão ser feitos também programas e projetos para melhoria de infraestrutura e logística da região, buscando apoio dos órgãos e programas governamentais ou privados para a viabilização desta estrutura.

A implementação, a execução desta proposta e o estudo de viabilização do sistema de sustentabilidade deverão ser feitos pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN. Que deverá iniciar ampla campanha de mobilização e esclarecimento junto às organizações e associações de base, para que em conjunto possam atender as demandas das comunidades. Para tanto, deverá acionar desde já os parceiros estratégicos como a FUNAI, ISA, Universidades e demais setores do governo com programas na área indígena como MDA, MDS, MMA, buscando ainda a cooperação internacional (Banco Mundial, BIRD e outros) e os sistemas de empreendimentos consolidados no Brasil (BNDES, SEBRAE etc). A FOIRN deverá ainda ampliar, aperfeiçoar e revisar o Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável do Rio Negro (PRDISRN), contando com a participação direta das coordenadorias, associações de base e comunidades. A FOIRN deverá criar um Departamento de Sustentabilidade para desenvolvimento da política e do sistema de sustentabilidade.

Afirmamos ainda que todo resultado (lucro) advindo do sistema de sustentabilidade econômica deverá ser revertido em desenvolvimento social e cultural dos povos indígenas do Rio Negro, garantindo a preservação dos recursos naturais para as atuais e futuras gerações, cumprindo assim a função social das terras indígenas do Rio Negro. Todo o sistema deverá considerar as perspectivas e demandas indígenas, inclusive com a formulação de um sistema monetário específico e local, garantindo assim a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas do Rio Negro. Este documento foi elaborado baseado nos resultados dos trabalhos de grupos das regiões administrativas da FOIRN e ainda nos resultados das discussões das experiências dos indígenas no meio urbano e dos Yanomami. Foi decidido que deverá ser composta uma equipe para acompanhar junto à FOIRN o trabalho de implementação das propostas e a criação do ‘’Sistema de Sustentabilidade do Rio Negro’’. A equipe composta será a seguinte: André Baniwa, Pedro Machado, Bráz França, Renato Matos, Gilda da Silva Barreto, Jorge Pereira, Marivelton Rodrigues, Afonso Machado, Nivaldo Castilho, Domingos Barreto e Armindo Góes Melo (Yanomami).

http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3502

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