Santo Amaro da Purificação: Interesses dúbios e Judiciário letárgico abandonam cidade ao chumbo

Antes de ler a matéria, veja o documentário produzido pela comunidade sobre sua história e sobre a realidade que deveria indignar a tod@s nós:

Marcelo Pellegrini

O município de Santo Amaro da Purificação tem um grande valor simbólico para se entender o Brasil. Situada a apenas 72 km de Salvador, o município natal de Caetano Veloso e Maria Bethânia apresenta um dos maiores índices de intoxicação de chumbo por habitante do Brasil. Soma-se a isso fraudes em diagnósticos médicos de intoxicação e uma teia burocrática perversa, que se aproveita das brechas no sistema judiciário para negar indenizações e benefícios sociais para as famílias atingidas.

A intoxicação, conhecida por saturnismo, que assola ao menos 1600 pessoas dos 58 mil habitantes do município. Este alto índice de contaminação é estimado apenas pelos 1600 de processos que tramitam na Justiça, sem contabilizar o número de habitantes sub-diagnosticados.

A contaminção é fruto de 33 anos de atuação e destinação indevida de material tóxico pela companhia Cobrac, atual Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda. Com escória de chumbo por todo o terreno da empresa, na pavimentação de ruas e na fundação de casas, o saturnismo se transformou em um problema de saúde pública na região.

Fraudes Médicas

“Desde que a empresa começou a atuar existia casos de saturnismo. Só que eles foram sub-diagnosticados por muito tempo”, afirma Itanor Carneiro Júnior, advogado que atua junto à Procuradoria da cidade baiana e fez parte do Grupo de Trabalho do Congresso Nacional que analisou a situação do município.

Segundo ele, na época das primeiras manifestações de intoxicação nas pessoas, na década de 70 e 80, o perito do INPS – órgão que antecedeu o Instituto Nacional de Seguridade Social – Ademario Espinola Galvão também era o médico de trabalho da fábrica.

Devido ao conflito de interesses explícito, o médico apenas afastava as pessoas intoxicadas do trabalho por um período de tempo para o nível de chumbo no sangue baixar. Mas, logo que os sintomas se atenuavam, os trabalhadores regressavam à fábrica e permaneciam expostos. “Os trabalhadores não sabiam que estavam acidentados em decorrência do trabalho que exerciam. Essa omissão de diagnóstico é fraude”, diz.

Somente após o encerramento das atividades da mineradora em 1993, que os trabalhadores procuraram médicos que não possuíam vínculos com a companhia. Ou seja, depois de trinta anos de exposição que foram diagnosticados os primeiros sintomas de intoxicação nos trabalhadores.

Judiciário letárgico

Desde 1993, ano em que a mineradora encerrou suas atividades na cidade baiana, foram abertos 1600 processos indenizatórios por danos morais e materiais, na Justiça Civil. Essas ações foram impetradas pelo advogado Antônio José, contratado pela Associação de Vítimas do município.

Grande parte dos 1600 processos ficou treze anos à espera de julgamento. Emperrados pelo Judiciário local, na época, a cargo da juíza Maria do Carmo Tomasi – atual desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia.

Foi apenas após a resolução do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina que as ações de caráter trabalhista que tramitam na Justiça civil sejam julgadas pela Justiça do Trabalho, que os processos começaram a avançar.

Agora, sob a competência do Tribunal Regional do Trabalho Baiano, os trabalhadores acreditavam numa maior velocidade no julgamento de suas ações. No entanto, logo os processos voltaram a emperrar.

Artimanhas jurídicas

Por meio de uma manobra jurídica, a atual Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda passou a registrar as comunicações de acidentes de trabalho pelo seu atual CNPJ, registrado no Estado de São Paulo. Contudo, essas comunicações são de competência da Justiça Trabalhista do Estado em que ocorreram os acidentes, no caso o Estado da Bahia.

Como os processos estão sendo registrados por São Paulo e os sistemas dos Tribunais Regionais não são integrados, as informações dos trabalhadores não se cruzavam, criando um imbróglio burocrático que atrapalha e atrasa o julgamento. “Por meio deste artifício, boa parte das ações indenizatórias está prescrevendo”, argumenta Itanor. Dessa forma, após cinco anos sem julgamento as ações se tornam inválidas e, mesmo que a empresa seja considerada culpada pelo acidente de trabalho, as famílias não têm mais direito à indenização.

Seguridade Social e Família

Está agendada para o final de fevereiro, uma audiência no Congresso Nacional para discutir e elaborar saídas imediatas para a população de Santo Amaro da Purificação.

Segundo o deputado Roberto Lucena, a Comissão e Seguridade Social e Família irá elaborar um relatório de contaminação por metais pesados no Brasil, com o objetivo de gerar protocolos de tratamentos específicos para este tipo de intoxicação e atualizar a legislação trabalhista. “São três décadas de questões não resolvidas na Justiça Trabalhista, no Ministério da Previdência Social e nas questões ambientais. A importância desta comissão está justamente em tentar resolver estas dependências de trinta anos”, diz Lucena.

Através de um trabalho em conjunto com a UGT (União Geral dos Trabalhadores), a comissão facilitará a troca de informações entre os Tribunais do Trabalho paulista e baiano, acelerando, com isso, o julgamento dos processos trabalhistas e indenizatórios.  “Tenho a esperança que com um esforço conjunto do Legislativo, Judiciário e do Executivo, nos três níveis – federal, estadual e municipal- conseguiremos por um fim neste caso de uma vez por todas”, conclui o deputado.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/interesses-dubios-e-judiciario-letargico-abandonam-cidade-ao-chumbo/

Mineradora que contaminou cidade de Caetano e Bethânia continua ativa

Marcelo Pellegrini

Os sintomas da intoxicação por chumbo e o descaso das autoridades sobre o problema são parte da rotina dos moradores de Santo Amaro da Purificação, região metropolitana de Salvador, na Bahia. E agora eles têm que conviver com o medo de ver a Companhia Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda, responsável pelo problema, retomar suas operações. Com as atividades paralisadas desde 1993, a empresa continua com o CNPJ ativo e pode voltar a funcionar a qualquer momento. “É como se a empresa estivesse esperando a poeira baixar para depois retomar suas atividades de maneira irresponsável”, conta Itanor Carneiro Júnior, advogado que atua junto à Procuradoria da cidade baiana.

Há mais de 50 anos instalada em Santo Amaro da Purificação e destinando indevidamente lixo tóxico por 33 anos, a antiga Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac) deixou um legado de contaminação e abandono na cidade-natal de Caetano Veloso e Maria Bethânia.

Hoje, sob o nome de Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda, a empresa ainda não retirou a escória de chumbo presente em sua propriedade e escapa por meio de artifícios jurídicos e burocráticos de suas responsabilidades em relação à população contaminada.

O tema chegou a ser objeto de análise do Grupo de Trabalho Justiça Ambiental, formado pelos deputados Roberto Lucena (PV-SP) e Sarney Filho (PV-SP) e debatido pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, em julho passado, conforme foi noticiado pela Carta Capital. Contudo, desde então, nada mudou. Santo Amaro da Purificação continua com altos índices de chumbo e sofrendo com a falta de assistência trabalhista e médica às pessoas contaminadas.

Segundo o deputado Sarney Filho, o Legislativo já fez tudo o que podia. “Alertamos para o problema e criamos comissões de investigação. Agora, resta ao executivo, nas três esferas de poder, agir”, cobra o parlamentar.

O relatório elaborado pelo grupo, em conjunto com a ONG Amigos do Futuro, indica que a Cobrac produziu e depositou aleatoriamente 490 mil toneladas de escória contaminada com metais pesados – sobretudo chumbo e cádmio. Parte deste material tóxico está depositado nas instalações da companhia, enquanto a outra parte foi doada para a prefeitura, que utilizou a escória na pavimentação de ruas e para aterrar pátios e fundações de casas.

Os dados da intoxicação por chumbo

O saturnismo, nome oficial da intoxicação por chumbo, tornou-se um problema de saúde pública para o município baiano. Com escória espalhada por toda a cidade, os moradores sofrem com os sintomas da doença, que vão desde danos neurológicos, mudanças de comportamento, perda de movimentos e dores abdominais agudas que não cessam com analgésicos. Mortes decorrentes destes problemas não são raras.

Assim como a doença, o tratamento também é perigoso. De acordo com o médico Rodrigo Muniz de Andrade, do Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas de São Paulo, o procedimento para casos de intoxicação de chumbo é realizado com quelantes, substâncias que se agarram ao chumbo presente no corpo.

Este é um tratamento adaptado, no entan to. “Os quelantes são específicos para intoxicação por ferro. O uso desse medicamento para contaminações por chumbo é uma aposta e seu uso implica em um alto índice de mortalidade”, pondera.

Segundo o médico, a primeira coisa a se fazer é interromper a exposição do paciente ao material tóxico. Depois, é preciso avaliar o grau de intoxicação para decidir se a melhor opção é esperar o organismo se livrar do material, o que pode durar 20 ou 30 anos, ou iniciar a terapia com quelantes.

Assessoria federal

O Ministério da Saúde informou à Carta Capital por meio de nota que assessora desde 2003 as secretarias de Saúde do Estado da Bahia e do Município de Santo Amaro da Purificação para a implementação da atenção integral à saúde das populações expostas aos danos causados pela Mineradora.

De acordo com o ministério, de 2003 até 2011 houve um aumento de 335% nos recursos repassados ao Fundo Municipal de Saúde para ações de saúde definidas pelo município. No total, já foram liberados em oito anos cerca de 24 milhões de reais para Santo Amaro da Purificação.

Entre as medidas sanitárias realizadas no âmbito federal está a elaboração do Estudo de Avaliação de Risco para Saúde Humana, que detalhou os danos provocados pelas atividades da Companhia Brasileira de Chumbo/Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda e os efeitos à saúde da população local.

Este relatório serviu de norte para as ações de saúde na região, segundo o ministério, que trabalha na articulação dos três níveis de governo (governos federal, estadual e municipal) responsáveis pela gestão e o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), visando atender de forma específica os casos de baixa, média e alta complexidade e de forma permanente.

O Ministério de Minas e Energia não quis se pronunciar sobre a possibilidade de multar ou suspender as atividades da Companhia Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda. Assim como, não esclareceu que medidas serão tomadas para descontaminar a área que pertence à empresa no município baiano.

Contaminação também no Sul

Os danos ambientais e a intoxicação humana causada pela Plumbum não estão restritas à Santo Amaro da Purificação. Situação semelhante ocorreu em Adrianópolis, no Paraná.

Segundo informações do jornal paranaense Gazeta do Povo, a Vara Federal Ambiental de Curitiba determinou, em junho de 2011, que a empresa Plumbum do Brasil, a União, o município de Adrianópolis, a Sanepar e o Departamento Nacional de Produção Mineral ofereçam tratamento às pessoas impactadas pela extração de chumbo nos bairros Vila Mota e Vila Capelinha. Além disso, também foi determinado que medidas para remediar os danos causados ao meio ambiente na cidade fossem tomadas.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/mineradora-que-contaminou-cidade-de-caetano-e-bethania-continua-ativa/

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