Leis? Por quê? Linchar é mais divertido

Leonardo Sakamoto

Um homem de 47 anos foi espancado até a morte em Olinda (PE), na noite de sexta (3), por moradores que o confundiram com um suspeito de estupro. De acordo com a Polícia Civil, a vítima dormia em um terreno baldio quando foi linchado. Ele chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu.

Já tratei do tema neste blog, mas vou voltar a falar sobre o assunto toda a vez que uma turba idiota resolver fazer justiça com suas próprias mãos linchando alguém, ignorando o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver minimamente em harmonia. Abrimos mão de resolver as coisas por nós mesmos para impedir que nos devoremos. O sistema não é perfeito, longe disso, mas – no curto prazo, enquanto não temos consciência para podermos nos autogerir – a melhor saída é fazê-lo funcionar.

A vítima não teve direito à defesa ou a recurso. Foi julgado e executado pela estupidez humana (se, com o devido processo legal, inocentes amargam anos de cadeia devido a erros, imagine sem ele?). O Brasil não tem pena de morte. Oficialmente, é claro. Porque muitos governos e suas polícias fingem que não sabem disso. E, não raro, turbas tratam de agir.

Em 2010, um outro homem foi espancado até a morte e teve a casa incendiada e o bar destruído após ser acusado de ter sido o responsável pela morte de uma adolescente em Marília (SP). A investigação, contudo, mostrava que a jovem poderia ter morrido por outro motivo. A turba idiota não quis saber e rolou, ladeira abaixo, uma bola de neve de rumores, fofocas e maldizeres, decidindo que ele era culpado. Ao final, questionado pela barbárie, um dos participantes da loucura declarou: “Se a gente fez, ele deve. Alguma coisa ele deve”.

E quando a massa decide ou é levada a crer sobre algo, mudar a posição é difícil – mais difícil que formá-la. Se a decisão é simples e plausível, melhor ainda. Por que imaginar que a vida real é complexa se as novelas nos ensinam a simplificar?

(“Levada a crer” porque nós, jornalistas, temos uma parcela grande de responsabilidade nisso. Sob a justificativa de estarmos prestando um serviço de informação à sociedade, muitas vezes incitamos a massa contra um suspeito ou um flagrante culpado de algo – principalmente, quando somos sugados pelo círculo vicioso da busca pela audiência. Há jornalistas bons nesse negócio de destruir reputações e dar matéria-prima para incendiar a massa, mesmo sem querer. Afinal de contas, quantas vezes temos paciência e competência para checar informações antes de distribuí-las, seja nos veículos tradicionais, nos alternativos, nas redes sociais? Ou pensar nas consequências de nossos atos?).

Adoraria discordar de Oscar Wilde. Mas, nesse caso, ele cai como uma luva: “Há três tipos de déspotas. Aquele que tiraniza o corpo, aquele que tiraniza a alma e o que tiraniza, ao mesmo tempo, o corpo e a alma. O primeiro é chamado de príncipe, o segundo de papa e o terceiro de povo”.

De vez em quando, não sei de quem tenho mais medo. Da polícia, dos bandidos ou de nós mesmos.

O que me lembra o genial Monty Python, em “A Busca do Cálice Sagrado”, postado acima.

http://blogdosakamoto.uol.com.br/2012/02/04/leis-por-que-linchar-e-mais-divertido/

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