ONGs e Prefeitura de Belém sob fogo cruzado

A despeito de toda a reclamação da prefeitura motivada pela falta de recursos para aplicar na saúde pública da capital, a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) repassou apenas no ano de 2010, através de convênios, mais de R$ 7,8 milhões para duas organizações não-governamentais (ONGs) para projetos de Atenção Básica de Saúde de Povos Indígenas. O valor é maior que a execução financeira total da Sesma em Belém feita no ano passado para programas importantes como o Programa Saúde da Família (R$ 7.712.000,00) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (R$ 7.370.000,00). E o mais estranho: as ONGs em questão não atuam no atendimento a índios em Belém, mas em municípios bem distantes da capital.

Apenas uma delas, o Instituto Marlene Mateus, localizado em Benevides, recebeu, em 2010, R$ 5.850.000,00. A segunda, a Associação do Grupo Indígena També das Aldeias Sede e Ituaçu (Agitasi), com sede em Capitão Poço, recebeu R$ 1.971.000,00. Ocorre que a ONG de Benevides não possui sequer certificação que prove seu caráter beneficente e de assistência social, apta a receber recursos públicos, segundo o Ministério da Saúde.

O Instituto Marlene Mateus foi idealizado por Marlene Mateus do Nascimento, cearense de nascimento e moradora de Benevides. Militante do Partido Verdade (PV) desde 1999, foi eleita vereadora pelo município em 2008. É presidente do PV de Benevides e conselheira do Diretório Nacional do PV, além de secretária da Mulher do PV-Pa.

O DIÁRIO não encontrou nenhuma referência de home-page da Agitasi na Internet. Num site de busca aparece como endereço da entidade a avenida Fernando Guilhon n° 623, no município de Capitão Poço. A reportagem ligou para o número telefônico que consta no site (91-3468-1155). Uma jovem atendeu e informou que no local funciona a Eletrocap, loja de consórcios de eletrodomésticos em Capitão Poço. Disse ainda que no local nunca abrigou qualquer entidade ligada a indígenas.

Ao analisar as contas da secretaria, o vereador Fernando Dourado (PSD) diz que a prefeitura recebe, em média, R$ 500 mil por trimestre para gastos de atenção básica de saúde a indígenas. Na sessão realizada na Câmara Municipal para analisar as prestações de contas da Sesma em 2008 e 2009, observou que esses recursos estavam acumulados e não vinham sendo utilizados.

Na sessão para analisar as contas da Sesma de 2010 as contas mostraram que em janeiro de 2010 o saldo na conta específica para esse programa da PMB era de R$ 7.795.000,00, sendo que durante o ano o Ministério da Saúde efetuou mais quatro repasses por trimestre, totalizando R$ 1.971,00, dando um saldo de R$ 9.766.000,00.

“Foi aí que constatamos que o saldo da conta dessa rubrica, em janeiro de 2011, estava mais de R$ 7,8 milhões menor graças aos repasses milionários para essas ONGs. Chama atenção o fato de que apenas a ONG Agitasi recebeu ano passado o mesmo montante (R$ 1.971.000,00) do que foi repassado à prefeitura pelo Ministério da Saúde nos quatro trimestres de 2010”, contabiliza Dourado.

ILEGALIDADE

O Instituto Marlene Mateus foi uma das 21 entidades sem fins lucrativos que participaram em setembro do processo de seleção de entidades privadas feita pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, para execução de medidas complementares na atenção aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas por meio de convênios, nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) que integram o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS).

Das entidades participantes apenas uma entidade de São Paulo atendeu a todos os requisitos do edital e o disposto no artigo 32, da Lei nº 12.309, de 9 de agosto de 2010. Ou seja, a ONG de Benevides foi rejeitada na seleção. A abertura dos envelopes foi feita nos dias 1 e 2 de setembro, na Unidade II do Ministério da Saúde, em Brasília.

Segundo o artigo 32 da Lei n 12.309, de 09/08/2010, que trata da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas) “A transferência de recursos a título de subvenções sociais, nos termos do art. 16 da Lei no 4.320, de 1964, atenderá as entidades privadas sem fins lucrativos que exerçam atividades de natureza continuada nas áreas de assistência social, saúde e educação, prestem atendimento direto ao público e tenham certificação de entidade beneficente de assistência social nos termos da legislação vigente”.

“Essa ONG que recebeu quase R$ 6 milhões da prefeitura em 2010 não foi sequer aprovada pelo Ministério da Saúde para atuar no atendimento da saúde indígena. Como então a Sesma repassa esse valor milionário para uma entidade irregular justamente para atuar nessa área?”, questiona o vereador.

OUTRO LADO

Valderi França, presidente do Instituto Marlene Mateus, diz que o convênio 01/2010 fechado com a Sesma, denominado “Projeto Proteger”, prevê ações de saúde de saúde indígena, visando a “redução dos agravos de saúde no município de Belém”. Segundo ele, a atenção à saúde é feita diretamente nos polos indígenas para onde são deslocados médicos, biomédicos, clínicos, nutricionistas e dentistas entre outros profissionais.

O “comando médico” realiza ações nas aldeias Paragominas/Tembé, Tucuruí/Trocaras, Marabá/Surui-Sossoró, Capitão Poço/Tembés, Tomé- Açu/Tembés e Água Azul do Norte/Caeté-Caiapós. “Dessa forma evitamos que os índios venham receber atendimento em Belém, reduzindo o inchaço nas unidades da capital”, justifica. O convênio, que já teria atendido a 6.000 indígenas, é executado em parceria com a Funasa e o Conselho de Saúde Indígena do Distrito Guamá-Tocantins.

ONG teria terceirizado serviço

O vereador Fernando Dourado deu entrada num requerimento na Mesa diretora da Câmara solicitando à Sesma informações detalhadas sobre os convênios fechados com as duas ONGs, questionando sobre o objeto dos convênios, as atividades desenvolvidas, plano de trabalho, etc.

“Passamos o ano de 2010 todo vendo o ex-secretário de Saúde, Sérgio Pimentel, criticando a falta de recursos para a saúde na mídia. Precisamos saber os motivos que levaram a Secretaria a repassar de uma vez um valor tão algo a entidades para projetos com indígenas, valor esse superior a programas essenciais como o Saúde da Família e o de Agentes Comunitários de Saúde”, pondera.

Em junho de 2010, o Instituto Marlene Mateus realizou três pregões presenciais, todos publicados no Diário Oficial da União (DOU). Num deles (5/2010) Walderi França, presidente da ONG, contratou a empresa Biolab Centro de Diagnóstico Laboratorial pelo valor de R$ 2.415.307,00 para prestação de “Serviços Médicos, Odontológicos, Laboratoriais e Hospitalares”. No pregão 8/2010 Walderi pagou mais R$ 948.700,00 para a aquisição de veículos para a Mont Car Automóveis Ltda. Já no pregão 10/2010 a ONG desembolsou mais R$ 346.500,00 para locação de veículos.

Fernando Dourado questiona se o Instituto Marlene Mateus realmente tem capacidade técnica para executar o convênio. “Se a ONG terceirizou o serviço contratando uma empresa médica privada, leva a crer que ela não poderia executar o convênio. Precisamos saber ainda se a Biolab tem capacidade técnica de atender a populações indígenas, que exige um procedimento bem especializado”.

Segundo a prestação de contas da secretaria, dos R$ 5.850.000,00 recebidos pelo Instituto Marlene Mateus, R$ 1.950.000,00 foram repassados no primeiro trimestre de 2010 e outros R$ 3,9 milhões – o dobro do primeiro repasse – no segundo trimestre do ano passado. “Se o dinheiro tinha ficado tanto tempo parado e era para ser usado em dois anos, por que não repassar ao longo da vigência ao invés de repassar tudo num semestre apenas? Essas e outras questões precisam ser respondidas pela Sesma”, aponta. (Diário do Pará)

http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-149825-ONGS+E+PREFEITURA+DE+BELEM+SOB+FOGO+CRUZADO.html

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