Obra pública impulsiona empreiteiras emergentes

Por Daniel Rittner | De Brasília| Valor Econômico

“Estamos vendo o maior boom da construção pesada desde os anos 70?, afirma Elmo Ribeiro, presidente da Egesa

Nos anos 70, enquanto a ditadura militar alardeava o crescimento da economia com obras jamais vistas no país, um punhado de empreiteiras viu sua carteira se multiplicar e entrou na lista de gigantes do capitalismo brasileiro. Eram os tempos da hidrelétrica de Itaipu, da rodovia Transamazônica, da primeira usina nuclear de Angra e da implantação do metrô em São Paulo e no Rio.

Novas refinarias da Petrobras, grandes projetos de mineração, estádios para a Copa do Mundo de 2014 e orçamentos recordes do governo para a reforma de estradas fazem hoje com outras empreiteiras a mesma transformação gerada pelo “milagre econômico” quatro décadas atrás.

Os sinais da mudança estão nos números. Em um período de apenas cinco anos, entre 2006 e 2010, o seleto grupo de construtoras com faturamento superior a R$ 1 bilhão aumentou de cinco para 11 empresas. O time original era formado por Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Delta Construções. Juntaram-se a OAS, Galvão Engenharia, Construcap, Mendes Júnior, ARG e Egesa, conforme dados compilados pela revista especializada “O Empreiteiro”. Outras três construtoras já estavam bem perto de entrar no “clube do bilhão” em 2010 – Serveng-Civilsan, Schahin Engenharia e Carioca Christiani-Nielsen – e podem ter rompido essa marca no ano passado. Quase todas são dependentes de contratos públicos – e a retomada de investimentos da União e dos governos estaduais em grandes obras de infraestrutura deu uma nova cara à indústria de construção pesada.

A Galvão Engenharia, com donos oriundos da Queiroz Galvão, tem 63% do faturamento de contratos públicos
Algumas empreiteiras emergentes, como a Galvão Engenharia e a Mendes Júnior (reemergente), chegaram a quadruplicar o faturamento em cinco anos. Mas o setor disparou como um todo: as receitas totais das 100 maiores subiram, entre 2006 e 2010, de R$ 28,7 bilhões para R$ 67 bilhões. “Ficamos em um período de estagnação nas últimas décadas”, diz o presidente da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop), Luciano Amadio Filho. Para ele, a Lei de Responsabilidade Fiscal começou a abrir espaço para a retomada dos investimentos em infraestrutura, que ganharam impulso com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

“Muitas construtoras não estavam suficientemente capitalizadas para aproveitar essa onda”, diz Amadio. “Quem estava preparado, saiu na frente. Mas há oportunidades e desafios para todos. Quando o investimento voltou, havia máquinas paradas e fartura de mão de obra disponível. Hoje, estamos na fase de comprar mais equipamentos e em busca de técnicos qualificados.”

Uma das empreiteiras que souberam agarrar essa oportunidade foi a mineira Egesa, fundada nos anos 60 e reerguida em 1985, após quase ter chegado à bancarrota. “Até 2004, tivemos um crescimento constante, mas pequeno”, afirma Elmo Teodoro Ribeiro, presidente e principal acionista da Egesa. Um de seus sócios morreu em um acidente de carro enquanto tocava uma obra em Sergipe. Outro decidiu vender suas ações antes da recente explosão de obras, que encontrou a empresa preparada: havia obtido certificações internacionais de segurança e de meio ambiente, habilitando-se para as concorrências da Petrobras e da Vale.

A nova carteira da Egesa, antes concentrada em obras rodoviárias, é um retrato do que ocorre com a maioria das empreiteiras emergentes. Ela participa da reforma do Mineirão para a Copa do Mundo, faz parte do grupo que constrói os tanques de petróleo do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), tem 80% do consórcio responsável pela estação de tratamento de dejetos industriais da Refinaria Abreu Lima (parcela da obra orçada em R$ 800 milhões) e ergue 6 mil casas populares em Pernambuco para o programa Minha Casa, Minha Vida. Atua no exterior, na construção de duas rodovias em Angola e sonda empreendimentos em vizinhos como Bolívia e Colômbia. Aliou-se com os coreanos para entrar no leilão do trem-bala Rio-São Paulo-Campinas, que acabou não recebendo nenhuma proposta. E tem grande interesse em disputar a concessão da BR-040, prevista para este ano, depois de ter sido derrotada na concorrência da Fernão Dias.

“Estamos vendo o maior boom da construção pesada desde os anos 70?, acredita Ribeiro. Além da diversificação da carteira, com novas obras de infraestrutura, o empresário destaca o aumento da confiança no setor público, que deixou de atrasar pagamentos e ficar inadimplente com as construtoras. Quanto às perspectivas, ele é cauteloso: “A nossa meta é atingir R$ 1,5 bilhão de faturamento, em dois anos, até sentirmos segurança suficiente para darmos o passo seguinte”.

O clube das emergentes inclui histórias de quem surgiu de uma costela das gigantes. É o caso da Galvão Engenharia. Antigos sócios da Queiroz Galvão, quarta maior empreiteira do país, o arquiteto Dario Galvão Filho e três irmãos dele venderam ações da empresa, em 1995, para começar do zero no ano seguinte. Sem esconder suas raízes, a Galvão rapidamente se transformou em um ator importante da construção pesada, mas deslanchou a partir de 2006. Hoje, tem 63% do faturamento proveniente de contratos com o setor público, que lhe renderam algumas de suas principais vitrines: um lote do trecho sul do Rodoanel, as obras de modernização do aeroporto de Congonhas e a reforma do estádio Castelão, em Fortaleza. Agora, ela se prepara para disputar a concessão dos aeroportos, de olho especialmente no de Brasília.

Os investimentos do PAC e o reforço no orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) beneficiaram as empreiteiras. A Delta, do empresário Fernando Cavendish, encabeça desde 2009 a lista de pessoas jurídicas que mais recebem dinheiro da União. Só no ano passado, foram R$ 683 milhões – quase 20% a mais do que a segunda colocada, Glaxo Smith-Kline, fornecedora de medicamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2011, a Delta causou polêmica ao ser escolhida pela Infraero para construir às pressas um terminal remoto no aeroporto de Guarulhos, sem licitação. O Tribunal de Contas da União (TCU) questionou a forma de contratação e alertou para a falta de experiência da construtora nesse tipo de projeto. A previsão da Infraero, que era de inaugurar o terminal em 20 de dezembro, foi adiada depois do desabamento de parte do teto.

Cavendish, por si só, esteve no centro de duas controvérsias: foi acusado por dois empresários do setor de ter contratado o ex-ministro José Dirceu para fazer tráfico de influência em favor da Delta, em Brasília. Era de Cavendish, também, o helicóptero que caiu em Porto Seguro e deixou sete mortos, entre os quais a namorada do filho do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). O episódio jogou luzes sobre as relações entre Cavendish e Cabral.

Para o consultor Paulo Matos, autor de vários livros sobre o mundo da construção pesada, as empreiteiras emergentes trouxeram maior dinamismo para esse mercado, apesar de terem inicialmente menos know-how em obras de alta complexidade. “Os clientes resolveram apostar nelas porque também perceberam que não era bom negócio estar nas mãos de quatro ou cinco construtoras. Era um oligopólio velado”, aponta o consultor.

Matos ressalta que “as oportunidades cresceram absurdamente”, mas é preciso tomar certos cuidados. Com o aumento da concorrência nas licitações, as taxas de retorno encolheram, os preços de insumos subiram e o espaço para repasse é menor, a escassez de mão de obra preocupa cada vez mais e os órgãos de fiscalização de obras públicas aumentaram o rigor. Por isso, ele adverte que o principal risco para as empreiteiras é se comprometer com uma carteira de obras maior do que sua real capacidade de atendimento. “Depois de muitas lições, as empresas começaram a aprender que é mais fácil morrer de indigestão do que de inanição”, conclui o especialista.

 

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