Julian Perez-Cassarino e Larissa Packer*
“Eu venho de uma família que tem a semente como uma coisa sagrada. No tempo do meu pai, os vizinhos dormiam tranqüilo pois sabiam que meu pai tinha semente garantida para o plantio”. (Agricultor familiar – Paraíba)
As sementes são o maior patrimônio dos agricultores. São a base para a produção agrícola, portanto para a alimentação de qualquer nação. Durante dez mil anos, comunidades de agricultores, indígenas e povos tradicionais melhoraram e multiplicaram suas sementes livremente, fazendo da troca de sementes um momento de união e partilha entre povos e nações.
Não é por outro motivo que tratados internacionais como Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura -TIRFAA (art. 5, 6 e 9), e a Convenção da Diversidade Biológica – CDB (art. 10, c e 8, j) protegem e incentivam o empoderamento das práticas comuns como armazenamento, troca, venda e melhoramento de sementes on farm (nas unidades produtivas) pelos agricultores, fundamentais à conservação da biodiversidade e da agrobiodiversidade dos países.
Somente nos últimos 40-50 anos é que as sementes se tornaram um grande negócio, pequenas mudanças feitas pelas multinacionais podem ser patenteadas e as sementes, que sempre foram de livre intercâmbio, passaram a ser privatizadas e passaram das mãos dos agricultores, portanto dos cidadãos de cada país, para as mãos das grandes empresas.
Hoje, com o desenvolvimento dos transgênicos, as empresas desenvolveram um tipo de transgenia que permite o controle total e absoluto das sementes por parte das empresas, fazendo com que os agricultores e mesmo os grandes produtores fiquem reféns das multinacionais para poder obter suas sementes. Nosso alimento passará a ser controlado por 4 ou 5 empresas que dominam mais de 60% do mercado mundial de sementes. A este novo tipo de transgênico chama-se Terminator.
Como o meu pai, que sempre tinha costume daquela sementeira, ele plantava em um ano, depois ele selecionava, debulhava tudo à mão, eu lembro que eu ajudava ele, era gostoso debulhar assim. Então imagine, uma semente dessa vindo, iria acabar com uma tradição já de anos, não é? E depois não poderia ser utilizado novamente. (Agricultor familiar, Paraná)
A tecnologia Terminator (que quer dizer “exterminador” em inglês) se refere a modificações genéticas feitas nas plantas para produzirem sementes estéreis, ou seja, que não se reproduzem. No meio científico esta tecnologia é chamada de GURTs, que é a sigla em inglês para “Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso”. Deste modo, há um controle biológico do uso próprio, já que a semente que é guardada da colheita de uma variedade com tecnologia Terminator não poderá ser usada para plantio na safra seguinte, pois esta não germinará, ela está morta.
É como se nós estivéssemos programados também pra morrer. Como se a gente soubesse que em determinada hora iríamos morrer. Como se tivéssemos um curto prazo aqui, terminando a safra morreríamos. É isso o que eles estão programando para as sementes. (Agricultor familiar – São Paulo)
Quais as possíveis conseqüências desta tecnologia?
Um Grupo Técnico de Especialistas contratado pelas Nações Unidas avaliou os impactos potenciais das GURTs sobre agricultores familiares, camponeses e comunidades tradicionais e concluiu que elas se caracterizam como uma forte ameaça à garantia da soberania e da segurança alimentar destas comunidades.
Entre os impactos da tecnologia Terminator abordados no Relatório, destacam-se:
- Pode reduzir e limitar as práticas tradicionais de intercâmbio de sementes;
- Pode reduzir a capacidade de inovação e o conhecimento local das comunidades sobre melhoramento de plantas;
- Pode reduzir ou afetar negativamente a agrobiodiversidade local, resultando na deterioração dos sistemas tradicionais de conhecimento;
- Pode levar à dependência de sementes ou a perdas de cultivos;
- Pode causar, de maneira irreversível, alterações ambientais negativas result antes do cruzamento entre variedades Terminator e plantas normais.
A mais nova justificativa para a utilização das tecnologias genéticas de restrição de uso é sua utilização como uma “medida de biossegurança” para evitar a contaminação de plantas convencionais ou agroecológicas por variedades transgênicas.
Esta proposta é particularmente perversa, pois pode desenhar o seguinte cenário para as comunidades de agricultores familiares e camponeses. Caso admitamos que não haveria continuidade na contaminação, o fato é que na primeira geração há contaminação, e o agricultor convencional ou orgânico contaminado perderia suas sementes dali pra frente, pois já estariam contaminadas pelo Terminator. Ou seja, se por um lado a contaminação não seguiria é porque as sementes do agricultor contaminado se tornariam também estéreis.
Por estas e outras motivações, os 193 Países-Parte da Convenção da Diversidade Biológica estabeleceram uma moratória internacional à tecnologia Terminator ou de restrição de uso, através da Decisão V/5, em 2000. Esta moratória vem sendo renovada nas COPs e sua manutenção foi apoiada pelo governo brasileiro nesta última COP 10 ocorrida em Nagoya, conforme manifestação da Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty, Aviso nº 10/DEMA/CGFOME/AFEPA/SEAN BRAS, de 23/04/2010.
é uma tecnologia que tira a autonomia dos pequenos agricultores, porque ela vai fortalecer só as grandes empresas que vão produzir as sementes. Vão tirar essa possibilidade que o agricultor tem de fazer a seleção da semente, guardar da forma que ele está acostumado tradicionalmente, que ele aprendeu com o pai, com a mãe, com o avô. (Agricultor Familiar – Maranhão)
Como está a situação do Terminator no Brasil?
Atualmente, a Lei de Biossegurança proíbe “a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso” (art. 6º, lei 11.105), que envolvam a geração de estruturas reprodutivas estéreis ou a ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos.
Mesmo sob o peso de uma moratória internacional e diante da atual proibição nacional, dois Projetos de Lei no Congresso tentam liberar as sementes Terminator no Brasil. O PL 268/07, originalmente apresentado pela hoje senadora Katia Abreu (DEM-GO), e hoje de autoria do Dep Eduardo Sciarra do DEM-PR. Em 2009, o Deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que nunca atuou no campo da agricultura, apresentou o PL 5575/09 que prevê a liberação das sementes Terminator no Brasil. Ano passado a Campanha Por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos fez uma denúncia informando que o arquivo que está disponível no site da Câmara dos Deputados com a proposta do PL tem como origem o computador de uma das advogadas da empresa Monsanto! Evidenciado os claros interesses que estão por trás da aprovação deste Projeto de Lei. Este Projeto de Lei foi muito questionado na sua tramitação na Câmara e agora se propôs a criação de uma comissão especial para agilizar sua tramitação.
Em primeiro lugar é a miséria. Porque pense bem, se formos pensar em nós, que somos pequenos agricultores, nós vivemos do que? Da nossa própria semente! Então nós não podemos comprar a semente! Nós mesmos produzimos nossa própria semente. E daí imagine a miséria que não vem… Porque o agricultor não vai conseguir plantar a própria semente que ele tem. Então vem mais miséria, ao invés de ajudar o agricultor, só virá mais miséria. (Agricultora familiar – Paraná)
Acho que em nível de Brasil haveria um impacto muito grande na perda dessas sementes, pois iria causar principalmente uma dependência do agricultor ter que todo ano comprar as sementes das multinacionais. Pra nós isso é uma regressão no processo cultural das comunidades. Também porque o que sustenta o Brasil hoje é a agricultura camponesa e pra nós, assim que retiramos a semente temos que guardá-la não tem como todo ano comprar novas sementes. (Agricultor familiar – Paraná)
No Brasil, tem se ampliado a cada dia a pressão pela aprovação das árvores transgênicas. Vista com ressalvas pela maioria dos países na CDB-ONU, a pressão de algumas nações abriu a possibilidade para que cada país pudesse decidir por conta e risco pela aprovação das árvores transgênicas. Os riscos se ampliam e potencializam, o pólen das árvores se dispersa a distâncias muito maiores, ampliando os riscos de contaminação. A utilização cada vez maior de celulose e o avanço da biologia sintética na pesquisa para o uso de celulose como agrocombustível potencializa a pressão das transnacionais pela aprovação do eucalipto transgênico, que já tramita na CTNBio.
A aprovação do Terminator pode estar “casada” com este processo, pois um dos “argumentos”, conforme já dissemos, é que se todas as árvores transgênicas também fossem Terminator poderia se evitar o alastramento da contaminação. No entanto, segundo estudiosos, a tecnologia é muito instável e possui muitas falhas, fazendo com que indivíduos que estão programados para não germinar, mesmo assim germinem, mantendo os riscos de contaminação.
Tanto no Brasil, como nos demais países, é necessário que haja um grande processo de mobilização social afim de evitar a qualquer custo a liberação desta tecnologia. Para além dos riscos evidentes em termos ambientais, sociais e para a saúde humana dos transgênicos, a liberação da tecnologia terminator pode significar a sentença final em termos da total dependência dos agricultores das transnacionais e do controle destas sobre a produção agrícola e florestal em nossos países, deixando à mercê de suas vontades e interesses econômicos o destino da nossa agricultura, dos nossos agricultores e da nossa alimentação.
O impacto vai ser pra nação inteira, porque é uma questão de segurança alimentar. Na medida em que se está nas mãos de meia dúzia de empresas no mundo que vão dominar essa tecnologia, colocam-se milhões de pessoas na dependência dessa tecnologia, sendo que eles vão fazer o que bem entenderem. Nós nunca precisamos disso, se nós chegamos hoje até onde nós chegamos, é porque a maneira como as coisas vinham sido feitas, naturalmente, era a maneira correta. (Agricultor Familiar – Santa Catarina)
*Julian Perez-Cassarino – Campanha Terminar Terminator-Brasil y Larissa Packer – ONG Terra de Direitos
*Os depoimentos foram extraídos do vídeo “Terminator: sementes transgênicas da morte”, para acessar, contatar através de [email protected]
http://www.ecodebate.com.br/2012/01/05/tecnologia-terminator-em-cultivos-agricolas-e-arvores-transgenicos-uma-ameaca-a-soberania-alimentar/