Em Taqui Pra Ti
Quem é aquele gringo jovem, louro e de olhos azuis, desengonçado e bonachão, que desembarca no Brasil, em 1966, em plena ditadura militar, com a mala cheia de livros em inglês? O que vem fazer aqui? A Polícia Federal, paranoica, desconfia que se trata de um militante maoista. É que Waud Hocking Kracke nasceu em Pequim, em 1939, diz seu passaporte norte-americano. Muito suspeito. Consultada, a Embaixada dos EUA esclarece: o pai e a mãe dele, americanos, viveram breve temporada na China. Mas o “pequinês” tem ficha limpa. Vem ao Brasil estudar os índios para uma tese de doutorado em antropologia na Universidade de Chicago.
O “maoista subversivo”, às gargalhadas, contou essa história ao seu amigo, também antropólogo, José Carlos Levinho, atual diretor do Museu do Índio. Liberado, enfim, pelos meganhas, Kracke se embrenhou na floresta amazônica, na região do rio Madeira, onde conviveu com os Parintintin, cuja língua começou a falar antes mesmo do português. Levinho diz, brincando, que o português dele guardava forte sotaque da língua Kagwahiv, que aprendeu para se comunicar melhor com os índios.
Kracke conviveu com os Parintintin nos igarapés Maici-Mirim, Traíra e Nove de Janeiro no período de abertura da rodovia Transamazônica, quando aldeias foram invadidas e malocas incendiadas. “Aprendi, então, a ministrar remédios e a enterrar os mortos“, contou a Levinho, lembrando com tristeza que prestou assistência às vítimas de violências físicas, de malária e de gripe, sem qualquer apoio oficial. “Durante a construção da estrada, não foram poucos os estupros e assassinatos de índios”, disse, trazendo informações que interessam à Comissão da Verdade na apuração dos crimes cometidos pela ditadura. (mais…)
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