Uma educação imposta de cima para baixo, desconsiderando as características próprias de cada realidade local, que ignore demandas profissionalizantes e seja tocada por professores mal tratados pode mudar a vida de um povo?
Demorei para comentar o anúncio da prefeitura do Rio de Janeiro, que utilizou uma linha de montagem para falar da educação, mas achei que valeria uma discussão mais ampla.
Estou farto daquele papinho do self-made man cansativo de que professores e alunos podem conseguir vencer, com esforço individual, apesar de toda adversidade, e “ser alguém na vida”.
Aí surgem as histórias do tipo “Joãozinho comia biscoitos de esterco com insetos e vendia ossos de zebu para sobreviver. Mas não ficou esperando o Estado, nem seus professores lhe ajudarem e, por conta, própria, lutou, lutou, lutou (às vezes, contando com a ajuda de um mecenas da iniciativa privada), andando 73,5 quilômetros todos os dias para pegar o ônibus da escola e usando folhas de bananeira como caderno. Hoje é presidente de uma multinacional” – adoro citar essa historinha, pois ela é inventada, mas muito real.
Passando uma mensagem “se não consegue ser como Joãozinho e vencer por conta própria sem depender de uma escola de qualidade e de um bom professor, você é um verme nojento que merece nosso desprezo”. Daí para tornar as instituições públicas de ensino e a figura do próprio professor cada vez mais acessórias é um passo.
Educação é a saída, mas qual educação? Aquela defendida pelo pessoal do “Amigos do Joãozinho”?
Educar por educar, passar dados e técnicas, desconsiderando a sua própria realidade, sem conscientizar o futuro trabalhador e cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, é o mesmo que mostrar a uma engrenagem o seu lugar na máquina e ponto final.
Uma das principais funções da escola deveria ser produzir pessoas pensantes e contestadoras que podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar. Pode ser única para cada lugar ou uma grande linha de montagem. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação precisamos ter? Para essa tarefa, professores bem formados e remunerados são fundamentais.
Em algumas sociedades, pessoas assim, que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam, são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança, chamadas de mal-educadas e vagabundas e acusadas de serem resultado de uma educação que não deu certo.
Bom mesmo é quando, da fornada, sai um outro tijolo para o muro, igualzinho ao anterior. E ao anterior. E ao anterior…