Ministro da Justiça garante a demarcação da TI Passo Grande do Rio Forquilha; indígenas denunciam ações da elite ruralista. Leia a Carta dos Kaingang

TI Passo grande forquilhaGapin e Cimi-Sul – equipe Iraí – O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seguido de comissão formada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, pelo presidente do Incra, Carlos Guedes, pela presidenta da Funai, Maria Augusta Assirati, entre outros assessores dos governos federal e estadual, esteve na manhã do dia 18 de novembro na cidade de Passo Fundo (RS), onde se reuniu com lideranças Kaingang da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha (na foto ao lado pode-se ver o acampamento onde os indígenas viviam antes de inciarem o processo de auto demarcação) para tratar da continuidade do processo de demarcação da área em questão.

A reunião foi marcada após a ida de Leonir Franco, Cacique da área indígena, até Brasília para contrapor os argumentos utilizados pelo ministro ao decretar de maneira arbitrária a suspensão da demarcação da TI Passo Grande do Rio Forquilha. Na ocasião, José Cardozo prometeu que viria até a área em conflito para averiguar as informações relatadas pelo Cacique. No entanto, às vésperas do encontro, alegando preocupações com segurança pessoal e da comunidade indígena, transferiu a reunião para a cidade de Passo Fundo.

Já no início da reunião foi anunciado pela mesa de diálogo, composta pelas autoridades federais presentes e pelo secretário estadual Ivar Pavan, que a suspensão da Portaria Declaratória da área nunca esteve em questão e que, em decorrência dos conflitos entre indígenas e agricultores, a Presidência da República estaria criando um programa com fundo específico para providenciar indenizações necessárias aos agricultores que ocupam terras declaradas como indígenas.

Em caráter de conselho, mas em tom de ameaça, o ministro enfatizou várias vezes que a continuidade do processo de demarcação dependeria da paz entre os lados, ou seja, que cessassem imediatamente as campanhas de auto demarcação. Imediatamente os Kaingang rebateram o argumento demonstrando ao ministro que não existe nenhum conflito entre a comunidade indígena e os pequenos agricultores. Exemplificaram que o que existe na verdade é uma série de disputas encomendadas por ruralistas e políticos que possuem base eleitoral e interesses diretos na região. Denunciaram publicamente o secretário de Desenvolvimento Rural do Estado, Ivar Pavan, e o assessor do governador do RS, Milton Viário, que se faziam presentes na reunião, por práticas coercitivas e de má fé contra os indígenas e apontaram com clareza a demora no processo de demarcação como causador direto dos conflitos insinuados pelo ministro.

Ao tentar se defender das acusações, o secretário Pavan acabou ressaltando outro ponto levantado pelos indígenas que se refere às diferentes formas de ocupação da área pelos supostos agricultores. Segundo os indígenas, e reforçado por Pavan, enquanto alguns agricultores ocupam a terra indígena por terem sido assentados injustamente pelo Estado, através de títulos ilegalmente concedidos pelo governo do estado, existem mais de 200 hectares de terra que foram colonizadas ilegalmente por outros proprietários. Esses 200 hectares já haviam sido oferecidos aos indígenas, sob ordem do próprio governador Tarso Genro, por Milton Viário, Ivar Pavan e Fabiano Pereira em reunião fechada, onde adicionados a uma série de direitos básicos referentes à educação, moradia e saúde, foram usados como tentativa de moeda de troca para que os indígenas abdicassem do tamanho total do território a ser demarcado.

As lideranças Kaingang presentes, entregaram ao ministro um mapeamento das propriedades que se encontram em área indígena e deverão ser indenizadas e garantiram que os pequenos agricultores diretamente afetados pela demarcação querem a indenização e não identificam os indígenas como inimigos. O que ocorre é que a partir de tanta indefinição e demora é impossível que os agricultores tenham certeza de que serão realmente indenizados pelos órgãos responsáveis.

Depois de apontadas uma série de possibilidades concretas de resolução do problema por parte da comunidade, a reunião teve um encaminhamento dúbio. Os representantes governamentais deixaram aberta a possibilidade de reuniões entre Incra, Funai e os pequenos proprietários para que, caso a caso, sejam encontradas soluções para a retirada dos colonos. Enquanto isso, os indígenas cobraram do ministro a continuidade do processo demarcatório porque, como alegaram, na sequência dos estudos, mais precisamente na etapa denominada levantamento fundiário, esse levantamento dos casos será feito e é necessário para garantir de fato a demarcação.

Por parte da Funai, o órgão afirmou na figura de seu coordenador regional, Roberto Perin, a presença histórica dos indígenas sobre esta área e a seriedade dos laudos e estudos realizados. O próprio ministro, mais uma vez garantindo que não existem possibilidades de revogação da Portaria Declaratória disse ter ciência e certeza de que os estudos realizados pela Funai na área de Passo Grande do Rio forquilha não contém erros e são indubitavelmente verossímeis.

Após o término da reunião, enquanto José Eduardo Cardozo e Pepe Vargas partiram para Porto Alegre para encontrar-se com o conjunto de supostos agricultores, articulados pela Farsul e Fetraf-Sul, denunciados pelos indígenas como causadores de confusão e conflitos, os assessores do ministro da Justiça e do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, junto a Carlos Guedes, presidente do Incra e a Coordenação da Funai de Passo Fundo, se dirigiram à Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha para ouvir a comunidade e os pequenos agricultores.

Devido ao atraso do ministro na sua chegada em Passo Fundo, muitos dos agricultores que esperavam ansiosos já haviam partido para seus trabalhos cotidianos, porém um grupo de pequenos agricultores permaneceu e garantiu a representatividade destes em meio aos indígenas. Os agricultores falaram abertamente à comitiva governamental. Garantiram que o problema nunca foi deixar a terra, mas sim que desejavam partir com a certeza de que os direitos às indenizações e políticas de compensação fossem cumpridos, para que não perdessem o que acumularam durante suas vidas.

Os pequenos agricultores reclamaram da demora no processo, elencando esta demora como causadora da incerteza de muitos outros agricultores que não estavam presentes no momento. Semelhante ao declarado pelos Kaingang, os pequenos agricultores se declararam amigos dos indígenas e ressaltaram que os conflitos não foram ocasionados pelos ocupantes que se encontram nas áreas a serem demarcadas, mas sim, por elites ruralistas locais que não os deixam participar das reuniões e não os informa sobre o que está realmente acontecendo.

Por fim, houve uma demorada e esclarecedora explicação dos processos indenizatórios por parte da comitiva governamental e os agricultores reafirmaram que estariam satisfeitos com a indenização. Tanto agricultores quanto os Kaingang pediram a continuidade dos estudos e principalmente que se realizasse o levantamento fundiário,a fim de dar maior rapidez à resolução da situação e, por fim, ao clima de incertezas causado pela inércia do ministro da Justiça. A preocupação de ambos os lados é a de que sejam feitas análises de cada caso para estudos de políticas compensatórias e depois de todo este processo ainda tenham de esperar procedimentos oficiais para que a demarcação e os reassentamentos e indenizações possam ser de fato efetuadas.

Quanto à questão da garantia de paz na Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, os Kaingang deixaram claro seu posicionamento expresso em documento entregue pelos indígenas ao representante do Ministério da Justiça: não se pode culpabilizar as vítimas por falta de ações efetivas dos próprios órgãos responsáveis. A demora no procedimento demarcatório é o principal gerador de dúvidas e tensões por todos os lados. Ressaltaram ainda que o conflito não se dá entre os pequenos, mas sim por conta de interesses de latifundiários e políticos.

O que a comunidade Kaingang vinha cobrando há muito tempo aconteceu: foram ouvidas as partes diretamente afetadas no processo e as possibilidades de soluções se apresentaram claras e concretas. Os agentes do governo não podem alegar que não sabem o que fazer, nem que providências e que caminho precisam tomar. Está nas mãos do ministro e do governo garantir a aplicação da Constituição Federal e o direito de todos. Só assim haverá a paz que eles cobram de indígenas e de agricultores.

Rio Grande do Sul, 22 de novembro de 2013

  • Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (Gapin)
  • Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Sul-Equipe Iraí

Leia abaixo a carta entregue ao ministro pelos Kaingang no dia da reunião:

De: Povo Kaingang,

Leonir Franco, Cacique da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha.

Ao Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso

Senhor Ministro da Justiça,

Nós da comunidade Kaingang da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha esperávamos que fosse cumprida a promessa feita pelo senhor de que esta reunião seria realizada dentro da área indígena a ser demarcada. Desta maneira, se existisse tal interesse, o Senhor em pessoa poderia ter dialogado com a comunidade indígena e com os pequenos agricultores diretamente envolvidos com o processo de demarcação, baseando suas decisões em fatos concretos e na verdade. Infelizmente, o fato desta reunião ser realizada em uma cidade distante do local em questão faz com que o propósito da mesma já esteja prejudicado.

Inclusive lamentamos o formato desta reunião, que será realizado distante da comunidade e de uma representatividade mais ampla dos indígenas. Quando vocês do Governo recebem os representantes tanto dos agricultores quanto dos setores ruralistas, os recebem em grande número com grandes recepções enquanto a nós indígenas, vocês têm recebido de maneira figurativa ou representatividades pequenas como um cacique ou um representante apenas, o que demonstra uma grande diferença de tratamento e de interesse.

É com preocupação que recebemos o Senhor aqui no estado, porque não sabemos de seus reais interesses, se são de um Ministro de Estado preocupado em solucionar os problemas a partir das determinações constitucionais ou simplesmente de um político, do partido governista, que quer fazer média para agradar eleitores ou setores da sociedade que exploram as terras, especificamente aqueles ligados ao agronegócio.

Pelas decisões que o Senhor tomou nas últimas semanas, com relação às demarcações de terras e especialmente de nossa terra, pedindo arbitrariamente que a Funai suspendesse as demarcações que estavam sendo realizadas ou que seriam concluídas, inclusive por acordo judicial, a nossa conclusão é de que o Senhor já tomou um lado na história, e, ao que nos parece, é o lado dos invasores, grileiros e exploradores das terras indígenas. Se for esse o seu posicionamento, o de governar para esse tipo de gente, lhes asseguramos que o Senhor não é bem vindo na nossa terra e asseguramos que em nenhuma outra Terra Indígena do nosso estado.

Por outro lado, se o Senhor nos disser que irá demarcar as nossas terras e que está disposto a ouvir e atender as demandas dos pequenos agricultores, aqueles que sofrem com as indefinições do seu governo porque não os quer indenizar (nos referimos aqui às famílias que vivem sobre as terras indígenas não por culpa delas, mas porque o Estado concedeu de forma irregular títulos de propriedade onde não devia ou porque pela omissão dos governos se permitiu que famílias de agricultores fossem assentadas, mesmo sem título de propriedade, nas terras indígenas ao longo das últimas décadas) então, nós estamos dispostos a acolher o Senhor, conversar com o Senhor, discutir e ajudar a construir os caminhos tendo em vista a garantia de nossos direito s constitucionais, a demarcação e garantia de nossas terras, e as indenizações e reassentamentos das famílias dos pequenos agricultores que vivem sobre nossas terras.

É preciso reafirmar ao Senhor, e assim já o fizemos, que para este diálogo ser eficaz e verdadeiro, devem ser escutados os pequenos agricultores que REALMENTE vivem na área demarcada e não aqueles que a FETRAF-SUL tem apresentado como tal. A FETRAF-SUL, ao que nos parece, tem pouca legitimidade com os agricultores que devem ser indenizados e, em função de andar mais preocupada em garantir os interesses de grileiros, os têm deixado a mercê de advogados que os exploram com promessas de que inviabilizarão os processos demarcatórios. E ressaltamos, Senhor Ministro, que os tais advogados cobram honorários inclusive de agricultores que nem ao menos se encontram dentro do perímetro a ser demarcado e isso tem gerado uma série de conflitos desnecessários. Inclusive a FETRAF-SUL já apresentou para o senhor, em reunião oficial, agricultores de outras regiões fazendo-os passar como agricultores das áreas de conflito.

Senhor Ministro da Justiça, alertamos que a situação é grave. Aqui nesta terra e nas demais áreas em disputa, vivemos sobre os trilhos de um conflito sério e com proporções incalculáveis. Pode, Senhor Ministro, acontecer derramamento de sangue. Nós não temos essa intenção, mas o Senhor deve entender que em nossa história fomos vítimas das violências dos colonizadores, dos governantes e das políticas públicas que sempre nos excluíram.

Senhor Ministro da Justiça, isso tudo está guardado e latente em nossa memória, em nossas vidas, em nosso sangue. Hoje, por pressão e avanço por parte de grandes, que o governo insiste em definir como pequenos, estamos sofrendo novamente e não podemos mais aguentar isso. Não queremos praticar injustiças contra ninguém, mas estamos cansados das injustiças que vocês estão praticando contra o nosso povo. Nós ainda estamos dispostos e abertos ao diálogo e queremos uma justa solução.

Sua visita, aqui em nossa terra, pode ter dois desdobramentos, um de paz e harmonia se o Senhor ouvir os pequenos agricultores e aqui novamente nos referimos àqueles que vivem dentro de nossas terras e não aqueles que estão sendo articulados pela Fetraf-Sul, Farsul, políticos inescrupulosos como Ivar Pavan, Alceu Moreira, Luiz Carlos Heinze, Milton Viário, o próprio governador Tarso Genro e outros que têm como preocupação exclusiva defender seus interesses políticos eleitoreiros e os grupos econômicos. Em função disso promovem a intriga e o conflito. Senhor Ministro, temos certeza de que essa gente não defende os pequenos agricultores que vivem sobre as terras em demarcação, mas aqueles que estão nas cidades e apenas as exploram, inclusive grilando terras dos pequenos que aqui vivem.

Nossa convivência com os verdadeiros pequenos agricultores da região é pacífica e, assim como nós, eles têm esperado pacientemente por uma decisão do governo. Eles aceitam e desejam a indenização e reconhecem, inclusive presente no laudo de estudo realizado pela Funai, que esta terra por direito pertence ao povo Kaigang.

O segundo desdobramento, Senhor Ministro, é o conflito. Se o Senhor não demarcar as terras e não indenizar aqueles que merecem serem indenizados, porque têm direitos, nós lamentamos, mas não haverá paz nestas terras. E o Senhor que teve a oportunidade de resolver os conflitos e não o fez será responsabilizado por tudo de ruim que vier a ocorrer.

Senhor Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, a solução está em suas mãos. Confiamos no seu bom senso, confiamos que seguirá as determinações constitucionais. Mas, caso o Senhor preferir os caminhos da politicagem e das injustiças, deverá assumir as consequências de suas escolhas. Isso não é uma ameaça, apenas mais um aviso.

Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, 18 de novembro de 2013.

Cacique Leonir Franco

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