Os pingos nos iis: Eco-nomia

As palavras são ferramentas de primeira importância na construção do mundo no qual vivemos. Convém então pôr os pingos nos iis e usar adequadamente essas ferramentas

Stéphan Munduruku Kaiowá

A etimologia do termo “economia” é clara: do grego oikos, a casa, e nomos, administração, ou seja, a administração da casa. A administração é a gestão que defende os interesses do objeto administrado. A economia é então a gestão da casa defendendo seus interesses. Em outras palavras mais triviais, o processo que faz com que a casa funcione.

Mas, e a casa? A casa é o lugar no qual moramos, e por extensão, o lugar no qual vivemos. O sentido associado de “lar” indica não só a comunidade como também o lugar que nos permite preparar nossos alimentos (lareira), que nos sustenta, que nos faz viver.

Este sentido da casa como comunidade/sociedade e lugar de vida empurrou os limites da moradia, ao país, e, hoje, até o planeta.

Nossa economia global é a administração do planeta. A questão é saber se esta administração defende os interesses do planeta, no sentido de eco-sistema.

Não é difícil determinar os interesses do planeta: basicamente, poder continuar existindo junto com os seres vivendo nele. Simplesmente não ser destruído.

O desmatamento, a fome, a poluição, a miséria, o esgotamento dos recursos naturais,… são contrários aos interesses de nosso lar planetário por serem destrutores.

No entanto, são provocados pelo que chamamos “economia”. Vejo nisso um profundo paradoxo.

Voltemos ao dicionário para definir a palavra economia.

     economia : substantivo feminino

          1. Regra e moderação nos gastos.

          2. Habilidade em administrar os bens ou rendimentos.

          3. Conjunto de leis que presidem à produção e distribuição das riquezas.

          4. Proveito que resulta de gastar pouco.

          5. Harmonia entre as diferentes partes de um corpo organizado e seu funcionamento geral.

          6. Leis que regulam esse funcionamento.

– Nossa “economia” é moderada nos gastos?

– Nossa administração dos bens e rendimentos é habilidosa?

– Distribuímos as riquezas produzidas?

– Gastamos pouco?

– Há harmonia entre as diferentes partes da sociedade (o corpo organizado) e seu funcionamento?

– Nossas leis regulam esse funcionamento?

Opa! A resposta a todas as perguntas é… NÃO. Nossa “economia” não cumpre nenhuma de suas funções !

Quando usada no plural, a palavra “economia” tambem significa “reserva”, “pé de meia”, enfim, alguma coisa com a qual tentamos nos prevenir de eventuais períodos de “vaca magra”, o que supõe uma projeção no futuro.

Neste sentido, tampouco nosso sistema “econômico” garante nosso futuro, nem o de nossos filhos e netos. Ao contrário, ano passado, no dia 22 de agosto, já tínhamos gasto tudo o que a terra pode produzir num ano. Até o final do ano, vivemos a crédito. E esta dívida aumente a cada ano… Nossa “economia” cria dívidas em vez de economias.

Cheguei então a conclusão que o que chamamos com tanto orgulho de “economia”, o motor de nossa civilização, o que manda e pretende resolver tudo… não é uma economia. É uma anti-economia.

Temos uma ciência que estuda esta “casa” na qual vivemos: a ecologia (do grego oikos, a casa, e logia, ciência). A economia, para se sustentar, deveria respeitar as regras estudadas pela ecologia.

Todo organismo tem sua economia. Quando nos alimentamos, todas as partes de nosso corpo usam uma parte deste recurso para poder assegurar a sua função no organismo. Se uma parte está em desequilíbrio (por causa de uma doença, um ferimento…) suas necessidades mudam, e o conjunto todo tem que se adequar à situação para restabelecer o equilíbrio. A solidariedade é total e incondicional.

Da mesma forma, o planeta distribui seus recursos conforme as necessidades de seus componentes, e, por funcionar em circuito fechado (só a energia provém de fora), trata e recicla constantemente a matéria.

Para mim, a ecologia é a ciência da economia natural, e esta economia dinâmica é muito eficiente há muito tempo.

É surpreendente constatar que temos, bem de baixo de nosso nariz, um modelo funcional e sustentável de economia. Mas preferimos, com desmedido orgulho, inventar um sistema inviável e destrutor por não respeitar as leis da ecologia.

Considerando que os problemas vividos hoje pela humanidade (destruição ambiental, guerras, fome, acidentes nucleares, desemprego, crises financeiras…) são gerados principalmente pelos princípios de nossa “economia”, me atrevo a afirmar que vivemos na verdade uma crise ecológica, e não meramente econômica, pois as bases de nossa “economia” estão ecologicamente erradas.

A humanidade se excomungou de sua “casa” provocando uma série de desequilíbrios que se tornaram fatais.

Mas esta distorção do sentido da palavra “economia” traz benefícios para alguns que tentam nos convencer que ela é  uma “verdade” absoluta e inquestionável. Questionar o desperdício que leva à escassez dos recursos é considerado “fantasia”, falta de realismo, enfim, uma atitude antissocial, irresponsável e contrária ao “desenvolvimento”.

Ora, um desenvolvimento gerador de tantos problemas, eu não chamo de desenvolvimento !

(Esta palavra “desenvolvimento” mereceria também ser estudada para entendermos seu significado.)

Tais deslizes semânticos (são muitas as palavras nesse caso: democracia, sustentabilidade, justiça, felicidade…) são usados, e até provocados, para nada mais de que piratear nosso entendimento, nossa inteligência, nossa humanidade !

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