Como sobreviver aos comerciais de TV que vendem 2015 como um ano bom?, por Leonardo Sakamoto

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Este não foi um ano bom. E considerando que ainda falta meio mês para o derradeiro porre de sidra, ele pode piorar. Na balança das coisas, pessoalmente tive uma translação do sol complicada. E desconfio que muitos concordariam comigo que 2015 foi – e, desculpe, mas não é hora de meias palavras – uma bosta.

O governo não tem sido competente para nos tirar de uma recessão econômica que ele mesmo ajudou a construir e está tornando a vida dos que têm pouco um inferno. A oposição se preocupa mais em pensar formas ilegais e legais de tomar o poder do que estruturar uma alternativa de país e, quando abre a boca, é para rifar ainda mais os direitos desses que nada têm. Temos um Congresso Nacional que, atacando direitos fundamentais, se esforça para que retornemos à Idade da Pedra. Há um psicopata na presidência da Câmara dos Deputados que acha que o país é sua caixinha de areia particular. Em meio a tudo isso, discursos de ódio e atos de intolerância explodiram. E, diante da incapacidade de lidar com a diferença, muita gente acha que está exercendo sua liberdade de expressão quando, na verdade, está apenas sendo idiota.

Tudo isso, aliado aos problemas pessoais de cada um, é motivo para chorar no canto da sala e blasfemar contra as divindades da mitologia cristã? Seria inútil, pois não há céu ou inferno para nos ouvir. E, é claro, vivemos um importante período de depuração da corrupção estrutural que deveria (assim espero) mudar a forma como fazemos negócios e como a coisa pública é vista neste país.

Mas, como já advoguei aqui antes, não sou obrigado a concordar que o ano foi lindo só para deixar feliz quem tenta se encaixar em uma ditadura da felicidade, alimentada por comerciais de TV e virais na internet, que fazem você se sinta um lixo, um pária, um tosco sem alma se não concorda que 2015 foi um ano bom. E que 2016 será mais feliz ainda. Quando apenas uma morsa em coma com QI de ostra acha que o ano que vem será incrível para todo mundo.

Só que dizer isso em público, nesta época do ano, assusta muita gente. Ainda mais em nossa sociedade do “deixa disso”.

Parece que afirmar que este não foi um ano bom significa que tudo foi horrível e que rastejamos feito lesmas catatônicas até o som da rolha da tal sidra do dia 31 de dezembro. Aconteceram coisas e pessoas maravilhosas, mas racionalizando – e na minha opinião – houve mais contras do que prós. É subjetivo? Claro. Só que tem gente que não entende isso e quer pasteurizar e homogeneizar as experiências de vida.

Creio que muita gente se esforça para negar o que houve de ruim. E aí qualquer posicionamento mais crítico acaba sendo um ataque frontal ao mundo de fantasia criado para protegê-los de sua própria realidade. E, quando se nega problemas, o crescimento que poderia decorrer da superação deles fica interditado.

Isso me lembra um conhecido que ficou incomodado com uma mulher que chorava em público. “Ai, ela não podia fazer isso em outro lugar?” Se estivesse rindo, ele não se importaria tanto. Porque, em verdade, o problema não era ela, mas ele. E o esforço colossal que ele fazia para ficar bem em sua vida complicada, com vergonha de que o mundo percebesse que as coisas não eram perfeitas. Se ele segurava a sua dor em público, por que ela não fazia o mesmo?

O fato é que, às vezes, a gente simplesmente não quer sorrir. E sim viver determinado sentimento porque ele faz parte da existência ou ainda para poder superá-lo e não enterrá-lo nos descaminhos da memória. Temos muitas das respostas das perguntas que indagamos a nós mesmos, mas não ouvimos porque não conseguimos ficar em silêncio e sozinhos o suficiente, conectados a discursos públicos que, no fundo, tratam de redenção e salvação. Mas quem disse que precisamos ser salvos?

Em tempo, não estou mal humorado. Como poderia? O Palmeiras foi campeão da Copa do Brasil.

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