A crise política e a incapacidade de alternativas institucionais. Entrevista especial com Valter Pomar

“Para interromper a ofensiva da direita é preciso recuperar o apoio do povo. E, para recuperar o apoio do povo, é preciso mudar a política econômica. Nós de esquerda podemos fazer de tudo para derrotar a direita, mas não teremos sucesso se o governo – por ação ou inação — continuar causando desemprego crescente e reduzindo políticas sociais”, afirma o historiador

Por Patricia Fachin – IHU On-Line

Para entender a crise política que permeou o ano de 2015, deve-se considerar que “está em curso uma contraofensiva reacionária”, diz Valter Pomar à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. “Essas duas palavras”, pontua, “expressam a dinâmica e o conteúdo do processo. Mas, por outro lado, essas duas palavras induzem as pessoas a acreditar que exista um ‘Estado Maior Unificado’ articulando a contraofensiva”.

Para ele, a crise política que se arrasta desde a reeleição da presidente Dilma demonstra que “há uma incapacidade de gerar saídas institucionais para a crise, o que por sua vez aprofunda a crise. O resultado disto é que as ‘soluções’ para a crise são buscadas, consciente ou inconscientemente, em zonas limite da institucionalidade e da legalidade. Um exemplo disto é o crescimento da violência sistêmica dos aparatos de segurança do Estado, contra os setores populares; outro exemplo é o caráter cada vez mais sistêmico da corrupção; e um terceiro exemplo é a judicialização da política”.

Na entrevista a seguir, Pomar também comenta a imagem do PT depois da prisão do senador Delcídio do Amaral e é categórico: “A imagem do PT foi afetada negativamente, pois trata-se de um senador eleito pelo Partido, filiado desde outubro de 2001 e ademais líder do governo Dilma no Senado.  Mas o PT, na minha opinião, ficará melhor sem o Delcídio, que se dependesse de mim e do setor do partido de que eu faço parte nunca teria sido filiado”.

Valter Pomar é historiador formado pela Universidade de São Paulo – USP e mestre e doutor em História Econômica pela mesma instituição. Foi secretário de Cultura, Esportes, Lazer e Turismo da prefeitura municipal de Campinas de 2001 a 2004.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Diante dessa crise política, qual é o ponto fundamental que deve ser observado e para o qual temos de estar atentos para compreender o que está acontecendo no Brasil neste momento?

Valter Pomar – O ponto fundamental é o seguinte: está em curso uma contraofensiva reacionária. Estas duas palavras expressam a dinâmica e o conteúdo do processo. Mas, por outro lado, estas duas palavras induzem as pessoas a acreditar que exista um “Estado Maior Unificado” articulando a contraofensiva. Quem acredita na existência de um “comitê central” da direita fica feliz cada vez que ganha uma batalha, achando que ganhou a guerra. Aí vai dormir e ao acordar descobre que começou um novo ataque, vindo de outro lugar. Na verdade, a contraofensiva possui diferentes vetores:

a) o grande empresariado, cujo objetivo central supostamente é reduzir o “custo Brasil”, mas de fato pretende rebaixar o salário direto e indireto da classe trabalhadora;

b) principalmente nos setores médios, atua uma direita social, os “zumbis coxinhas” que, nas ruas e/ou nas redes, vomitam um discurso saído das cavernas;

c) a direita partidária, que atua a partir de dois polos, um na oposição (o PSDB) e outro no governo (o PMDB), cujo objetivo central é derrotar o PT, embora estejam até agora divididos em torno de como fazer isto;

d) o oligopólio da mídia, que também possui diferentes interesses, táticas e discursos;

e) a alta burocracia do Estado, tendo mais visibilidade aquela que está no Judiciário, Ministério Público e forças de segurança em geral;

f) os setores que operam a partir do estrangeiro (governos, empresas, instituições etc.).

Os ataques ocorrem a partir de cada um destes vetores. Começaram a se tornar uma contraofensiva a partir de 2011, ganharam visibilidade em 2013 e quase resultaram na derrota de Dilma na eleição presidencial de 2014. A cronologia está ligada a combinação entre as políticas sociais adotadas desde 2003, a situação internacional desde 2007 e a evolução/composição da taxa de lucro do grande capital que atua no Brasil. Em comum, a contraofensiva possui três grandes objetivos:

a) realinhar o Brasil com os Estados Unidos, portanto nos afastar dos BRICS e da integração latino-americana;

b) reprimir a participação da classe trabalhadora na distribuição da riqueza;

c) reduzir o exercício das liberdades democráticas e dos direitos humanos por parte dos setores populares.

E quando falamos que eles pretendem reduzir a democracia, incluímos aí esta campanha contra as mulheres, negros/as, indígenas, cotas etc.; a criminalização dos movimentos sociais; e as tentativas de interditar o PT, Lula e a esquerda em geral.

Apesar de unificadas na estratégia, as diferentes direitas possuem – pelo menos até agora – diferenças táticas importantes. Alguns setores preferem deixar o governo implementar o ajuste recessivo, desgastar-se e desgastar oPT, para que em 2018 o governo caia completamente sob controle dos neoliberais. Outros setores temem que 2018 possa “repetir” 2006, preferem não correr o risco e defendem o afastamento imediato de Dilma, assim como a interdição imediata do PT e Lula.

Sendo assim e voltando à pergunta: o ponto fundamental que deve ser observado e para o qual temos de estar atentos para compreender o que está acontecendo no Brasil neste momento é a contraofensiva da direita; o centro da tática deve estar, portanto, no que fazer para interromper a ofensiva da direita.

Alguns setores entendem que a resposta é… impedir o impeachment. Quem pensa assim comete dois erros. O primeiro é não perceber que o impeachment é uma das táticas, mas não é a única tática da direita. O segundo erro é não perceber que o principal alimento do impeachment é a política econômica.

Minha opinião: para interromper a ofensiva da direita é preciso recuperar o apoio do povo. E para recuperar o apoio do povo, é preciso mudar a política econômica. Nós militantes de esquerda podemos fazer de tudo para derrotar a direita, mas não teremos sucesso se o governo – por ação ou inação— continuar causando crescente desemprego e reduzindo políticas sociais.

IHU On-Line – Como o senhor está acompanhando a atual conjuntura política e os desdobramentos da Operação Lava Jato?

Valter Pomar – Para compreender os desdobramentos políticos da Lava Jato, é preciso levar em conta pelo menos quatro variáveis:

a) a “crise de autoridade”, digamos assim, deste segundo mandato da presidenta Dilma;

b) a crise da estratégia adotada pelo PT;

c) a crise de legitimidade do “modo americano de fazer política”;

d) e a tendência à judicialização da política, bem como a partidarização do judiciário.

A crise do segundo mandato Dilma tem uma causa imediata: a presidenta foi reeleita prometendo não mexer no direito dos trabalhadores e dizendo que ajuste é coisa de tucano. Mas, ao começar o segundo mandato, a presidenta mexeu nos direitos e priorizou o ajuste. Ao agir assim, não ganhou um apoio do lado de lá, mas perdeu apoios do lado de cá. E como a presidenta Dilma foi eleita com pequena vantagem, o resultado é que ao perder apoio popular converteu-se num “governo minoritário”. Isto enfraqueceu o governo frente às instituições internacionais, frente ao judiciário e legislativo, frente aos poderes fáticos (grandes empresas, oligopólio da mídia), frente a setores da própria burocracia estatal etc. Enfraqueceu, sobremaneira, frente às chantagens de Eduardo Cunha. Se vivêssemos no parlamentarismo ou numa conjuntura mais tranquila, este enfraquecimento talvez não gerasse uma crise ou a crise talvez fosse resolvida mais rapidamente. Mas onde estamos e como estamos, o enfraquecimento gera, potencializa e prolonga muito a crise. Por que o governo fez a opção por um ajuste fiscal recessivo? Há vários motivos, mas os principais são os seguintes:

a) o governo e o partido continuam aplicando, em 2015, a estratégia adotada pelo PT em 1995 e reforçada em 2002 na Carta aos Brasileiros;

b) o governo e o partido não perceberam que as políticas de ajuste derivadas desta estratégia não terão, em 2015, os mesmos resultados que tiveram em 2003 e 2011.

Hoje no partido isto é percebido, ao menos em tese. Apesar disto, não se adota uma atitude adequada. E, por ação ou inação, persistir nesta estratégia está causando e causará mais enfraquecimento do governo e do PT, portanto mais crise. Falando em tese, o enfraquecimento do PT em si não deveria causar nada mais do que sua derrota nas próximas eleições. Acontece, entretanto, que o PT é um dos eixos ao redor do qual se estruturou a política brasileira depois da ditadura militar. E o enfraquecimento do Partido resulta, em boa medida, da contaminação do PT pelomodus operandi tradicional da política brasileira. Modus operandi que não está mais funcionando a contento, mesmo do ponto de vista da classe dominante. “Americanizado”, dependente da combinação explosiva entre dinheiro e mídia; baseado numa legislação que não agrada nem a direita nem a esquerda; depois de quatro eleições onde o PT elege a presidência da República, mas não forma maioria no Congresso; e onde os conservadores formam maioria de fato no Congresso, mas não elegem a presidência da República; tudo isto e muito mais faz com que hoje nenhuma força política ou social esteja em situação confortável. Faz com que a maior parte do povo esteja desconfortável com “a política” e com os “políticos”. E faz com que os partidos ganhem eleições, mas tenham dificuldades para implementar seus respectivos programas, gerando impasses duradouros.

Resumidamente: há uma crise, há uma incapacidade de gerar saídas institucionais para a crise, o que por sua vez aprofunda a crise. O resultado disto é que as “soluções” para a crise são buscadas, consciente ou inconscientemente, em zonas limite da institucionalidade e da legalidade. Um exemplo disto é o crescimento da violência sistêmica dos aparatos de segurança do Estado, contra os setores populares; outro exemplo é o caráter cada vez mais sistêmico da corrupção; e um terceiro exemplo é a judicialização da política. A Operação Lava Jato é uma das expressões desta judicialização da política. No concreto, a Lava Jato não é uma “conspiração”, nem um ato “republicano”. Trata-se de uma “campanha” promovida por setores da alta burocracia de Estado –MP, Justiça, PF–, que neste contexto marcado pelas crises anteriormente descritas, ganha autonomia relativa. Para além da conjuntura, há alguns elementos estruturais que devem ser considerados para compreender esta autonomia relativa, tais como:

a) a “base social” predominante nestas instituições de Estado, que é basicamente a mesma da direita social citada antes;

b) a autonomia e o protagonismo que o PT conferiu para aquelas instituições, como parte da lógica segundo a qual o Partido optava apenas por ser governo e abria mão de disputar o poder;

c) e, principalmente, o papel que tais instituições cumprem, de “protetor em última instância” de uma democracia restrita.

E foram os anos de presidência petista que, aos olhos destes setores, ameaçaram os limites desta democracia restrita. Ameaça que gera uma reação das instituições que não são eleitas e, portanto, são “protegidas” da “corrupção eleitoral”. Não necessariamente toda judicialização da política converte-se em partidarização do judiciário contra o PT. Noutro contexto – por exemplo, se o presidente Lula tivesse optado por fazer uma devassa dos governos tucanos – o judiciário, o MP e a PF estariam provavelmente jogando outro papel. Mas no caso da Operação Lava Jato realmente existente, a dinâmica aponta para interditar Lula e o PT. Para atingir este objetivo, eles causam “danos colaterais” sobre empresários, políticos e técnicos de outros partidos e setores sociais. Mas não é preciso muito esforço para perceber que há um alvo global sendo perseguido. Vão conseguir? Depende no fundamental da capacidade de reação do PT.

IHU On-Line – Como fica o PT e a imagem do PT depois da prisão do Senador Delcídio Amaral? O que o caso Delcídio demonstra sobre o funcionamento da política no país?

Valter Pomar – A imagem do PT foi afetada negativamente, pois trata-se de um senador eleito pelo Partido, filiado desde outubro de 2001 e ademais líder do governo Dilma no Senado. Mas o PT ficará melhor sem o Delcídio, que se dependesse de mim e do setor do partido de que eu faço parte, nunca teria sido filiado. Aliás, visto de agora, sabendo o que sabemos agora, fico com a impressão de que a filiação dele ao PT foi na verdade uma infiltração, uma operação de hedge. Tratava-se de entrar no PT, na véspera da eleição presidencial de 2002, e criar laços que poderiam ser úteis para manter funcionando um esquema de corrupção que surgiu durante a era FHC. O que o caso demonstra? Bem, várias coisas:

Primeiro, confirma que a corrupção é sistêmica.

Segundo, confirma mais uma vez que mesmo partidos de esquerda baixaram a guarda.

Terceiro: se tem bico de tucano, pena de tucano e nariz de tucano, é tucano.

Cá entre nós, já em 2005, recém-filiado ao PT, o senador Delcídio mostrou de que lado estava. E agora em 2015, suas recentes posições sobre o modelo de partilha e sobre a lei anti-terrorismo mostraram de novo qual o seu verdadeiro DNA.

Há mais uma coisa interessante neste episódio. Sabemos que o sistema geralmente protege os seus. Mas a presença do PT causa uma espécie de “rejeição” no sistema. Acho que é por isto que o STF foi ao limite da legalidade para fundamentar a prisão -“em flagrante” e “inafiançável” – do senador. E é por isto que a maioria do Senado convalidou. Se fosse um senador de outro partido, é pouco provável que as coisas tivessem ocorrido assim. A maioria da bancada do PT no Senado errou duplamente frente a este episódio. Errou ao defender o voto secreto. E errou ao votar contra a continuidade da prisão.

Dada a gravidade do caso, considerando as provas contundentes, seria admissível até abster-se em função de razões legais e constitucionais; mas ao votar contra a continuidade da prisão, alimentou a campanha da direita contra nós. De toda forma, criou-se um precedente. Motivo pelo qual podem crescer as pressões por um impeachment que “ponha ordem na casa” e permita à um governo de centro-direita limitar os efeitos da Lava Jato apenas ao PT.

IHU On-Line – Que caminho está se desenhando na política brasileira, dada a atual crise política e os casos de corrupção envolvendo políticos dos principais partidos políticos, como PMDB, PSDB, PT?

Valter Pomar – Depende. Como expliquei antes, a variável fundamental da conjuntura é a contraofensiva reacionária. Esta contraofensiva só terá êxito completo se conseguir destruir o PT, como alternativa político-social. Olhando o problema do ponto de vista do que pode passar com o PT, vejo pelo menos três possibilidades.

Possibilidade um: o PT não muda de política, o governo não muda de política, somos afastados agora ou derrotados em 2018, não apenas perdemos o governo, mas também somos desmoralizados e interditados.

Possibilidade dois: o PT muda de política, o governo muda de política, mas não em tempo hábil para impedir nossa derrota eleitoral em 2016 e 2018. Perdemos o governo, mas não somos desmoralizados nem interditados.

Possibilidade três: o PT muda de política, o governo muda de política, em tempo hábil. Continuamos governando o país.

Na minha visão, portanto, o que pode decidir o futuro da política (e dos partidos) não é principalmente a investigação sobre a corrupção. O que pode decidir o futuro é, principalmente, o choque entre a contraofensiva reacionária, de um lado; e a ação do PT e do conjunto da esquerda, de outro lado. E o que vai determinar as chances do PT é a política econômica. Se mudarmos, teremos chances de vencer. Se não mudarmos, não teremos quase nenhuma chance.

Supondo que a contraofensiva reacionária vá até o fim, com a interdição do PT e Lula, a direita vai recuperar o controle pleno do governo central, seja agora, seja a partir de 2018. Neste cenário, o país viveria um retrocesso imenso: não apenas o desmonte das conquistas pós 2003; não apenas o regresso do neoliberalismo em toda linha; não apenas a liquidação dos aspectos positivos inscritos na Constituição de 1988; mas se depender deles, a proteção das leis do trabalho e nosso grau de industrialização vão ser muito afetados também. Não considero que um cenário destes seja compatível com o nível de liberdades democráticas que vivemos desde 1989. Em situações similares, as elites já mostraram que não dão muita bola para seus próprios partidos. E podem apelar para várias alternativas, inclusive para um salvacionismo conservador, um populismo de direita.

Por outro lado, supondo que o PT mude de estratégia, que o governo mude de política, que a contraofensiva reacionária seja derrotada, que o PT vença as eleições de 2018 e retome um programa de mudanças, qual seria a atitude das elites? O que seria de seus partidos? Na minha opinião, os atuais partidos também seriam afetados, por que neste caso se mostrariam imprestáveis para os propósitos da classe dominante. Noutras palavras, em qualquer cenário pode ocorrer um redesenho geral das instituições, partidos inclusive.

IHU On-Line – Que disputas políticas entre os partidos e, de outro lado, que coligações, percebe na atual conjuntura? Vislumbra a possibilidade de algum novo pacto para tirar o Brasil dessa situação de crise?

Valter Pomar – Pacto para “tirar o Brasil da crise”?? Só se for um pacto contra os trabalhadores, para jogar a crise nas costas da classe trabalhadora. Acontece que a crise não é a mesma para todos. Por isto, não existe uma solução que atenda a todos os setores sociais. Do ponto de vista da classe dominante, o central é realinhar o Brasil ao bloco dirigido pelos EUA, reduzir o custo da força de trabalho e diminuir o peso político da esquerda. Sem isto, não vai ocorrer o tipo de crescimento que os favorece. Do ponto de vista da classe trabalhadora, o central é ampliar a democracia popular, ampliar a remuneração direta e indireta (via políticas sociais) da força de trabalho, investir na integração regional e nos BRICs. Sem isto, não vai ocorrer o tipo de desenvolvimento que nos favorece. Não há “pacto” que resolva isto. Pelo contrário.

IHU On-Line – Com a queda de popularidade do governo e o tensionamento constante, algum grupo ou articulação política está ganhando força?

Valter Pomar – Como disse antes, há diferentes “articulações” operando, tendo como vetores o grande empresariado, os “zumbis coxinhas”, a direita partidária, o oligopólio da mídia, a alta burocracia do Estado e os gringos. O protagonismo de cada um destes setores e de suas alianças oscila muito. Mas quem mantém força, desde sempre, é o grande capital financeiro. É este setor que ganhou novamente força, com a nomeação de Levy. E é ele que deve ser derrotado, se quisermos ter um desenvolvimento democrático, popular e socialista no Brasil.

IHU On-Line – Como o senhor compreende a relação do PT (do governo) com Eduardo Cunha?

Valter Pomar – Falando em geral, o crescimento da bancada da Bíblia, do Boi e da Bala é uma reação contra o PT e a esquerda, contra nossas vitórias e programas. Mas o crescimento da bancada BBB poderia ser menor, se tivéssemos feito a coisa certa nos últimos anos. Ao contrário disto, alguns setores do governo e do PT apostaram, volta e meia, numa tentativa de conciliação. Há até quem ache que não deveríamos ter lançado Arlindo Chinaglia para disputar contra Cunha, na eleição do presidente da Câmara. Escrevo sem saber qual será o voto dos três integrantes do PT na comissão de ética, na questão da admissibilidade do processo contra Cunha. Espero que votem contra Cunha. Qualquer outra posição causará danos imensos, incalculáveis, ao país e ao Partido.

IHU On-Line – Como a Frente de Esquerda está se articulando até o momento?

Valter Pomar –  Eu acho que há vários sinais positivos na conjuntura atual. O que está acontecendo nas escolas de São Paulo, por exemplo. A reação à pauta medieval, com destaque para a reação das mulheres em geral e das mulheres negras em particular. A postura da Central Única dos Trabalhadores, que critica o golpismo da direita, sem abrir mão de criticar e mobilizar contra o ajuste fiscal. Outro sinal positivo é, exatamente, a criação da Frente Brasil Popular, para quem defender a democracia é defender outra política econômica, enfatizando a luta por reformas estruturais e insistindo na unidade de ação com outros setores da esquerda (como os que se organizam sob o nome de “Povo sem medo”). Agora, claro, há também frações de esquerda que não estão em nenhuma destas frentes. E que fariam oposição ao PT e ao governo Dilma, mesmo que estivéssemos cumprindo o programa que nos fez vencer as eleições de 2014.

IHU On-Line – O risco de impeachment desapareceu?

Valter Pomar – Não. Nem vai desaparecer totalmente, porque há uma parcela da direita que cansou de perder e aposta no tapetão, seja judicial, seja midiático. Por isto mesmo, o tema principal é, como já disse, recuperar o apoio da maioria do povo. Isto supõe mudar a política econômica, mas supõe também mudar a linha e o comportamento em geral, tanto do governo quanto do Partido. Especialmente, parar de recuar.

IHU On-Line – Vislumbra alguma perspectiva de saída para a crise política diante do atual descrédito da população com relação à política?  

Valter Pomar – Sim, claro. Não existe crise sem fim. E o cronograma de saída da crise dependerá, no fundamental, da classe trabalhadora, especialmente da disposição de amplos setores da classe que ao longo dos últimos anos se identificaram com o PT. Se estes setores demonstrarem disposição política e energia para retomar a ofensiva através de um forte ciclo de lutas, poderão obrigar o governo e o Partido a mudar de orientação. Agora, se aqueles setores não tiverem disposição e energia suficientes, a “perspectiva de saída” será construída por protagonistas diferentes dos atuais, muito provavelmente depois de um período (talvez dez anos ou mais) de recuo, desmobilização e desorganização.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Valter Pomar – Sim, um feliz 2016 e um lembrete: logo chegará a hora de comemorar os 100 anos da revolução de Outubro de 1917. Para horror de coxinhas e cavernícolas, estamos vivos e, mais cedo ou mais tarde, venceremos.

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