Justiça obriga Incra a implantar sistema de abastecimento de água em assentamento

Mais de 140 pessoas do Assentamento José dos Anjos, no Triângulo Mineiro, sofrem há mais de 10 anos com a falta d’água, o que inviabiliza inclusive o desenvolvimento de atividades produtivas

MPF/MG

O Ministério Público Federal (MPF) obteve liminar que obriga o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a implantar, no prazo de 12 meses, toda a infraestrutura necessária para captação e distribuição de água às famílias do Projeto de Assentamento José dos Anjos, localizado no município de Uberlândia, no Triângulo Mineiro.

O PA José dos Anjos foi criado há mais de 10 anos, no dia 26 de outubro de 2005. Os lotes foram destinados a 45 famílias e atualmente cerca de 140 pessoas vivem no local.

Desde a implantação do PA, no entanto, os assentados convivem diariamente com a falta de água potável, pois, embora prevista no Plano de Desenvolvimento Agrário (PDA) do assentamento, o Incra jamais tomou providências para instalar a estrutura necessária ao fornecimento de água às famílias.

Para sobreviver, os assentados utilizam água proveniente de um córrego, que, conforme estudos feitos pela Universidade Federal de Viçosa, responsável pela elaboração do PDA, é armazenada em uma cisterna, a qual apresenta vazamentos e não possui cobertura. A água não passa por qualquer tratamento e “está sujeita a contaminação na captação, na condução e na reservação”, expondo as pessoas ao risco de doenças decorrentes da falta de saneamento, especialmente verminoses como amebíase e esquitossomose.

Na verdade, o Incra chegou a realizar procedimento de licitação para implantar a rede de abastecimento. Os poços foram abertos, mas após a perfuração do solo, as obras pararam, não chegando a ser instalados nem a bomba de água nem os canos, nem quaisquer outros acessórios.

Os fatos chegaram ao conhecimento do Ministério Público Federal no final do ano passado, quando o MP Estadual encaminhou representação feita por representantes do PA José dos Anjos queixando-se da omissão do Incra. Eles relataram ainda que a falta dágua estava impossibilitando a própria sobrevivência do assentamento, pois impedia a realização de quaisquer atividades produtivas, como implantação de lavouras e criação de gado.

Instado a prestar explicações, o Incra admitiu que, nos termos do artigo 4º da Instrução Normativa 15/2004, é de sua responsabilidade a implantação da infraestrutura de captação e distribuição de água em assentamentos agrários. Por outro lado, embora também reconhecendo “a necessidade urgente da instalação integral da infraestrutura de água no PA José dos Anjos”, de forma genérica e sem comprovação, afirmou que “diante das limitações humanas, materiais e orçamentárias atravessadas por esta instituição, não será possível avançar neste exercício o atendimento das reivindicações apresentadas”.

Para o procurador da República Leonardo de Andrade Macedo, “não há justificativa possível para a omissão do órgão federal. O Incra faz parecer que a demanda é uma novidade, quando ela existe há mais de 10 anos, tendo sido identificada antes mesmo da implantação do assentamento”.

Ele explica que “cabe ao INCRA, na condição de órgão executor do PNRA, e à UNIÃO, como titular dos recursos utilizados na implementação desse programa, assegurarem aos beneficiários, previamente à concessão dos lotes, uma infraestrutura mínima, sob pena de inviabilizar-se a própria finalidade do programa social. Ao invés disso, o que se vê são assentamentos deixados à sua própria sorte. A preocupação, atualmente, encontra-se apenas na alocação de pessoas em áreas desapropriadas, prescindindo-se de um aparato básico para que elas consigam sobreviver nesses locais”.

O MPF afirma que a própria finalidade pública do Programa Nacional de Reforma Agrária – que é da e aumentar o desenvolvimento econômico e social do país por meio de políticas de redistribuição de terras, desapropriando imóveis improdutivos e mal aproveitados e concedendo-os aos beneficiários do programa – não será atingida.

Isso porque “sem estrutura de captação e distribuição de água, rede de energia elétrica e estradas vicinais nos assentamentos, os beneficiários da política pública, além de não poderem exercer uma condição plena e digna de vida, não podem promover a produção agrícola ou pecuária. Ou seja, os imóveis que foram desapropriados justamente por serem improdutivos e mal aproveitados continuam nessa condição”.

Ao decidir sobre a concessão de tutela antecipada, o juízo da 1ª Vara Federal de Uberlândia disse que “para a realização da reforma agrária não basta meramente garantir o acesso à terra, mas também assegurar uma estrutura mínima para que seus beneficiários tenham uma vida digna, bem como para que possam desenvolver suas atividades ligadas à produção agrícola ou pecuária, atingindo, assim, a função social da propriedade”.

Uma contradição apontada pelo MPF é o fato de a União e o Incra alegarem falta de recursos, mas destinarem milhões de reais à desapropriação de imóveis particulares para a criação de novos assentamentos.

Segundo o magistrado, “a inércia do poder estatal restou configurada, pois o PA foi implantado há quase 10 anos e ainda não possui a infraestrutura básica e, embora tenha ocorrido a perfuração do poço e o INCRA alegue que está tomando providências, não é razoável supor que essa situação tenha persistido por tantos anos, principalmente se considerarmos que, no período, desapropriações para fins de reforma agrária foram realizadas pelo país, para as quais não faltaram recursos públicos”.

Além disso, ressalta o juízo federal, os réus não se desincumbiram “do ônus de justificar e comprovar, objetivamente, a sua incapacidade econômico-financeira para arcar com as despesas necessárias para a realização da obra” pleiteada pelo MPF.

Em caso de descumprimento da ordem judicial, será aplicada multa diária de dois mil reais.
(ACP nº 5859-44.2015.4.01.3803)

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